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1
Duncan Kennedy questiona a tentativa de separar o direito da análise de políticas públicas: “Os professores ensinam absurdos quando convencem os alunos de que o raciocínio jurídico é diferente, enquanto método de se obter resultados corretos, do discurso ético e político em geral (isto é, da análise de políticas públicas). É verdade que os advogados dispõem de técnicas argumentativas especiais para descobrir lacunas, conflitos e ambiguidades nas regras, para questionar decisões judiciais amplas e limitadas, e para produzir argumentos sobre políticas públicas favoráveis e contrários.
2
Contudo, trata- se aqui apenas de técnicas argumentativas. Não existe nunca uma ‘solução jurídica correta’ que não seja outra senão a solução ética e politicamente correta de um determinado problema jurídico. Em outras palavras, tudo que é ensinado, com exceção das regras formais em si e das técnicas argumentativas para manipulá-las, é formulação de políticas públicas e nada mais. Segue-se que é artificial a distinção feita em sala de aula entre o caso jurídico não problemático e o caso que se volta para preocupações com políticas públicas; cada um poderia muito bem ser ensinado da maneira contrária.”
  • 1
    Nesse sentido é que Duncan Kennedy questiona, há décadas, a postura de se tentar separar o direito da análise de políticas públicas. Segundo o filósofo americano: “Os professores ensinam absurdos quando convencem os alunos de que o raciocínio jurídico é diferente, enquanto método de se obter resultados corretos, do discurso ético e político em geral (isto é, da análise de políticas públicas). É verdade que os advogados dispõem de técnicas argumentativas especiais para descobrir lacunas, conflitos e ambiguidades nas regras, para questionar decisões judiciais amplas e limitadas, e para produzir argumentos sobre políticas públicas favoráveis e contrários.
    (Artigo 2)
  • 2
    Contudo, trata-se aqui apenas de técnicas argumentativas. Não existe nunca uma ‘solução jurídica correta' que não seja outra senão a solução ética e politicamente correta de um determinado problema jurídico. Em outras palavras, tudo que é ensinado, com exceção das regras formais em si e das técnicas argumentativas para manipulá-las, é formulação de políticas públicas e nada mais. Segue-se que é artificial a distinção feita em sala de aula entre o caso jurídico não problemático e o caso que se volta para preocupações com políticas públicas; cada um poderia muito bem ser ensinado da maneira contrária.”
    (Artigo 2)

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3
Para Virgílio Afonso da Silva, “embora muitos autores façam um grande esforço para demonstrar ‘histórias de sucesso’ na efetivação de direitos sociais por meio do Judiciário, parece-me que tais histórias são superestimadas, da mesma forma que o é o papel que o Judiciário desempenha nessa área”.
  • 3
    Para o Professor Virgílio "embora muitos autores façam um grande esforço para demonstrar ‘histórias de sucesso' na efetivação de direitos sociais por meio do Judiciário, parece-me que tais histórias são superestimadas, da mesma forma que o é o papel que o Judiciário desempenha nessa área".
    (Artigo 2)

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4
“A abordagem da Corte ajuda a evitar demandas fragmentadas e em série concernentes a circunstâncias similares, e também permite à Corte exigir a melhoria dos programas de governo, mesmo quando não haja remédio individual adequado” – afirma Eric C. Christiansen, em alusão à África do Sul.
5
Para Luís Roberto Barroso, “o sistema (da judicialização da saúde) começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos”. Isso porque, “no limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas”.
  • 4
    O Professor Eric nos diz que "a abordagem da Corte ajuda a evitar demandas fragmentadas e em série concernentes a circunstâncias similares, e também permite à Corte exigir a melhoria dos programas de governo, mesmo quando não haja remédio individual adequado".
    (Artigo 1)
  • 5
    Segundo o Professor "o sistema (da judicialização da saúde) começa a apresentar sintomas graves de que pode morrer da cura, vítima do excesso de ambição, da falta de critérios e de voluntarismos diversos". Isso porque, "no limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas".
    (Artigo 2)

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6
Todavia, no que diz respeito à concretização do direito à saúde, Luís Roberto Barroso afirma: “havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção".
7
Isso porque, "o constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei. Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria. Entre constitucionalismo e democracia podem surgir, eventualmente, pontos de tensão: a vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição”.
  • 6
    Barroso disse ainda que "havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção".
    (Artigo 3)
  • 7
    O Professor Barroso retrucou afirmando que o "constitucionalismo significa, em essência, limitação do poder e supremacia da lei. Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em soberania popular e governo da maioria. Entre constitucionalismo e democracia podem surgir, eventualmente, pontos de tensão: a vontade da maioria pode ter de estancar diante de determinados conteúdos materiais, orgânicos ou processuais da Constituição"
    (Artigo 3)

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8
Na Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que “as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis”.
9
O constituinte estabeleceu previsão acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção, do Poder Judiciário, nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil. E não é só a Constituição da Índia que traz um dispositivo afastando o Poder Judiciário do debate acerca da concretização de direitos sociais.
10
A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que “os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]. A aplicação desses princípios na elaboração das leis deve ser tarefa do Oireachtas exclusivamente, e não deve ser cogniscível por nenhuma Corte sob qualquer das disposições desta Constituição”. O Judiciário se afasta do debate da saúde em razão da imposição constitucional. Por sua vez, p art. 101 da Constituição da Naníbia diz que “os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios”.
11
De acordo com Barroso, “o Chefe do Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto popular e são o componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são recrutados, como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos: [...] a idéia de governo da maioria se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas, inclusive de educação, saúde e segurança etc”.
  • 8
    A Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que "as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis".
    (Artigo 2)
  • 9
    No caso indiano o constituinte estabeleceu previsão expressa acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção do Poder Judiciário nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil.
    (Artigo 2)
  • 10
    A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que "os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]. A aplicação desses princípios na elaboração das leis deve ser tarefa do Oireachtas exclusivamente, e não deve ser cogniscível por nenhuma Corte sob qualquer das disposições desta Constituição". Percebam que nesse país o Judiciário se afasta do debate da saúde em razão de uma imposição constitucional.O art. 101 da Constituição da Naníbia diz que "os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios".
    (Artigo 2)
  • 11
    Mas Barroso estava bem à vontade. De acordo com ele "o Chefe do Executivo e os membros do Legislativo são escolhidos pelo voto popular e são o componente majoritário do sistema. Os membros do Poder Judiciário são recrutados, como regra geral, por critérios técnicos e não eletivos". Em seguida, o Professor afirmou que "a idéia de governo da maioria se realiza, sobretudo, na atuação do Executivo e do Legislativo, aos quais compete a elaboração de leis, a alocação de recursos e a formulação e execução de políticas públicas, inclusive as de educação, saúde, segurança etc'.
    (Artigo 3 ')

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12
A Corte Constitucional da África do Sul tem o caso The Government of The Republic of South Africa versus Irene Grootboom (04.10.2000). O debate girou em torno da concretização da Seção 26 da Constituição, que tratava de moradia, com o seguinte enunciado: “todos têm o direito ao acesso a moradia adequada e o Estado deve tomar razoáveis medidas legislativas e outras, dentro dos recursos disponíveis para alcançar a realização progressiva desse direito”. Também abordava a Seção 28 que dispunha: “cada criança tem direito a (...) nutrição básica, abrigo, assistência médica básica e serviços sociais”.
13
A Corte afastou a questão da justiciabilidade ou não dos direitos sociais. Para ela: “a questão é, portanto, não se os direitos sócios-econômicos são justiciáveis, mas como efetivá-los no caso concreto”.
14
Parece superado, também no Brasil, o argumento segundo o qual é vedada a sindicabilidade judicial das políticas públicas. O STF pacificou posição a respeito. (...)Interessante questão surgiu quando do julgamento de Ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores PT, pelo Partido Comunista do Brasil PC do B e pelo Partido Democrático Trabalhista PDT.

Os partidos apontavam inércia do Presidente da República em envidar esforços no sentido de erradicar o analfabetismo no Brasil, em afronta ao disposto nos arts. 6º, 23, V, 208, I, e 214, I, todos da Constituição Federal.

O STF definiu, nesse caso, que não haveria como se afirmar ter havido inércia do Presidente da República de modo a se lhe imputar providência administrativa que ainda não tivesse sido por ele adotada e que poderia ser suprida pela procedência da ação, nada obstante a Corte tenha reconhecido que o Brasil ainda tem muito a fazer em termos de compromisso constitucionalmente imposto de erradicar o analfabetismo, até mesmo para que os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a sua liberdade, a igualdade de oportunidades possam ser efetivados.
  • 12
    Vale à pena conhecer a decisão da Corte Constitucional da África do Sul no caso The Government of The Republic of South Africa versus Irene Grootboom (4.10.2000).O debate girou em torno da concretização da Seção 26 da Constituição sul africana que tratava de moradia e que trazia o seguinte enunciado: "todos têm o direito ao acesso a moradia adequada e o Estado deve tomar razoáveis medidas legislativas e outras, dentro dos recursos disponíveis para alcançar a realização progressiva desse direito". Também abordava a Seção 28 que dispunha: "cada criança tem direito a (...) nutrição básica, abrigo, assistência médica básica e serviços sociais".
    (Artigo 2)
  • 13
    A Corte afastou a questão da justiciabilidade ou não dos direitos sociais. Para ela: "a questão é, portanto, não se os direitos sócios-econômicos são justiciáveis, mas como efetivá-los no caso concreto"
    (Artigo 2)
  • 14
    No Brasil, parece superado o argumento segundo o qual a é vedada a sindicabilidade das políticas públicas pela jurisdição constitucional. O STF pacificou posição a respeito. Interessante questão surgiu quando do julgamento de Ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B e pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT.

    Os partidos apontavam inércia do Presidente da República em envidar esforços no sentido de erradicar o analfabetismo no Brasil, em afronta ao disposto nos arts. 6º, 23, V, 208, I, e 214, I, da Constituição Federal.

    O STF definiu, nesse caso, que não haveria como se afirmar ter havido inércia do Presidente da República, nada obstante a Corte tenha reconhecido que o Brasil ainda tem muito a fazer em termos de compromisso constitucionalmente imposto de erradicar o analfabetismo, até mesmo para que os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a sua liberdade, a igualdade de oportunidades possam ser efetivados.
    (Artigo 2)

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15
Para Barroso, alguns pontos da discussão acerca do esforço judicial para a concretização do direito à saúde deveriam se dar por meio de discussões coletivas ou abstratas, que exigiriam “um exame do contexto geral das políticas públicas discutidas (o que em regra não ocorre, até por sua inviabilidade, no contexto de ações individuais) e tornará mais provável esse exame, já que os legitimados ativos (Ministério Público, associações etc.) terão melhores condições de trazer tais elementos aos autos e discuti-los”.

Discutindo coletiva e abstratamente o tema no Judiciário, afirma que “sua atuação não tende a provocar o desperdício de recursos públicos, nem a desorganizar a atuação administrativa, mas a permitir o planejamento da atuação estatal: [...] Com efeito, uma decisão judicial única de caráter geral permite que o Poder Público estruture seus serviços de forma mais organizada e eficiente” – afirma Barroso.
  • 15
    Barroso defendeu que alguns pontos da discussão acerca do esforço judicial para a concretização do direito à saúde deveriam se dar por meio de discussões coletivas ou abstratas, que exigiriam "um exame do contexto geral das políticas públicas discutidas (o que em regra não ocorre, até por sua inviabilidade, no contexto de ações individuais) e tornará mais provável esse exame, já que os legitimados ativos (Ministério Público, associações etc.) terão melhores condições de trazer tais elementos aos autos e discuti-los".(...)

    Na seqüência, Barroso continuou afirmando que discutindo coletiva e abstratamente o tema no Judiciário, sua atuação não "tende a provocar o desperdício de recursos públicos, nem a desorganizar a atuação administrativa, mas a permitir o planejamento da atuação estatal. Com efeito, uma decisão judicial única de caráter geral permite que o Poder Público estruture seus serviços de forma mais organizada e eficiente".
    (Artigo 3)

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16
A última e mais polêmica afirmação de Luís Roberto Barroso é a de que, em muitos casos da ‘judicialização da saúde’, o que se constata é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados: “quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres” - registra.
21
Portanto, neste ponto, parece ter maior razão Eric. C. Christiansen que, referindo-se à África do Sul no esforço judicial de concretização do direito à saúde para combate à AIDS, registrou: “Focar mais no programa governamental do que na parte prejudicada, gera a possibilidade de que a Corte não proveja justiça ao indivíduo que pleiteie perante ela”. É que, “na ausência de remédios individuais, o autor deve esperar pela modificação do programa governamental antes de ter suas necessidades atendidas, isto é, antes que seus direitos constitucionais sejam concretizados".
22
Eric C. Christiansen prevê a consequência de tal postura: “Essa é uma conseqüência pertubardora da jurisprudência à luz da aplicação da Constituição sul-africana, que visa fomentar a cultura dos direitos humanos”.
  • 16
    Na seqüência, disse que "quando o Judiciário assume o papel de protagonista na implementação dessas políticas, privilegia aqueles que possuem acesso qualificado à Justiça, seja por conhecerem seus direitos, seja por poderem arcar com os custos do processo judicial. Por isso, a possibilidade de o Judiciário determinar a entrega gratuita de medicamentos mais serviria à classe média que aos pobres". Nesse ponto, o Professor Barroso parecia não ter a exata dimensão do que tem ocorrido no Brasil.
    (Artigo 3)
  • 21
    Lembrei-me do que escreveu o Professor Eric. C. Christiansen, referindo-se à realidade da África do Sul no esforço judicial de concretização do direito à saúde para combate à AIDS. Segundo o professor: "Focar mais no programa governamental do que na parte prejudicada, gera a possibilidade de que a Corte não proveja justiça ao indivíduo que pleiteie perante ela". Isso porque, para ele, "Na ausência de remédios individuais, o autor deve esperar pela modificação do programa governamental antes de ter suas necessidades atendidas, isto é, antes que seus direitos constitucionais sejam concretizados".
    (Artigo 3)
  • 22
    Eric prevê a consequência de tal postura: "Essa é uma conseqüência pertubardora da jurisprudência à luz da aplicação da Constituição sul-africana, que visa fomentar a cultura dos direitos humanos".
    (Artigo 3)

Página 65

23
“Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito. Na América Latina, o caso da Colômbia é um dos mais significativos”159 – observou atentamente Luís Roberto Barroso.
  • 23
    Segundo Barroso, "exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito. Na América Latina, o caso da Colômbia é um dos mais significativos".
    (Artigo 3)

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24
A Corte Constitucional construiu o conceito de direito à saúde como direito fundamental por similaridade, atrelado ao direito à vida: quando a prestação do serviço de saúde é condição sine qua non para a proteção adequada deste direito. Há três critérios: a similaridade, o subjetivo e o material.
25
Pelo critério da similaridade, para aceitar o caráter fundamental do direito à saúde, em um caso concreto, deve haver uma ligação entre o direito à saúde e outros direitos fundamentais como à vida ou o direito fundamental ao mínimo vital.
26
Na Sentença T-571 de 1992, a Corte afirmou que os direitos fundamentais por similaridade são aqueles que, não sendo denominado como tais no texto constitucional, todavia, lhes é comunicada esta qualificação em virtude da íntima e inseparável relação com outros direitos fundamentais, de forma que se não foram protegidos de forma imediata os primeiros ocasionar-se-ia vulnerabilização ou ameaça dos segundos. A decisão cita o caso do direito à saúde, que não sendo em princípio direito fundamental, adquire esta categoria quando a desatenção do enfermo ameaça por em perigo seus direitos à vida.
27
Segundo a Corte: Uma lesão que gera dor à pessoa e que pode ser evitada mediante uma intervenção cirúrgica, constitui-se de uma forma de tratamento cruel (CP, art. 12) quando, verificada sua existência, omite-se o tratamento para sua cura. A dor intensa reduz a capacidade da pessoa, impede seu livre desenvolvimento e afeta sua integridade física e psíquica. A autoridade competente que se nega, sem justificação suficiente, a tomar as medidas necessárias para evitá-lo, omite seus deveres, desconhece o princípio da dignidade humana e torna vulneráveis os direitos à saúde e à integridade física, psíquica e moral da pessoa. (...) A dor envilece à pessoa que sofre na vulnerabilização do direito à integridade pessoa do afetado, possibilitando a este último a possibilidade de executar as ações judiciais para a proteção imediata de seus direitos fundamentais.
28
Na linha da jurisprudência constitucional colombiana, o critério subjetivo juspositivista explícito ampara menores de idade por vontade do Constituinte. Já o de ordem interpretativa se dá quando se reconhece o direito fundamental autônomo a pessoas ou grupos especialmente protegidos, como as pessoas com incapacidades ou da terceira idade.Com relação ao critério material, a Corte sustentou que a prestação da saúde, já reconhecida pela lei ou Plano Obrigatório de Saúde, adquire o caráter de direito fundamental autônomo, de forma que o descumprimento da mesma constituiria uma possível vulnerabilidade do direito fundamental à saúde.A Sentença T-533/92 mostra um indigente que requereu uma cirurgia para não ficar cego. Segundo a Corte, seria hipótese de o direito à saúde adquirir o caráter de fundamental, posto que as conseqüências, de maneira imediata, se revelam como contrário à Constituição, a qual protege a vida e a integridade física das pessoas.A Corte entendeu que acreditado o caráter de indigente absoluto (i) incapacidade absoluta de pessoa de valer-se por seus próprios meios; (ii) existência de uma necessidade vital cuja não satisfação lesiona a dignidade humana em máximo grau; (iii) ausência material de apoio familiar cabe reconhecer à frente do sujeito e a cargo da entidade pública respectiva, o direito a receber a prestação correspondente, estabelecendo à luz das circunstâncias as cargas retributivas a seu cargo (...)Na sentença T-484/92, a Corte Constitucional definiu que o direito à saúde, em sua natureza jurídica, contempla um conjunto de elementos que podem agrupar-se em dois grandes blocos. O primeiro, seria aquele que identifica como um predicado imediato do direito à vida, de maneira a atentar contra a saúde das pessoas equivale a atentar contra sua própria vida. Por estes aspectos, o direito à saúde resulta um direito fundamental. O segundo, coloca o direito à saúde com um caráter assistencial, estabelecido nas referências funcionais do denominado estado Social de Direito, em razão de que seu reconhecimento impõe ações concretas.
29
Interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte.Uma senhora sofria de lesão na coluna vertebral e deveria sofrer um procedimento cirúrgico. Ante a delonga na prestação do serviço e à dor que a impedia de subir e descer escadas, interpôs uma ação de tutela com o objetivo de que se ordenasse a operação.A Corte Constitucional precisou que, quando uma entidade se nega a prestar um serviço que requer uma pessoa, para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.
  • 24
    A Corte Constitucional colombiana transitou bem nesta discussão. Ela construiu o conceito de direito à saúde como direito fundamental por similaridade, quando atrelado ao direito à vida. Isso quando "a prestação do serviço de saúde é condição sine qua non para a proteção adequada deste direito".
    (Artigo 4)
  • 25
    A Corte estabeleceu uma linha bem definida acerca do que seria direito à saúde. Ela forneceu três critérios: a similaridade, o subjetivo e o material.Pela similaridade, deve haver uma ligação entre o direito à saúde e outros direitos fundamentais como à vida, ou o direito fundamental ao mínimo vital.
    (Artigo 4)
  • 26
    Na Sentença T-571 de 1992, a Corte afirmou que "os direitos fundamentais por similaridade são aqueles que, não sendo denominado como tais nos textos constitucional, todavia, lhes é comunicada esta qualificação em virtude da íntima e inseparável relação com outros direitos fundamentais, de forma que se não foram protegidos de forma imediata os primeiros ocasionar-se-ia vulnerabilização ou ameaça dos segundos". A decisão cita o caso do direito à saúde, "que não sendo em princípio direito fundamental, adquire esta categoria quando a desatenção do enfermo ameaça por em perigo seus direitos à vida".
    (Artigo 4)
  • 27
    O critério subjetivo juspositivista explícito ampara menores de idade protegidos pela própria Constituição. Já o de ordem interpretativa se dá quando a Corte reconhece o direito fundamental autônomo a grupos amparados por proteção especial, como as pessoas com incapacidades ou da terceira idade.Com relação ao critério material, a Corte sustentou que a prestação da saúde, já reconhecida pela lei ou Plano Obrigatório de Saúde, adquire o caráter de direito fundamental autônomo, de forma que o descumprimento da mesma constituiria uma possível vulnerabilidade do direito fundamental à saúde.Ainda dentro da realidade colombiana, temos a Sentença T-533, de 1992.No caso, um indigente requereu uma cirurgia que evitaria a cegueira. Segundo a Corte, seria hipótese de o direito à saúde adquirir o caráter de fundamental, posto que "as conseqüências, de maneira imediata, se revelam como contrárias à ordem constitucional, a qual protege a vida e a integridade física das pessoas".A Corte entendeu que "acreditado o caráter de indigente absoluto – (i) incapacidade absoluta de pessoa de valer-se por seus próprios meios; (ii) existência de uma necessidade vital cuja não satisfação lesiona a dignidade humana em máximo grau; (iii) ausência material de apoio familiar – cabe reconhecer à frente do sujeito e a cargo da entidade pública respectiva, o direito a receber a prestação correspondente, estabelecendo – à luz das circunstâncias – as cargas retributivas a seu cargo (...)".
    (Artigo 4)
  • 28
    Na sentença T-484, de 1992, a Corte Constitucional colombiana definiu que o direito à saúde, em sua natureza jurídica, contempla um conjunto de elementos que podem agrupar-se em dois grandes blocos.O primeiro bloco seria aquele que "identifica como um predicado imediato do direito à vida, de maneira a atentar contra a saúde das pessoas equivale a atentar contra sua própria vida. Por estes aspectos, o direito à saúde resulta um direito fundamental".O segundo bloco coloca o "direito à saúde com um caráter assistencial, estabelecido nas referências funcionais do denominado estado Social de Direito, em razão de que seu reconhecimento impõe ações concretas".
    (Artigo 4)
  • 29
    Mas é interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte.Uma senhora sofria de uma lesão na coluna vertebral e necessitava de cirurgia. Com a demora na prestação do serviço e com a dor que a impedia, inclusive de subir e descer escadas, ela ajuizou ação pleiteando a realização da cirurgia. Segundo a Corte Constitucional, quando uma entidade se nega a prestar um serviço requerido por uma pessoa para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, ela submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.
    (Artigo 4)

Página 69

30
Em 1995, numa compreensão ampla do conceito de ‘cura’, a Corte Constitucional fixou esta “não necessariamente implica erradicação total dos sofrimentos, senão que envolve as possibilidades de melhoria para o paciente, assim como os cuidados indispensáveis para impedir que sua saúde se deteriore ou diminua de maneira ostensiva, afetando sua qualidade de vida”. Em 2000, estendeu os benefícios da prestação da saúde às atividades de instrução e educação no tratamento de reabilitação de menores deficientes. Em 2003, reconheceu, dentro do conteúdo do direito à saúde do menor afetado por surdez, as terapias necessárias para sua integração à sociedade. A jurisprudência tem estendido estes benefícios também, a maiores de idade em situação de debilidade que, não obstante sua idade biológica os tornam maiores, de acordo com os médicos que os tratam, sua idade mental corresponde à de uma criança pequena.
  • 30
    Isso porque, em 1995, a Corte, a partir de uma leitura ampla do conceito ‘cura', adotou a tese segundo a qual esta "não necessariamente implica erradicação total dos sofrimentos, senão que envolve as possibilidades de melhoria para o paciente, assim como os cuidados indispensáveis para impedir que sua saúde se deteriore ou diminua de maneira ostensiva, afetando sua qualidade de vida".Em 2000, a Corte "estendeu os benefícios da prestação da saúde às atividades de instrução e educação no tratamento de reabilitação de menores deficientes". Em 2003 a Corte "reconheceu, dentro do conteúdo do direito à saúde do menor afetado por surdez, as terapias necessárias para sua integração à sociedade".A jurisprudência da Corte Constitucional colombiana tem "estendido estes benefícios também, a maiores de idade em situação de debilidade que, não obstante sua idade biológica os tornam maiores, de acordo com os médicos que os tratam, sua idade mental corresponde à de uma criança pequena".
    (Artigo 3)

Página 71

31
Em 12 de dezembro de 1998, o município brasileiro de Porto Alegre sustentava, no STF, numa das primeiras vezes, que os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal eram normas programáticas, dependendo de regulamentação, não implicando a transferência, ao município, da obrigação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais necessários ao tratamento da AIDS.
32
O município de Porto Alegre dizia que a Lei nº 8.913/96 atribuía ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade pela distribuição de medicamentos, razão pela qual não seria necessária a regulamentação do artigo 2º, no que toca ao financiamento das despesas. Também dizia que, em face à autonomia dos municípios, era inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que lhes acarretasse despesa.
33
O Município sustentou que mesmo que o citado Diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as formas de repasse dos recursos. O seu último argumento invocou a Portaria nº 874, de 3 de julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao Órgão a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da AIDS.
  • 31
    Estamos em 12 de dezembro de 1998. O Município de Porto Alegre sustentava, no STF, numa das primeiras vezes, que os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal eram normas programáticas, dependendo de regulamentação, não implicando a transferência, ao município, da obrigação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais necessários ao tratamento da AIDS.
    (Artigo 1)
  • 32
    No caso apreciado pelo STF sobre o qual estamos fazendo menção, o Município de Porto Alegre dizia que a Lei nº 8.913/96 atribuía ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade pela distribuição de medicamentos, razão pela qual não seria necessária a regulamentação do artigo 2º, no que toca ao financiamento das despesas. Também dizia que, em face à autonomia dos municípios, era inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que lhes acarretasse despesa.
    (Artigo 1)
  • 33
    O Município sustentou que mesmo que o citado Diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as formas de repasse dos recursos. O seu último argumento invocou a Portaria nº 874, de 3 de julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao Órgão a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da AIDS.
    (Artigo 1)

Página 72

34
"O caso ficou sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio. Segundo o Ministro, o preceito do artigo 196 da Constituição, de eficácia imediata, revela que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
35
A referência a “Estado” abrangeria a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Para o Ministro da Suprema Corte Marco Aurélio, havia lei obrigando o fornecimento dos medicamentos excepcionais, como os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. Além disso, o município de Porto Alegre surgiria com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do SUS, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. O Ministro não fugiu da alegação trazida pelo Município sobre falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição.
36
Para ele, essa falta de regulamentação não impediria a responsabilidade do Município.Ao final da decisão, proferida há mais de uma década, o Ministro Marco Aurélio fez um alerta: “É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem”186.
37
A decisão foi em 1998. Dois anos antes, em 1996, o Brasil e o mundo davam dois importantes passos no combate à AIDS. Em julho, na Conferência Internacional de Aids, em Vancouver, Canadá, se anunciou a descoberta do chamado coquetel de combate à doença. Em novembro, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 9.313, que obrigava o Estado a fornecer medicamentos de combate a AIDS.
  • 34
    Segundo o Ministro [MARCO AURÉLIO MELLO], o preceito do artigo 196 da Constituição, de eficácia imediata, revela que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".
    (Artigo 1)
  • 35
    A referência a "Estado" abrangeria, segundo o Ministro, a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios. Para o Ministro Marco Aurélio, havia lei obrigando o fornecimento dos medicamentos excepcionais, como os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes.
    (Artigo 1)
  • 36
    Além disso, o município de Porto Alegre surgiria com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do SUS, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. O Ministro não fugiu da alegação trazida pelo Município sobre falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição. Para ele, essa falta de regulamentação não impediria a responsabilidade do Município.

    Ao final da decisão, proferida há mais de uma década, o Ministro Marco Aurélio fez um alerta: "É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem".(...) Essa decisão do Ministro Marco Aurélio foi proferida pelo STF em 1998. Dois anos antes, em 1996, o Brasil e o mundo davam dois importantes passos no combate à AIDS.
    (Artigo 1)
  • 37
    Em julho, na Conferência Internacional de Aids, em Vancouver, Canadá, se anunciou a descoberta do chamado coquetel de combate à doença. Em novembro, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 9.313, que obrigava o Estado a fornecer medicamentos de combate a AIDS.
    (Artigo 1)

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38
Essas ações - nacionais e internacionais -, somadas às decisões judiciais que começaram a surgir determinando o acesso a medicamentos para soropositivos, fizeram com que o nosso país demonstrasse coragem no enfrentamento da questão dos preços dos medicamentos de combate a AIDS.
39
O Ministério da Saúde, tendo em vista o aumento de casos da AIDS, a falta de recursos terapêuticos e a alta taxa de mortalidade, estabeleceu, ainda em 1985, o Programa Nacional de DST e AIDS -PNDST /AIDS (Portaria nº 236, de 02.04.1985) e criou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, visando estimular políticas públicas de prevenção e assistência aos portadores da enfermidade, em sintonia com os princípios e diretrizes do SUS.
40
No ano 2000, na Conferência Internacional de Aids de Durban, África do Sul, a comunidade internacional reconhecia o acerto da política brasileira na área de medicamentos, indicando “o protagonismo e a liderança do país nas discussões sobre acesso universal, propriedade intelectual e patentes de medicamentos”.
41
Na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha (2001), Catar, o Brasil sustentou que os países em desenvolvimento deveriam ter a prerrogativa de quebrar patentes de medicamentos em áreas de interesse da saúde pública. O país havia aprovado leis autorizando a fabricação de versões genéricas de medicamentos.
42
Logo no começo de 2001, o Brasil declarou a possibilidade de licenciamento compulsório das patentes de dois medicamentos. No mês de março, conseguiu a redução do preço de um deles.
43
Quanto ao outro, em agosto de 2001, o Ministério da Saúde anunciou o licenciamento compulsório de patente do medicamento, sustentando emergência em razão do custo e do interesse público. Contudo, após o anúncio a detentora da patente reduziu o preço significativamente.
44
O Decreto Presidencial 4.830, de 04 de Setembro de 2003, autorizou a importação de medicamentos genéricos, em caso de emergência ou interesse público. Tentava-se, ao tempo, reduzir os custos. O Decreto autorizava ainda a produção, em grande escala, dos referidos antirretrovirais pelo laboratório estatal Far-Manguinhos.Nada obstante o país tenha sido pioneiro nessa postura, ainda há muito o que ser feito e o Poder Judiciário e a mobilização social são peças fundamentais nisso.
45
É que, na hora de concretizar as políticas públicas voltadas para o combate à AIDS, o aparelho estatal ainda peca. Ele não consegue contemplar todos aqueles que necessitam de tratamento e, com isso, arrasta-se para o Poder Judiciário essa carência e este, normalmente, lhes dá guarida.
46
A partir daí, impactando os cofres públicos com a compra de remédios, os entes estatais passam a sentir o termômetro social da necessidade e do descontentamento, sendo forçados a reavaliarem suas posturas no ano seguinte, quando, novamente, se discute o orçamento.
47
Fica evidente que a postura do Judiciário é mesmo incômoda, porque força ao Poder Executivo fazer o que não estava fazendo, que é abranger novas necessidades de tratamentos médicos ocorridas no seio de uma sociedade complexa.
48
Daí porque podemos dizer que as decisões judiciais no âmbito do direito à saúde muitas vezes trazem o benefício de forçar o Poder Executivo a manter sempre a atualidade de seus debates acerca das políticas públicas de saúde, oxigenando suas discussões e permitindo que novos elementos lhe sejam fornecidos.
  • 38
    Essas ações - nacionais e internacionais -, somadas às decisões judiciais que começaram a surgir determinando o acesso a medicamentos para soropositivos, fizeram com que o nosso país demonstrasse coragem no enfrentamento da questão dos preços dos medicamentos de combate a AIDS
    (Artigo 1)
  • 39
    O Ministério da Saúde, tendo em vista o aumento de casos da AIDS, a falta de recursos terapêuticos e a alta taxa de mortalidade, estabeleceu, ainda em 1985, o Programa Nacional de DST e AIDS -PNDST /AIDS (Portaria n.236 de 02.04.1985) e criou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, visando estimular políticas públicas de prevenção e assistência aos portadores da enfermidade, em sintonia com os princípios e diretrizes do SUS
    (Artigo 1)
  • 40
    No ano 2000, na Conferência Internacional de Aids de Durban, África do Sul, a comunidade internacional reconhecia o acerto da política brasileira na área de medicamentos, indicando "o protagonismo e a liderança do país nas discussões sobre acesso universal, propriedade intelectual e patentes de medicamentos"
    (Artigo 1)
  • 41
    Na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha (2001), Catar, o Brasil sustentou que os países em desenvolvimento deveriam ter a prerrogativa de quebrar patentes de medicamentos em áreas de interesse da saúde pública. Tínhamos aprovado leis autorizando a fabricação de versões genéricas de medicamentos
    (Artigo 1)
  • 42
    Logo no começo de 2001, o Brasil declarou a possibilidade de licenciamento compulsório das patentes de dois medicamentos. No mês de março, conseguiu a redução do preço de um deles.
    (Artigo 1)
  • 43
    Quanto ao outro, em agosto de 2001, o Ministério da Saúde anunciou o licenciamento compulsório de patente do medicamento, sustentando emergência em razão do custo e do interesse público. Contudo, após o anúncio a detentora da patente reduziu o preço significativamente. O Decreto Presidencial 4.830, de 04 de Setembro de 2003, autorizou a importação de medicamentos genéricos, em caso de emergência ou interesse público. Tentava-se, ao tempo, reduzir os custos.
    (Artigo 1)
  • 44
    O Decreto autorizava ainda a produção, em grande escala, dos referidos antirretrovirais pelo laboratório estatal Far-Manguinhos.Nada obstante o país tenha sido pioneiro nessa postura, ainda há muito o que ser feito e o Poder Judiciário e a mobilização social são peças fundamentais nisso
    (Artigo 1)
  • 45
    É que, na hora de concretizar as políticas públicas voltadas para o combate à AIDS, o aparelho estatal ainda peca. Ele não consegue contemplar todos aqueles que necessitam de tratamento e, com isso, arrasta-se para o Poder Judiciário essa carência e este, normalmente, lhes dá guarida.
    (Artigo 1)
  • 46
    A partir daí, impactando os cofres públicos com a compra de remédios, os entes estatais passam a sentir o termômetro social da necessidade e do descontentamento, sendo forçados a reavaliarem suas posturas no ano seguinte, quando, novamente, se discute o orçamento
    (Artigo 1)
  • 47
    Fica evidente que a postura do Judiciário é mesmo incômoda, porque força ao Poder Executivo fazer o que não estava fazendo, que é abranger novas necessidades de tratamentos médicos ocorridas no seio de uma sociedade complexa.
    (Artigo 1)
  • 48
    Daí porque podemos dizer que as decisões judiciais no âmbito do direito à saúde muitas vezes trazem o benefício de forçar o Poder Executivo a manter sempre a atualidade de seus debates acerca das políticas públicas de saúde, oxigenando suas discussões e permitindo que novos elementos lhe sejam fornecidos.
    (Artigo 1)

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49
Do julgamento do caso do medicamento para combate a AIDS ao qual se opunha o município de Porto Alegre, para os dias de hoje, já se passou quase duas décadas. Em abril de 2010, mais uma ação civil pública era ajuizada. O caso era semelhante à grande maioria que há no Brasil.
50
O cidadão que precisava do medicamento era beneficiário de auxílio-doença, no valor de R$ 851,70. Era o Ministério Público Federal quem ajuizava a Ação a fim de obrigar a União a importar o medicamento Isentress (Raltegravir) para atender ao senhor de quase cinqüenta anos de idade, paciente infectado por HIV e resistente aos demais medicamentos que possuíam prescrição médica na Subseção Judiciária de Blumenau, Estado de Santa Catarina.O paciente, há 10 anos, submetia-se à terapia antirretroviral. Diante de um quadro de regressão relativo à sua capacidade imunológica, o infectologista receitou os medicamentos Isentress (Raltegravir) e Darunavir, ressaltando a imprescindibilidade do novo esquema de tratamento, porque o paciente apresentara falha terapêutica e clínica com os antiretrovirais utilizados.O médico de referência em genotipagem em Santa Catarina indicou que, para situações semelhantes à do paciente, recomendava-se o uso de Enfuvirtida (Fuzeon) e Darunavir (Prezista).
51
Todavia, asseverou que o paciente havia feito “uso de Enfuvirtida ao que parece, sem sucesso, uma vez que a carga viral encontra-se significativamente alta. O uso single de Darunavir não tem demonstrado até agora, em estudos, uma eficácia aceitável nesses casos”.Acerca da eficácia da prescrição do medicamento Intelence (etravirine), o médico ponderou que (i) havia adequação aos parâmetros médicos como “alternativa mais recente para pacientes multifalhados” e (ii) a sua associação ao medicamento raltegravir “poderia até, se utilizada de forma correta e contínua, impedir o aparecimento de outros códons tornando o tratamento duradouro e eficaz”.Havia, no processo, comprovação de que o remédio era imprescindível para o senhor e a sua não utilização importaria em risco à sua saúde de forma direta.
52
A perícia médica dizia, ainda, que se o paciente interrompesse o uso da medicação ou esta medicação não mais fizesse efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderia apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que viesse a apresentar alguma infecção oportunista que o levasse ao óbito.O juiz atendeu ao pedido feito posteriormente e incluiu o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é o etravirine, diante da revisão do esquema terapêutico prescrito ao paciente.De acordo com a decisão, a União deveria adquirir, por importação ou qualquer outro meio legal possível, os medicamentos ISENSTRESS (raltegravir) e Intelence (etravirine).
53
Além disso, a União, Estado de Santa Catarina e Município de Blumenau deveriam fornecer, gratuitamente, ao paciente na quantidade inicial de 12 (doze) frascos de cada medicamento. A União se defendeu. Disse haver lesão à ordem, à saúde e à economia públicas. Também disse que a determinação de fornecimento dos medicamentos de alto custo inviabilizaria o adequado funcionamento do SUS, bem como prejudicaria o andamento dos serviços de saúde básica em relação ao restante da população.
54
Para a União, “no momento em que se decide disponibilizar de forma ampla e gratuita os medicamentos destinados ao tratamento de HIV, com um custo final expressivo ao Poder Público, e sem a prévia elaboração de estudos técnicos indispensáveis à averiguação da sua real utilidade/necessidade, diminui-se a capacidade financeira do Estado de fornecer outros benefícios, também considerados relevantes, aos demais integrantes da sociedade”. Segundo a União, não havia comprovação da segurança e da eficácia do medicamento, que não possuiria registro na ANVISA, além da existência de outros esquemas terapêuticos oferecidos na rede pública para tratamento da AIDS. Disse que não haveria previsão orçamentária para a aquisição da medicação.
55
Sustentou que as prestações de saúde devem ser executadas dentro da “reserva do possível e a possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador da decisão”192. Havia, no processo, prova pericial demonstrando que o medicamento Etravirine (Intelence) era necessário e indispensável à manutenção da vida do paciente.
56
Segundo o perito: “b) No momento a doença encontra-se estável, com relativa melhora clínica e laboratorial após o uso regular do esquema de medicações atual; c) se o paciente interromper o uso desta medicação ou esta medicação não mais fizer efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderá apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que venha a apresentar alguma infecção oportunista que o leve ao óbito; d) As medicações adequadas ao seu tratamento são as mesmas verificadas em seu exame de genotipagem, ou seja, são as medicações que ainda tem efeito inibitório na replicação do vírus. No caso, ritonavir, darunavir, raltegravir e etravirine; f) produzirá amenização da imunodeficiência, melhorando o quadro clínico, como já vem acontecendo. g) ambos com eficácia cientificamente comprovada e com registro na ANVISA.”
57
O relator do caso, no STF, era o Ministro Gilmar Mendes.Para o Ministro, o direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) “direito de todos” e (2) “dever do Estado”, (3) garantido mediante “políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doença e de outros agravos”, (5) regido pelo princípio do “acesso universal e igualitário” (6) “às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.
58
A despeito da afirmação da União de que o medicamento não possuía registro na ANVISA, em consulta ao sítio da agência reguladora, o Ministro Gilmar descobriu que o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é a Etravirina, foi registrado sob o n.º 112363391, válido até 02/2014, o que atestaria sua segurança para o consumo. O Ministro registrou ainda que “não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS não é motivo, por si só, para o seu não fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica visa contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema”193.
59
Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o Ministro afirmou que “a Lei Federal nº 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.
60
Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público”. Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que “a União, apesar de alegar lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres federais, limitando-se a requerer a aplicação do princípio da reserva do possível. Por outro lado, inexistentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a ausência do fornecimento do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à dignidade de vida do paciente”.
61
Acerca do efeito multiplicador, o Ministro arrematou sua decisão dizendo: “A alegação de temor de que esta decisão sirva de precedente negativo ao Poder Público, com possibilidade de ensejar o denominado efeito multiplicador, também não procede, pois a análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. Nesse sentido, ressalte-se que a Farmacêutica e Bioquímica Christiane Effting Kling Donini - funcionária do Ambulatório DST/AIDS Blumenau - informou que não havia notícia de requisições por parte de outros pacientes dos medicamentos Intelence (etravirine) e Isentress (Raltegravir)”.
62
A presença do Judiciário é fundamental para a concretização do direito à saúde. Mirian Ventura, pesquisadora sobre Direitos Humanos e Saúde e estudiosa que desenvolve pesquisas sobre o tema judicialização da saúde parece ser uma fonte confiável para responder esta indagação. Para ela “O movimento de aids no Brasil conseguiu extrair do componente jurídico seu potencial transformador, impulsionando mudanças amplas e estruturais a partir do uso estratégico das leis nacionais, na perspectiva dos direitos humanos”.
63
“As práticas de intervenção judicial desse movimento têm auxiliado outros movimentos a refletirem e redirecionarem suas linhas de ação. Na história brasileira recente nenhum outro movimento obteve um grau tão satisfatório de efetividade da legislação genérica nacional existente como o das pessoas vivendo com HIV/AIDS” – registra a Professora.
64
Em 2005, o Ministério da Saúde divulgou o importante estudo denominado “O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais Brasil. Segundo o Ministério “as vitórias na Justiça demonstram o reconhecimento do direito à saúde e do papel do movimento organizado na luta contra a aids e na defesa da cidadania”.
65
O Ministério da Saúde conclui, no seu documento, que “ações e decisões judiciais são conseqüências do amadurecimento da organização da sociedade, de um lado, e, de outro, das deficiências da Administração Pública. São os mecanismos e o processo de incorporação de novos medicamentos na rede pública que devem ser melhor compreendidos, aperfeiçoados e agilizados”.
66
O Executivo reconhece a importância do Judiciário como instrumento garantidor da participação da sociedade na reformulação das políticas públicas.
  • 49
    Do julgamento do caso do medicamento para combate a AIDS ao qual se opunha o município de Porto Alegre, para os dias de hoje, já se passou mais de uma década. Doze anos se passaram. Agora estamos em abril de 2010.Mais uma ação civil pública era ajuizada. O caso era semelhante à grande maioria que há no Brasil. Ele envolvia um brasileiro pobre.
    (Artigo 1)
  • 50
    O cidadão que precisava do medicamento era beneficiário de auxílio-doença, no valor de R$851,70. Era o Ministério Público Federal quem ajuizava a Ação a fim de obrigar a União a importar o medicamento Isentress (Raltegravir) para atender ao senhor de quase cinqüenta anos de idade, paciente infectado por HIV e resistente aos demais medicamentos que possuíam prescrição médica na Subseção Judiciária de Blumenau, Estado de Santa Catarina.Segundo consta nos autos no STF, o paciente, há 10 anos, submetia-se à terapia antirretroviral. Diante de um quadro de regressão relativo à sua capacidade imunológica, o infectologista receitou os medicamentos Isentress (Raltegravir) e Darunavir, ressaltando a imprescindibilidade do novo esquema de tratamento, porque o paciente apresentara falha terapêutica e clínica com os antiretrovirais utilizados.O médico de referência em genotipagem em Santa Catarina indicou que, para situações semelhantes à do paciente, recomendava-se o uso de Enfuvirtida (Fuzeon) e Darunavir (Prezista).
    (Artigo 1)
  • 51
    Todavia, asseverou que o paciente havia feito "uso de Enfuvirtida ao que parece, sem sucesso, uma vez que a carga viral encontra-se significativamente alta. O uso single de Darunavir não tem demonstrado até agora, em estudos, uma eficácia aceitável nesses casos".Acerca da eficácia da prescrição do medicamento Intelence (etravirine), o médico ponderou que (i) havia adequação aos parâmetros médicos como "alternativa mais recente para pacientes multifalhados" e (ii) a sua associação ao medicamento raltegravir "poderia até, se utilizada de forma correta e contínua, impedir o aparecimento de outros códons tornando o tratamento duradouro e eficaz".Havia, no processo, comprovação de que o remédio era imprescindível para o senhor e a sua não utilização importaria em risco à sua saúde de forma direta.
    (Artigo 1)
  • 52
    A perícia médica dizia, ainda, que se o paciente interrompesse o uso da medicação ou esta medicação não mais fizesse efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderia apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que viesse a apresentar alguma infecção oportunista que o levasse ao óbito.O juiz atendeu ao pedido feito posteriormente e incluiu o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é o etravirine, diante da revisão do esquema terapêutico prescrito ao paciente.De acordo com a decisão, a União deveria adquirir, por importação ou qualquer outro meio legal possível, os medicamentos ISENSTRESS (raltegravir) e Intelence (etravirine).
    (Artigo 1)
  • 53
    Além disso, a União, Estado de Santa Catarina e Município de Blumenau deveriam fornecer, gratuitamente, ao paciente na quantidade inicial de 12 (doze) frascos de cada medicamento.A União se defendeu. Disse haver lesão à ordem, à saúde e à economia públicas. Também diz-se que a determinação de fornecimento dos medicamentos de alto custo inviabilizaria o adequado funcionamento do SUS, bem como prejudicaria o andamento dos serviços de saúde básica em relação ao restante da população.
    (Artigo 1)
  • 54
    Para a União, "no momento em que se decide disponibilizar de forma ampla e gratuita os medicamentos destinados ao tratamento de HIV, com um custo final expressivo ao Poder Público, e sem a prévia elaboração de estudos técnicos indispensáveis à averiguação da sua real utilidade/necessidade, diminui-se a capacidade financeira do Estado de fornecer outros benefícios, também considerados relevantes, aos demais integrantes da sociedade".Segundo a União, não havia comprovação da segurança e da eficácia do medicamento, que não possuiria registro na ANVISA, além da existência de outros esquemas terapêuticos oferecidos na rede pública para tratamento da AIDS. Disse que não haveria previsão orçamentária para a aquisição da medicação.
    (Artigo 1)
  • 55
    Sustentou que as prestações de saúde devem ser executadas dentro da "reserva do possível e a possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador da decisão". Havia, no processo, prova pericial demonstrando que o medicamento Etravirine (Intelence) era necessário e indispensável à manutenção da vida do paciente.
    (Artigo 1)
  • 56
    Segundo o perito:b) No momento a doença encontra-se estável, com relativa melhora clínica e laboratorial após o uso regular do esquema de medicações atual;c) se o paciente interromper o uso desta medicação ou esta medicação não mais fizer efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderá apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que venha a apresentar alguma infecção oportunista que o leve ao óbito;d) As medicações adequadas ao seu tratamento são as mesmas verificadas em seu exame de genotipagem, ou seja, são as medicações que ainda tem efeito inibitório na replicação do vírus. No caso, ritonavir, darunavir, raltegravir e etravirine; f) produzirá amenização da imunodeficiência, melhorando o quadro clínico, como já vem acontecendo. g) ambos com eficácia cientificamente comprovada e com registro na ANVISA.Dessa vez a decisão não cabia ao Ministro Marco Aurélio.
    (Artigo 1)
  • 57
    O relator do caso, no STF, era o Ministro Gilmar Mendes.Para o Ministro, o direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) "direito de todos" e (2) "dever do Estado", (3) garantido mediante "políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", (5) regido pelo princípio do "acesso universal e igualitário" (6) "às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".
    (Artigo 1)
  • 58
    A despeito da afirmação da União de que o medicamento não possuía registro na ANVISA, em consulta ao sítio da agência reguladora, o Ministro Gilmar descobriu que o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é a Etravirina, foi registrado sob o n.º 112363391, válido até 02/2014, o que atestaria sua segurança para o consumo.O Ministro registrou ainda que "não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS não é motivo, por si só, para o seu não fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica visa contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema".
    (Artigo 1)
  • 59
    Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o Ministro afirmou que "a Lei Federal n. 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.
    (Artigo 1)
  • 60
    Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público". Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que "a União, apesar de alegar lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres federais, limitando-se a requerer a aplicação do princípio da reserva do possível. Por outro lado, inexistentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a ausência do fornecimento do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à dignidade de vida do paciente".
    (Artigo 1)
  • 61
    Acerca do efeito multiplicador, o Ministro arrematou sua decisão dizendo: "A alegação de temor de que esta decisão sirva de precedente negativo ao Poder Público, com possibilidade de ensejar o denominado efeito multiplicador, também não procede, pois a análise de decisões dessa natureza deve ser feita caso a caso, considerando-se todos os elementos normativos e fáticos da questão jurídica debatida. Nesse sentido, ressalte-se que a Farmacêutica e Bioquímica Christiane Effting Kling Donini - funcionária do Ambulatório DST/AIDS Blumenau - informou que não havia notícia de requisições por parte de outros pacientes dos medicamentos Intelence (etravirine) e Isentress (Raltegravir)".Doze anos separam o primeiro caso, de relatoria do Ministro Marco Aurélio e esse segundo caso, apreciado pelo Ministro Gilmar Mendes.
    (Artigo 1)
  • 62
    A presença do Judiciário nesse debate é fundamental para a concretização do direito à saúde. Mas o que podemos dizer da experiência com a judicialização da saúde para o acesso a medicamentos de combate à AIDS? Mirian Ventura, pesquisadora sobre Direitos Humanos e Saúde e estudiosa que desenvolve pesquisas sobre o tema judicialização da saúde parece ser uma fonte confiável para responder esta indagação. Para ela "O movimento de aids no Brasil conseguiu extrair do componente jurídico seu potencial transformador, impulsionando mudanças amplas e estruturais a partir do uso estratégico das leis nacionais, na perspectiva dos direitos humanos".
    (Artigo 1)
  • 63
    Para a Professora "as práticas de intervenção judicial desse movimento têm auxiliado outros movimentos a refletirem e redirecionarem suas linhas de aão. Na história brasileira recente nenhum outro movimento obteve um grau tão satisfatório de efetividade da legislação genérica nacional existente como o das pessoas vivendo com HIV/AIDS". Estamos falando do nascimento de uma cultura de exigibilidade de direitos. Outro expert no tema da saúde pública no Brasil que merece ser ouvido quanto à pergunta que fiz é o Ministério da Saúde. O que será que o Ministério da Saúde acha da judicialização da saúde quanto aos medicamentos de combate à AIDS?
    (Artigo 1)
  • 64
    Em 2005, o Ministério divulgou o importante estudo denominado O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais Brasil. Segundo o Ministério "as vitórias na Justiça demonstram o reconhecimento do direito à saúde e do papel do movimento organizado na luta contra a aids e na defesa da cidadania".
    (Artigo 1)
  • 65
    O Ministério da Saúde conclui, no seu documento, que "ações e decisões judiciais são conseqüências do amadurecimento da organização da sociedade, de um lado, e, de outro, das deficiências da Administração Pública. São os mecanismos e o processo de incorporação de novos medicamentos na rede pública que devem ser melhor compreendidos, aperfeiçoados e agilizados".
    (Artigo 1)
  • 66
    O Poder Executivo reconhece a importância do Poder Judiciário como instrumento garantidor da participação da sociedade na reformulação das políticas públicas da saúde. Em outros países, muitas vezes o Executivo se mostra completamente avesso a tal reconhecimento.
    (Artigo 1)

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Preâmbulo da Constituição brasileira institui um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e o bem-estar como valores supremos de uma sociedade fraterna.
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Dentre os objetivos fundamentais da República há, nos incisos I e IV do art. 3º, o de construir uma sociedade justa e solidária e promover o bem de todos. A Constituição Federal estabeleceu os fundamentos da República e trouxe à tona a necessidade inafastável de exercício da cidadania.
68
Como se sabe, cidadania não é somente votar e ser votado. Não se cuida do mero exercício da capacidade eleitoral ativa e passiva. Cidadania, nos dias de hoje, ultrapassa esta visão estreita. A partir do momento em que doentes ou responsáveis por doentes buscam o Poder Judiciário na tentativa de verem concretizados direitos constitucionais, o que se tem é o mais pleno exercício de cidadania.
69
Veremos que o direito à saúde muitas vezes se revela como uma faceta do direito à vida e, como se sabe, o caput do art. 5º garante aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida.
69
O gerenciamento caótico, ineficaz e corrupto das políticas públicas no Brasil afronta o inciso III do mesmo artigo 5º que diz que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.
  • 67
    O Preâmbulo institui um Estado Democrático no Brasil destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e o bem-estar como valores supremos de uma sociedade fraterna. Dentre os objetivos fundamentais da República temos, segundo os incisos I e IV do art. 3º, construir uma sociedade justa e solidária e promover o bem de todos.
    (Artigo 2)
  • 68
    A Constituição Federal brasileira estabeleceu os fundamentos da República e trouxe à tona a necessidade de exercício da cidadania. Como se sabe, cidadania não é somente votar e ser votado. Não se cuida do mero exercício da capacidade eleitoral ativa e passiva. Cidadania, nos dias de hoje, ultrapassa esta visão. A partir do momento em que doentes ou responsáveis por doentes buscam o Poder Judiciário na tentativa de verem concretizados direitos constitucionais, o que se tem é o mais pleno exercício de cidadania.
    (Artigo 2)
  • 69
    O direito à saúde muitas vezes se revela como uma faceta do direito à vida e, como se sabe, o caput do art. 5º garante aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida. O gerenciamento caótico das políticas públicas no Brasil afronta o inciso III do mesmo artigo 5º que diz que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.
    (Artigo 2)
  • (Artigo )
  • (Artigo )

Página 80

70
Quando a comunidade aciona o Judiciário ou quando participa de uma audiência pública sobre saúde no Supremo Tribunal Federal, sem dúvida ela está contribuindo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde. A visão não pode ser limitada. Não é possível supor que a única maneira de participação da comunidade nesta discussão seja sentada num auditório do Ministério da Saúde ou de algum conselho voltado para tais discussões dentro do Poder Executivo.
  • 70
    Quando a comunidade aciona o Judiciário ou quando participa de uma audiência pública sobre saúde no STF, sem dúvida, ela está contribuindo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde. A visão não pode ser limitada. Não é possível supor que a única maneira de participação da comunidade nesta discussão seja sentada num auditório do Ministério da Saúde ou de algum conselho voltado para tais discussões dentro do Poder Executivo.
    (Artigo 2)

Página 81

71
A Carta, no art. 198, diz que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.
  • 71
    O art. 198 ao falar do sistema único de saúde estabelece diretrizes a serem seguidas, dentre elas: II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.
    (Artigo 2)

Página 97

72
A decisão garantiu que um jovem universitário de 24 anos, Marcos José Silva de Oliveira, tetraplégico em razão de um assalto ocorrido em via pública no Estado de Pernambuco (PE), tivesse direito a submeter-se a cirurgia de implante de MDM (Marcapasso Diafragmático Muscular) a fim de que pudesse respirar sem depender de aparelho mecânico. Tudo custeado pelo aludido Estado.
73
O Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou a transferência de recursos que foram depositados pelo Estado em conta judicial para uma conta bancária no exterior, pertencente ao médico norte-americano indicado pela família para vir ao Brasil operar o paciente.
74
Segundo familiares, o Brasil não possuía profissional capacitado para realizar tal procedimento, que, caso não ocorresse até dia 30 de abril (o julgamento ocorrera dia 14 de abril) resultaria num alto risco de morte à vítima.A responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo da cirurgia equivalia a U$ 150.000 (cento e cinquenta mil dólares americanos). O filósofo norte-americano Ronald Dworkin diz serem difíceis essas decisões, "quando as técnicas muito caras de diagnóstico ou os transplantes experimentais com pouca probabilidade de êxito são apropriados".
75
A ministra Ellen Gracie negou o pedido, nada obstante tenha registrado: “Não desconheço o sofrimento e a dura realidade vivida pelo agravante com especial deferência por seus familiares que zelosamente empreendem esforços para assegurar e prover o mais rápido possível uma melhor condição ao seu ente querido”.
76
Segundo a Ministra, a Secretaria de Saúde de Pernambuco, o mesmo Estado que se negara a oferecer o tratamento ao garoto, fizera auditoria e concluíra que o caso de Marcos José padecia de um risco maior do que os demais:“Não consta dos autos qualquer avaliação clínica prévia capaz de aferir de maneira segura e adequada a viabilidade técnica ou mesmo a prescrição clínica para que o paciente, ora agravante, se submeta ao procedimento cirúrgico pleiteado(...)”.
  • 72
    Por meio de uma ação de indenização, a família do garoto pleiteava o direito de ele ser submetido a uma cirurgia de implante de um Marcapasso Diafragmático Muscular (MDM), a fim de que pudesse respirar sem depender de aparelho mecânico. Tudo custeado pelo Estado de Pernambuco.
    (Artigo 4)
  • 73
    Tribunal de Justiça de Pernambuco havia determinado a transferência de recursos do Estado de uma conta judicial para uma conta bancária no exterior, pertencente ao médico norte-americano indicado pela família para vir ao Brasil operar o paciente.
    (Artigo 4)
  • 74
    Segundo familiares, o Brasil não possuía profissional capacitado para realizar tal procedimento, que, caso não ocorresse até dia 30 de abril (o julgamento ocorreu dia 14 de abril) resultaria num alto risco de morte à vítima.A responsabilização do Estado de Pernambuco pelo custo da cirurgia equivalia a U$ 150.000 (cento e cinquenta mil dólares americanos). O filósofo norte-americano Ronald Dworkin diz serem difíceis essas decisões, "quando as técnicas muito caras de diagnóstico ou os transplantes experimentais com pouca probabilidade de êxito são apropriados".
    (Artigo 4)
  • 75
    A Ministra Ellen Gracie, presidindo a sessão plenária, iniciou a leitura do seu voto. Ela afirmou: "Não desconheço o sofrimento e a dura realidade vivida pelo agravante com especial deferência por seus familiares que zelosamente empreendem esforços para assegurar e prover o mais rápido possível uma melhor condição ao seu ente querido.
    (Artigo 4)
  • 76
    Segundo a Ministra, a Secretaria de Saúde de Pernambuco, o mesmo Estado que se negou a oferecer o tratamento, havia feito auditoria e concluíu que o caso de Marquinhos padecia de um risco maior quanto à instalação do mencionado marcapasso.(...)Não consta dos autos qualquer avaliação clínica prévia capaz de aferir de maneira segura e adequada a viabilidade técnica ou mesmo a prescrição clínica para que o paciente, ora agravante, se submeta ao procedimento cirúrgico pleiteado", verificou a Ministra.
    (Artigo 4)

Página 98

77
O ministro Celso de Mello iniciou uma divergência. (...) Para o Ministro, teria havido "grave omissão, permanente e reiterada, por parte do Estado, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas".
78
Não custa lembrar que, em 2007, um estudo da Organização dos Estados Ibero- americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) com apoio do Ministério da Saúde, mostrou que Recife era a capital mais violenta do Brasil, com 91,2 pessoas mortas a cada 100.000 habitantes. O Estado de Pernambuco, portanto, tinha plena consciência dos males que sua política de segurança estava causando à população.
79
Em 2007, ano no qual Marcos José foi vítima do assalto que lhe arrancou os movimentos do pescoço para baixo, só o Governo Federal repassou ao Estado dePernambuco a quantia de R$ 15.428.137,38 (quinze milhões, quatrocentos e vinte e oito mil, cento e trinta e sete reais e trinta e oito centavos) como repasse à segurança pública. Desse montante, R$ R$ 1.228.204,62 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e quatro reais e sessenta e dois centavos) foram relativos ao Programa de Apoio à Implantação de Projetos de Prevenção da Violência.
80
O ministro Celso frisou que Marcos, a vítima, tinha o direito de viver de maneira autônoma, uma vez que necessitava de aparelho mecânico para respirar. Quando se trata tensão entre o reconhecimento de interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o direito à vida (direito fundamental da pessoa humana), não há alternativa para o Poder Judiciário que não seja a preponderação do direito à vida.
81
Suas palavras foram: “Tenho a impressão que a realidade da vida tão pulsante nesse caso impõe que se dê provimento a este recurso e que se reconheça a essa pessoa o direito de buscar autonomia existencial desvinculando-se de um respirador artificial que a mantém ligada a um leito hospitalar depois de meses de estado comatoso.”
  • 77
    O Ministro Celso de Mello pediu a palavra. Sua voz, sempre serena, embargou.Para o Ministro, teria havido, no caso, "grave omissão, permanente e reiterada, por parte do Estado, por intermédio de suas corporações militares, notadamente por parte da polícia militar, em prestar o adequado serviço de policiamento ostensivo, nos locais notoriamente passíveis de práticas criminosas violentas".
    (Artigo 4)
  • 78
    Não custa lembrar que, em 2007, um estudo da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) com apoio do Ministério da Saúde, mostrou que Recife era a capital mais violenta do Brasil, com 91,2 pessoas mortas a cada 100.000 habitantes. O Estado de Pernambuco, portanto, tinha plena consciência dos males que sua política de segurança estava causando à população.
    (Artigo 4)
  • 79
    Em 2007, ano no qual Marcos José foi vítima do assalto que lhe arrancou os movimentos do pescoço para baixo, só o Governo Federal repassou ao Estado de Pernambuco a quantia de R$ 15.428.137,38 (quinze milhões, quatrocentos e vinte e oito mil, cento e trinta e sete reais e trinta e oito centavos) como repasse à segurança pública. Desse montante, R$ R$ 1.228.204,62 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e quatro reais e sessenta e dois centavos) foram relativos ao Programa de Apoio à Implantação de Projetos de Prevenção da Violência.
    (Artigo 4)
  • 80
    O Ministro Celso frisou que Marcos, a vítima, tinha o direito de viver de maneira autônoma, uma vez que necessitava de aparelho mecânico para respirar. Para o Ministro Celso de Mello, ao se reconhecer o interesse secundário do Estado, em matéria de finanças públicas, e o direito fundamental da pessoa, que é o direito à vida, não haveria opção possível para o Judiciário senão fazer prevalecer o direito à vida.
    (Artigo 4)
  • 81
    Suas palavras foram: "Tenho a impressão que a realidade da vida tão pulsante nesse caso impõe que se dê provimento a este recurso e que se reconheça a essa pessoa o direito de buscar autonomia existencial desvinculando-se de um respirador artificial que a mantém ligada a um leito hospitalar depois de meses de estado comatoso."
    (Artigo 4)

Página 100

82
A decisão do ministro Celso de Mello tem por fundamento o Princípio do Resgate, mencionado por Ronald Dworkin que, contudo, rejeita sua aplicação. Para Dworkin, o Princípio do Resgate afirma que a vida e a saúde são, como definiu René Descartes, os bens mais importantes: todo o resto tem menor importância e deve ser sacrificado em favor desses dois bens. De acordo com o Princípio, a sociedade deve oferecer tal tratamento sempre que houver possibilidade, por mais remota, de salvar uma vida.
83
O filósofo norte-americano lembra ainda de um caso de todo peculiar que fora conduzido com base no Princípio do Resgate: “Há alguns anos, certos médicos da Filadélfia separaram gêmeos siameses que compartilhavam um coração, embora a operação viesse a manter uma das crianças e desse à outra uma possibilidade em cem de sobreviver muito tempo, e as despesas estivessem calculadas em um milhão de dólares (Os pais dos gêmeos não tinham seguro-saúde, mas Indiana, o Estado no qual viviam, pagou US$ 1.000 por dia e o hospital da Filadélfia absorveu o resto das despesas). O chefe da equipe de cirurgiões justificou o tratamento por intermédio do princípio do resgate: ‘O consenso geral é de que, se for possível salvar uma vida, vale a pena fazê-lo’, disse ele.
84
”Note-se que o ministro Celso, além de se fiar no Princípio do Resgate, tratou da questão como sendo relativa ao direito à vida e não direito à saúde. Esse ponto também gera discussão, pois pode-se dizer que, em tese, a vida do garoto não estava em risco.
  • 82
    A decisão liderada pelo Ministro Celso de Mello talvez seja criticada. Mas ela tem por fundamento o Princípio do Resgate, mencionado por Ronald Dworkin que, contudo, rejeita sua aplicação.Para Dworkin, o Princípio do Resgate afirma que "a vida e a saúde são, como definiu René Descartes, os bens mais importantes: todo o resto tem menor importância e deve ser sacrificado em favor desses dois bens". De acordo com o Princípio, "a sociedade deve oferecer tal tratamento sempre que houver possibilidade, por mais remota, de salvar uma vida".
    (Artigo 4)
  • 83
    O filósofo norte-americano lembra ainda de um caso de todo peculiar que fora conduzido com base no Princípio do Resgate. Ronald Dworkin nos diz que:"Há alguns anos, certos médicos da Filadélfia separaram gêmeos siameses que compartilhavam um coração, embora a operação viesse a manter uma das crianças e desse à outra uma possibilidade em cem de sobreviver muito tempo, e as despesas estivessem calculadas em um milhão de dólares (Os pais dos gêmeos não tinham seguro-saúde, mas Indiana, o Estado no qual viviam, pagou US$ 1.000 por dia e o hospital da Filadélfia absorveu o resto das despesas). O chefe da equipe de cirurgiões justificou o tratamento por intermédio do princípio do resgate: ‘O consenso geral é de que, se for possível salvar uma vida, vale a pena fazê-lo', disse ele.
    (Artigo 4)
  • 84
    Note-se que o Ministro Celso, além de se fiar no Princípio do Resgate, tratou da questão como sendo relativa ao direito à vida e não direito à saúde. Esse ponto também gera discussão, pois pode-se dizer que, em tese, a vida do garoto não estava em risco.
    (Artigo 4)

Página 101

85
Note-se que o ministro Celso, além de se fiar no Princípio do Resgate, tratou da questão como sendo relativa ao direito à vida e não direito à saúde. Esse ponto também gera discussão, pois pode-se dizer que, em tese, a vida do garoto não estava em risco.
  • 85
    Note-se que o Ministro Celso, além de se fiar no Princípio do Resgate, tratou da questão como sendo relativa ao direito à vida e não direito à saúde. Esse ponto também gera discussão, pois pode-se dizer que, em tese, a vida do garoto não estava em risco.
    (Artigo 4)

Página 105

86
Há, portanto, um fato: grupos vulneráveis identificados na Constituição precisam gozar de preferência na concretização do direito à saúde. Afirma-se que a formulação das políticas públicas brasileiras decorre de um equilibrado processo dialético que contempla os agentes do Estado e a sociedade, muitas vezes dentro de conselhos ou comissões ligadas ao Poder Executivo.
87
Todavia, nem sempre a estruturação de órgãos voltados à implementação de políticas públicas é algo efetivo. Alexandre Ciconello destaca os desafios do Brasil para tornar efetivos tais órgãos. Para ele, as etapas a serem percorridas são: (i) a resistência de diversos setores do poder público em efetivamente compartilhar o poder com organizações da sociedade; (ii) a grande distância que subsiste entre os resultados formais e reais da participação. Até o momento as conquistas se deram no plano da legalidade; agora é preciso efetivar os direitos, garantindo a todos o seu acesso; (iii) a fragilidade das organizações da sociedade civil tanto do ponto de vista financeiro como político; (iv) a dificuldade de estender a participação social para o campo da política econômica.
88
Ciconello afirma que “(...) a capacidade do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e efetivar os direitos previstos no ordenamento jurídico está cada vez mais reduzida”. (...) Ciconello diz que “o Brasil ainda é um país comandado por uma elite política e econômica que se estrutura em torno de privilégios. É em grande parte por isso que as leis e os direitos (mesmo garantidos na legislação) são cumpridos parcialmente, sempre excluindo os mais pobres”270. E arremata: “a permanência de relações de poder desiguais e a fragilidade do Estado brasileiro não permitem a sua efetivação. Esse é um novo desafio da participação social: consolidar uma institucionalização de exigibilidade dos direitos”.
  • 86
    Há ainda outro ponto que merece atenção. Afirma-se que a formulação das políticas públicas brasileiras decorre de um equilibrado processo dialético que contempla os agentes do Estado e a sociedade, muitas vezes dentro de conselhos ou comissões ligadas ao Poder Executivo.
    (Artigo 1)
  • 87
    Todavia, nem sempre a estruturação de órgãos voltados à implementação de políticas públicas é algo efetivo. Alexandre Ciconello, advogado, assessor de direitos humanos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e mestre em ciência política, em tom realista, destaca os desafios que ainda enfrentaremos para tornar efetivos tais órgãos. Para ele, as etapas a serem percorridas são: (i) a resistência de diversos setores do poder público em efetivamente compartilhar o poder com organizações da sociedade; (ii) a grande distância que subsiste entre os resultados formais e reais da participação. Até o momento as conquistas se deram no plano da legalidade; agora é preciso efetivar os direitos, garantindo a todos o seu acesso; (iii) a fragilidade das organizações da sociedade civil tanto do ponto de vista financeiro como político; (iv) a dificuldade de estender a participação social para o campo da política econômica.Ciconello não encampa visão fantasiosa acerca da formatação das políticas públicas por parte do Estado.
    (Artigo 1)
  • 88
    Nesse ponto, é bem franco, pois afirma que "(...) a capacidade do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e efetivar os direitos previstos no ordenamento jurídico está cada vez mais reduzida". Essa fragilidade estatal tem destinatário certo: as categorias mais vulneráveis que, desprovidas de atendimento médico particular têm de se socorrer do sistema de saúde pública.Mais adiante Ciconello nos diz que "o Brasil ainda é um país comandado por uma elite política e econômica que se estrutura em torno de privilégios. É em grande parte por isso que as leis e os direitos (mesmo garantidos na legislação) são cumpridos parcialmente, sempre excluindo os mais pobres". Ele arremata: "a permanência de relações de poder desiguais e a fragilidade do Estado brasileiro não permitem a sua efetivação. Esse é um novo desafio da participação social: consolidar uma institucionalização de exigibilidade dos direitos".
    (Artigo 1)

Página 108

89
“Há ainda a crítica técnica, a qual se apóia na percepção de que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir políticas de saúde.
90
O Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida. Mesmo que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com o da Administração Pública” – registra Luís Roberto Barroso, Ministro do STF.
  • 89
    Nesse momento, o Professor Barroso sacou um lenço do bolso do seu terno e passou-o sobre a testa. Em seguida, devolvendo o lenço ao bolso, aproximou-se do microfone e interrompeu Posner dizendo: "Há ainda a crítica técnica, a qual se apóia na percepção de que o Judiciário não domina o conhecimento específico necessário para instituir políticas de saúde".
    (Artigo 3)
  • 90
    Barroso, retomando a palavra disse "o Poder Judiciário não tem como avaliar se determinado medicamento é efetivamente necessário para se promover a saúde e a vida. Mesmo que instruído por laudos técnicos, seu ponto de vista nunca seria capaz de rivalizar com o da Administração Pública".
    (Artigo 3)

Página 109

91
Richard Posner, inteligentemente de “abordagem pedigree”, segundo a qual “os juízes não são suficientemente sagazes para tomar decisões sábias sobre políticas públicas, sopesando uma miríade de considerações conflitantes que incluem os argumentos do Estado de Direito contra o sopesar”.
92
Para Posner, "a escolha não se dá entre decisões pouco sábias definindo políticas públicas e decisões sábias que aplicam regras", pois "a sabedoria na aplicação de regras exige uma percepção de quando as regras expiram e (o que não é, necessariamente, outra questão) de quando seria um grave erro aplicar uma determinada regra 'da maneira como ela está escrita'". O fato é que "a decisão de aplicar uma regra, e de como aplicá-la, é uma decisão sobre políticas públicas".
  • 91
    Daí em diante teve início a explicação: "O argumento mais forte a favor da abordagem pedigree e contra uma abordagem pragmática ou ‘realista' pode ser, ele mesmo, pragmático: os juízes não são suficientemente sagazes para tomar decisões sábias sobre políticas públicas, sopesando uma miríade de considerações conflitantes que incluem os argumentos do Estado de Direito contra o sopesar".
    (Artigo 3)
  • 92
    Posner disse que "a escolha não se dá entre decisões pouco sábias definindo políticas públicas e decisões sábias que aplicam regras. A sabedoria na aplicação de regras exige uma percepção de quando as regras expiram e (o que não é, necessariamente, outra questão) de quando seria um grave erro aplicar uma determinada regra ‘da maneira como ela está escrita'. A decisão de aplicar uma regra, e de como aplicá-la, é uma decisão sobre políticas públicas".
    (Artigo 3)

Página 110

93
Para Ronald Dworkin, “não obstante, por maior que seja o número de informações que o órgão do governo é capaz de reunir, seu resultado deve ser provisório, aberto a revisão com base em outros indícios fornecidos pela experiência médica”.
94
Adib Jatene, que já ocupou inúmeros postos públicos no Brasil, inclusive o de Ministro de Estado da Saúde, diz que “quanto aos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, que consideramos essenciais para adequada assistência, propomos atualizar os já existentes e elaborar novos protocolos atualizando-os a cada dois anos”.
  • 93
    filósofo norte-americano Ronald Dworkin nos diz que "não obstante, por maior que seja o número de informações que o órgão do governo é capaz de reunir, seu resultado deve ser provisório, aberto a revisão com base em outros indícios fornecidos pela experiência médica".
    (Artigo 1)
  • 94
    Pensando o cenário brasileiro, o Professor Adib Jatene nos fala que "quanto aos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, que consideramos essenciais para adequada assistência, propomos atualizar os já existentes e elaborar novos protocolos atualizando-os a cada dois anos".
    (Artigo 1)

Página 114

95
Já Luís Roberto Barroso adverte que “o Judiciário só pode determinar a inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos”293.
  • 95
    Barroso respondeu que "o Judiciário só pode determinar a inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos".
    (Artigo 3)