Nesta página, cada criança disponível para adoção é representada por plantas similares a estas. Explicamos abaixo…
Entre as crianças que vivem em um abrigo, você provavelmente encontraria um menino de 14 anos, pardo e que tem um irmão. Este é o perfil mais comum das crianças disponíveis para adoção. Entretanto, o perfil mais buscado por futuros pais equivale ao de uma menina de 2 anos, branca e filha única.
De acordo com uma simulação feita pelo ‘Estado’, a chance do menino de 14 anos ser adotado, em até 12 meses, é de 1 em 1.000. A adoção da menina é dada como certa.
Esse contraste entre a preferência dos pais e a realidade das crianças faz com que muitas delas nunca sejam adotadas, ainda que existam 8 possíveis pais para cada criança ou adolescente disponível para adoção.
Além da predileção dos pretendentes, outro fator que dificulta a adoção é a complexidade dos processos na Justiça.
Hoje, a vinculação entre pretendentes e crianças disponíveis para a adoção é feita manualmente por juízes das Varas da Infância, que têm de bater o perfil da criança com critérios estabelecidos pelos pretendentes. Cada juiz usa suas próprias ferramentas, como planilhas no computador mais ou menos organizadas.
Mas uma nova ferramenta promete fazer um “match” entre pretendentes e crianças disponíveis para a adoção.
A tecnologia, batizada de Sistema Nacional de Adoção (SNA), está funcionado em alguns Estados, entre eles São Paulo, e deve passar a funcionar em todo o Brasil em outubro.
Inspirados por este novo sistema, criamos nosso próprio simulador, que também dá “match” entre futuros pais e filhos. Queremos aproximar você, leitor, da situação desses jovens à espera de um lar. Assim, você pode acompanhar quanto tempo levaria para uma criança de 2 anos ser adotada – e comparar com o tempo de espera de uma criança de 10 anos.
Ao executar a simulação milhares de vezes, também foi possível identificar as características que mais facilitam ou dificultam a adoção de uma criança. Ter mais que 5 anos de idade, irmãos e algum tipo de deficiência tornam a adoção muito difícil.
Antes de irmos mais a fundo, vamos explicar como representamos cada criança:
Quanto maior a altura da planta,
maior a idade da criança
Aqui, representamos uma de 9 anos
A terminação em forma de “V”
significa que a criança tem irmãos
Isto é, ao menos um irmão ou irmã
A flor indica que esta criança tem alguma deficiência, física ou cognitiva
Ou ambos os tipos
Buscando um olhar mais sensível, optamos por uma metáfora visual e representamos cada criança como uma pequena planta, que cresce conforme os anos passam. Na simulação a seguir, vamos acompanhar o crescimento de duas crianças à espera de adoção.
⚠️
A velocidade da simulação depende do poder de processamento do dispositivo. Em média, leva 1 minuto
Com base em números reais, criamos um algoritmo que gera crianças e pretendentes – e depois checa se houve “match” entre eles. O “match” acontece quando há uma criança com todas as características que os pais buscam.
Os dados usados na simulação são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que traz a idade de crianças e adolescentes no Brasil, e do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que detalha as características das crianças disponíveis para adoção, além de informar quais são características que os pretendentes buscam ao adotar. A consulta ao CNA foi feita no dia 10 de agosto de 2019.
Quando um casal ou uma pessoa solteira se torna apto a adotar, é necessário definir o perfil da criança desejada. Estas decisões passam por idade máxima, sexo, cor/raça, existência de irmãos e deficiências, físicas ou cognitivas.
Uma das etapas obrigatórias do processo de adoção é participar de um programa de preparação, item previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este programa serve para ajudar os futuros pais a tomarem decisões com mais segurança, além de antecipar possíveis problemas no início da convivência com a criança.
Neste programa, os pais são introduzidos à realidade dos jovens aptos à adoção e, a partir disso, são incentivados a selecionar características que costumam ter pouca procura. Ainda assim, dados coletados no dia 10 de agosto de 2019 evidenciam contraste:
Quanto maior a altura da barra, maior a quantidade de pretendentes que aceitam crianças até aquela idade. O gráfico vai de 0 anos (bebês com alguns meses de vida) até jovens de 17 anos e 11 meses
Como cada pretendente pode aceitar mais de uma cor/raça, a soma dos valores passa de 100%
O princípio do “não desmembramento de grupos de irmãos” está previsto no Art. 92 do ECA
Desconsideramos o % que aceita crianças com HIV (5%) ou com outro tipo de doença (35%)
Além das preferências mostradas acima, também existe uma predileção maior por meninas. Vamos aos números. A maior parte dos futuros pais, cerca de 64%, aceita tanto meninos quanto meninas. Outros 8% aceitam exclusivamente crianças do sexo masculino. Já 27% dos pretendentes aceitam apenas meninas.
Contudo, apesar de este ser um critério de seleção importante, existem outros que acabam tendo mais peso, por serem mais seletivos. Vamos tratar deste tema a seguir:
Até aqui, mostramos as características mais buscadas pelos futuros pais e também apresentamos nosso interativo, que simula a adoção no Brasil. Você provavelmente executou essa simulação uma vez. Nós a executamos milhares de vezes.
Dessa forma, foi possível identificar as características que mais facilitam ou dificultam a adoção de uma criança. Na prática, comparamos as características das crianças disponíveis para adoção com as características das crianças que foram adotadas.
Para ficar mais claro, vamos começar falando sobre cor/raça. Abaixo, agrupamos 1.000 crianças que foram adotadas em nossa simulação. Cada grupo representa uma cor/raça:
Em nossa simulação, metade das crianças adotadas é parda. Isto, porém, não significa que os pretendentes preferem crianças pardas, já que metade das crianças disponíveis para adoção também é parda. Da mesma forma, crianças negras também representam 19% das disponíveis para adoção. Brancas são 30%.
Isso indica que, apesar da cor/raça ser um critério de seleção, existem outros filtros mais seletivos que este. A seguir, veja critérios com mais peso:
Meninos e meninas com deficiência cognitiva representam 9% das crianças adotadas, mas são 14% das disponíveis. Diferença é menor no caso de deficiência física: a cada 3 crianças, apenas 1 não é adotada. Elas representam 4% das adotadas, mas são 6% das disponíveis.
A adoção de crianças que vivem essa situação é estimulada no programa de preparação
Crianças com irmãos representam 51% das adotadas, mas são das 60% disponíveis. Estes números, porém, escondem um outro ângulo: entre as adotadas, crianças com irmãos tendem a ser mais novas.
Se olharmos para o grupo de crianças adotadas, veremos que a idade mais comum das que têm irmãos é 1 ano. Já a idade mais comum entre as que não têm irmãos é 4 anos. Isso indica que, de certo modo, crianças com irmãos acabam sendo mais adotadas quando são mais novas, característica tão disputada.
O pequeno Davi, de 7 anos, já inclui nos seus desenhos a irmã que ele ainda não conhece. A família vai crescer - e todo mundo torce para que seja rápido. Depois da adoção de Davi, a manicure Daniele Martins, de 32 anos, está de volta à fila dos pretendentes. Foram três anos e meio de espera pelo menino, que chegou em 2013, pequenininho e assustado, aos braços de Daniele. Agora, a família pretende adotar uma menina de 6 anos.
“Queria que fosse mais rápido. Foi uma espera bastante ansiosa. Ficava sonhando com ele e não podia fazer nada”, lembra Daniele, sobre o tempo até ser chamada para conhecer Davi. A esperança de agilidade ganha fôlego com mudanças no sistema de adoção. Uma nova ferramenta, que deve passar a funcionar em todo o Brasil em outubro, promete fazer um “match” entre pretendentes e crianças disponíveis para a adoção.
“O sistema vai fazer todas as noites uma varredura, procurar na base de dados de pretendentes se tem algum dentro do perfil da criança. Se tiver, vai fazer uma vinculação entre eles”, explica Isabely Mota, subcoordenadora do grupo de trabalho de gestão dos sistemas de cadastro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), responsável pela mudança. O CNJ lançou a nova plataforma, batizada de Sistema Nacional de Adoção (SNA), no mês passado. A ferramenta já está em operação em alguns Estados.
Hoje, essa vinculação entre pretendentes e crianças disponíveis para a adoção é feita manualmente pelas varas de infância, que têm de bater o perfil da criança com critérios estabelecidos pelos pretendentes à adoção (quando começam o processo, eles podem escolher faixa etária, cor, sexo e outras características da criança que pretendem adotar). Sem o sistema, cada juiz usa suas próprias ferramentas, como planilhas no computador mais ou menos organizadas.
A nova varredura noturna deve analisar todas as informações reunidas em um só banco de dados. As buscas serão feitas com prioridade para crianças com perfis mais difíceis de adoção, como aquelas mais velhas ou com deficiências. Haverá procura primeiro no município e, se não for encontrado um pretendente para aquela criança, a varredura vai para o Estado. Por último, haverá uma análise em todo o Brasil. Todas as noites, todas as crianças aptas à adoção passarão por análise.
Quando ocorrer o “match”, a Justiça deve entrar em contato com a família que pretende adotar. “Se em 15 dias não for feito nenhum contato e essa vinculação tiver sido mantida pela vara da infância, o sistema manda um email para o pretendente o informando”, explica Isabely. Com isso, o próprio pretendente pode ir atrás da Justiça para conhecer a criança. A ideia é agilizar os processos de adoção, evitando a permanência em abrigos de crianças já aptas a ganharem uma nova família.
Estudos brasileiros e internacionais mostram que a longa permanência de crianças em instituições de acolhimento é prejudicial - há riscos de que recebam menos estímulos e que tenham desenvolvimento atrasado. No Brasil, segundo o CNJ, há 47,4 mil meninos e meninas nessa situação, a maior parte adolescentes. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê prazo máximo de um ano e meio em abrigos.
“Uma reclamação que sempre tinha é que crianças ficavam ‘esquecidas’ no abrigo. O sistema foi desenvolvido para visualizar com transparência e precisão o total de crianças e adolescentes disponíveis para adoção e que estão em situação de espera”, explica o desembargador Samuel Meira Brasil Junior, corregedor geral do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, Estado que inspirou as mudanças em nível nacional. Por lá, um sistema parecido funciona desde 2008.
Além do “match”, o SNA também passará a incluir dados de crianças acolhidas em abrigos e que não estão aptas à adoção. A ideia é acompanhar o percurso de meninos e meninas: por quanto tempo estão acolhidas, se retornaram à família de origem ou passaram por processo de destituição do poder familiar (quando são desvinculadas legalmente dos familiares). Alertas serão emitidos aos juízes quando prazos de algumas etapas estiverem chegando ao fim.
Os pretendentes também poderão saber, pelo sistema, a posição na fila de adoção e atualizar contatos. A ideia é dar mais transparência ao processo e evitar falhas de comunicação. Para as famílias, as notícias são um alento. “Tinha muitas dúvidas. Ficava pensando se perderam meus papéis”, diz Daniele, que, durante a espera pelo filho, ia frequentemente ao fórum para saber se sua vez estava próxima. Já com Davi em casa, sofreu quando fez uma visita ao abrigo onde ele passou o primeiro ano de vida. “Os bebês não são maltratados, mas não são tratados como nossos filhos, como gostaríamos que fossem, até porque não podem ter vínculo com a criança. Dói pensar.”
COMO É
1. Há dois sistemas separados, que não dialogam: o Cadastro Nacional de Crianças Acolhidas (CNCA) e o Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
2. Hoje, quando uma criança entra no Cadastro Nacional de Adoção, o juiz busca de forma manual, inicialmente em sua Vara da Infância, pretendentes com perfil semelhante ao menor disponível para adoção.
3. Os juízes devem seguir os prazos legais previstos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, mas não há alertas automáticos sobre esses prazos.
4. Os pretendentes aguardam na fila de adoção e têm pouca ideia se o processo pode demorar. A posição na fila é informada, em geral, apenas em visitas presenciais à Vara da Infância onde está habilitado.
COMO FICA
1. Será criado o Sistema Nacional de Adoção, que incluirá informações sobre crianças acolhidas, aptas à adoção e os pretendentes.
2. Uma plataforma automática fará uma varredura diária nos dados das crianças aptas à adoção para identificar possíveis pretendentes. A análise será feita respectivamente no município, Estado e, por último, no País.
3. Mensagens automáticas aparecerão nos computadores dos juízes alertando sobre o fim de prazos importantes no processo de adoção.
4. O sistema vai informar a posição relativa do pretendente na fila de adoção. Esse número levará em conta a data em que se tornou habilitado para adotar. Dependendo dos critérios exigidos, a fila pode andar mais rápido.
A solução para a situação de crianças acolhidas no País não passa apenas por ferramentas tecnológicas. Juízes da infância ouvidos pelo ‘Estado’ contam que os entraves vão desde a alta exigência de pretendentes - a maioria só aceita crianças pequenas - até a falta de pessoal para coletar e atualizar dados. Alguns Estados, incluindo São Paulo, já estão usando o Sistema Nacional de Adoção (SNA).
“Vejo com bons olhos (o SNA), mas vai depender de como esses cadastros vão ser alimentados. Ele precisa estar atualizado em tempo real”, afirma Fátima Liz Bardelli Teixeira, promotora de Justiça de São Paulo e assessora do Centro de Apoio Operacional de Infância e Juventude e Idoso. O “match”, diz, pode agilizar a localização de pretendentes, mas não dispensa o olhar humano sobre os processos.
Em São Paulo, onde o SNA passou a funcionar no mês passado oficialmente, cerca de 80% das comarcas foram treinadas para usar a ferramenta. “É importante que a equipe técnica, funcionários e magistrados se conscientizem da necessidade de alimentar de forma correta o sistema. Se a criança entrou no abrigo, imediatamente deve ser colocada no sistema”, diz a juíza Mônica Gonzaga Arnoni, da 1ª Vara da Infância e Juventude Central de São Paulo.
Para ela, os alertas aos juízes, previstos no novo sistema, são uma “forma de dar atenção aos processos”, mas Mônica teme que alguns avisos, de tanto piscar na tela dos magistrados, acabem sendo ignorados. Um deles é sobre o prazo legal de 120 dias para o julgamento da ação de destituição do poder familiar (só após esse processo é que a criança estaria apta à adoção).
Na prática, segundo a juíza de São Paulo, há dificuldades em cumprir o tempo máximo. “É uma ação contra os pais biológicos e eles têm direito de defesa. Se encontramos quatro endereços possíveis da mãe, temos de tentar citá-la nesses quatro endereços”, exemplifica. “Nem toda criança que está no abrigo está apta para adoção.” A lei garante que o bem-estar dos pequenos - e não a vontade dos pretendentes - seja assegurado e entende que a prioridade é o vínculo com a família de origem.
Para Mônica Labuto, juíza da 3ª Vara da Infância e da Juventude e Idoso do Rio, o sistema pode ser um “facilitador”, mas a agilidade depende outros fatores como varas da infância bem estruturadas e específicas para as crianças. “Hoje, tenho processos de idosos centenários, que têm de andar rápido. Muitas vezes o das crianças têm de ser deixado de lado.”
Outro gargalo, diz, é a comunicação com os abrigos, que devem dar um feedback aos juízes sobre a relação das crianças com a família biológica - um dado importante para determinar se ainda há vínculo com os genitores ou se, ao contrário, a criança poderia ser encaminhada para a adoção. “Hoje, são poucos técnicos. Há insuficiência no quadro.”