Augusto Conconi, Bruno Ponceano,
Carlos Marin & Tulio Kruse
Desde o início da pandemia da
Covid-19, o presidente
Jair Bolsonaro
passou a maior parte dos compromissos sem máscara e
provocou aglomeração.
Ele ficou sem a proteção ao longo de toda a agenda em sete a cada
dez eventos, ou 73% dos casos, viajou a 76 cidades do País e
provocou 99 aglomerações, de acordo com levantamento do
Estadão a partir de dados extraídos do
perfil oficial do Palácio do Planalto no Flickr, uma plataforma que funciona como banco de imagens.
Um recorte de 17 eventos mostra onde estava o presidente durante
momentos importantes da pandemia no País.
Bolsonaro não usa máscara em sete de cada dez eventos oficiais
Em 459 eventos fotografados, mais de um por dia, Bolsonaro não usou máscara em 73% dos casos. As imagens analisadas compreendem o período de março de 2020, quando o País teve sua primeira morte por
coronavírus, até a última viagem internacional do presidente – para Quito, no Equador. Apenas eventos com a presença de Jair Bolsonaro foram considerados.
Em resposta a um
requerimento da CPI da Covid
apresentado pelo senador
Eduardo Girão
(Podemos-CE), que solicitou ao governo uma planilha com os deslocamentos do presidente no Distrito Federal, o Planalto afirmou que “não foram identificados registros oficiais de deslocamentos”. O próprio Palácio do Planalto, no entanto, publica as fotos oficiais na plataforma, como mostra o levantamento do Estadão.
Depois do Distrito Federal, São Paulo foi o destino mais frequente de Jair Bolsonaro. Com 24 eventos, participou de jantares com investidores e assistiu a cerimônia de entrada dos novos alunos da
Escola Preparatória de Cadetes do Exército, onde teve aglomeração e Bolsonaro não usou máscara.
Pelo Estado paulista, Bolsonaro causou ao menos dez aglomerações e deixou de usar máscara em 17 eventos. As cerimônias com militares representam 33% da agenda em São Paulo registrada no Flickr.
No Rio de Janeiro, a agenda militar foi mais intensa. Dos 18 eventos, 15 tiveram foco policial-militar. Dentre os compromissos que representam 83% da agenda no Estado, estavam a visita ao Batalhão de
Operações Policiais Especiais (BOPE) e a participação do presidente em cerimônias de formação de novos militares. Dos eventos registrados no perfil oficial do Planalto, apenas três não tinham foco militar: uma
reunião com o governador carioca, a recepção ao
ex-motorista de um jogador de futebol e o passeio de moto com aglomeração de apoiadores.
Outros Estados tiveram 29 eventos ligados à agenda militar. Mesmo eventos não contabilizados pelo levantamento como “policial-militar” tiveram aparições de Bolsonaro junto aos policiais. Em 21 de maio de
2021, o presidente segura um fuzil ao lado da Polícia do Maranhão.
Em outra parada
fora da agenda oficial, em 4 de março de 2021, Bolsonaro tirou foto com a Polícia Militar de Minas Gerais em Cruzeiro dos Peixotos no Distrito de Uberlândia.
Ao longo da pandemia, Bolsonaro participou de ao menos 13 “cerimônias
alusivas”. Esses eventos servem para “relançar” algo já inaugurado e
tem como finalidade a promoção política do presidente. Como reportado
pelo Estadão, as reinaugurações sinalizam uma intensificação da corrida eleitoral de 2022. As solenidades alusivas entraram em três
categorias: “Cerimônia”, “Inauguração” e “Visita”.
“Não planejado” são eventos não previstos na agenda oficial da Presidência. Em todas as 11 ocorrências Bolsonaro provocou aglomerações e esteve sem máscara. As paradas ocorreram em dez Estados: Bahia (duas vezes), Tocantins, Sergipe, Santa Catarina, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas e Alagoas.
A falta de proteção para o nariz e a boca em público é propícia para a
Covid-19, causada por um vírus respiratório transmitido pelo ar na
maior parte do tempo.
Opositores ao presidente fizeram, na semana retrasada, manifestações
de rua em cerca de 200 cidades nas quais, apesar das recomendações de
segurança e do uso generalizado de máscaras, também houve aglomerações
em atos que reuniram milhares de pessoas. Especialistas dizem que,
mesmo quando há uso de máscara, é necessário ao menos 1,5 m de
distância para reduzir o risco de transmissão do coronavírus.
Aglomerações em ambientes fechados, no entanto, são consideradas as
mais perigosas para a propagação da doença.
Coordenador técnico do Comitê Gestor da Pandemia da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), o médico Bernardino Alves Souto afirma
que a pandemia se agravou no Brasil com a falta de incentivo para que
a população ficasse em casa e o desrespeito às medidas de proteção.
Ele diz que aglomerações com várias pessoas sem máscara, como as
registradas no perfil oficial do Planalto, ajudam a propagar o vírus e
pioram a situação da pandemia.
“Sem máscara, a gente não pode ficar em lugar nenhum – mesmo em
ambiente aberto é prudente usar e ainda assim manter distanciamento”,
diz o professor, que defende a continuidade das medidas de isolamento
até que o País chegue a patamares mais altos de vacinação.
A negação de evidências científicas sobre a pandemia também serve a
propósitos políticos de Bolsonaro, na visão da cientista política
Camila Rocha, que pesquisa os movimentos de extrema direita no Brasil.
“Pesquisas que fazemos com eleitores que não votam nem em Bolsonaro
nem no PT – o eleitorado que chamamos de nem-nem – mostram que eles
repetem esse discurso: de que têm direito ao trabalho mesmo na
pandemia, e isso reforça a narrativa dele [Bolsonaro] de que é muito
mais importante preservar a economia do País”, afirma Camila.
Ela diz que esse discurso oferece margem para explorar uma imagem de
vitimização do presidente. “Essa ideia de que ‘ninguém deixa Bolsonaro
trabalhar’ e que estão todos contra ele é muito forte, aglutina a base
bolsonarista e, inclusive, é motivação para discursos mais
radicalizados que pedem impeachment dos ministros do Supremo Tribunal
Federal e fechamento do Congresso.”
Procurado, o Palácio do Planalto não havia se manifestado até a
conclusão desta edição.
Metodologia
Todos os eventos no período entre 10 de março de 2020 e 31 de maio
de 2021 foram extraídos da
conta oficial do Palácio do Planalto no Flickr. Apenas eventos com a presença do presidente Jair Bolsonaro foram considerados no levantamento.
Para esta reportagem, foram consideradas aglomerações toda situação com a participação de populares, em locais abertos ou fechados, em que mais de cinco pessoas ocupavam espaços sem observar distanciamento mínimo entre si.
Algumas datas possuem vários eventos. Cada álbum foi considerado como um evento distinto.
Os dados de casos e mortes foram levantados pelo Consórcio de Veículos de Imprensa junto as secretarias de saúde dos Estados. Foi levado em consideração o boletim diário publicado às 20h.
Expediente
Reportagem
Augusto Conconi e Tulio Kruse
Edição
Carlos Marin, Fernanda Yoneya e Valmar Hupsel Filho