Eventos de Bolsonaro durante a pandemia

Desde o início da pandemia da Covid-19, o presidente Jair Bolsonaro passou a maior parte dos compromissos sem máscara e provocou aglomeração.

Ele ficou sem a proteção ao longo de toda a agenda em sete a cada dez eventos, ou 73% dos casos, viajou a 76 cidades do País e provocou 99 aglomerações, de acordo com levantamento do Estadão a partir de dados extraídos do perfil oficial do Palácio do Planalto no Flickr, uma plataforma que funciona como banco de imagens.

Um recorte de 17 eventos mostra onde estava o presidente durante momentos importantes da pandemia no País.

Bolsonaro não usa máscara em sete de cada dez eventos oficiais

Em 459 eventos fotografados, mais de um por dia, Bolsonaro não usou máscara em 73% dos casos. As imagens analisadas compreendem o período de março de 2020, quando o País teve sua primeira morte por coronavírus, até a última viagem internacional do presidente – para Quito, no Equador. Apenas eventos com a presença de Jair Bolsonaro foram considerados.

Em resposta a um requerimento da CPI da Covid apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que solicitou ao governo uma planilha com os deslocamentos do presidente no Distrito Federal, o Planalto afirmou que “não foram identificados registros oficiais de deslocamentos”. O próprio Palácio do Planalto, no entanto, publica as fotos oficiais na plataforma, como mostra o levantamento do Estadão.

Deslocamentos
Em mais de 440 dias de pandemia, Bolsonaro viajou para 76 cidades e causou 99 aglomerações.

O levantamento considera eventos ocorridos entre os dias 10 de março de 2020 e 31 de maio de 2021 com a presença do presidente Jair Bolsonaro. Não existem registros para Espírito Santo e Rondônia.

Fonte: Perfil oficial do Planalto no Flickr

Depois do Distrito Federal, São Paulo foi o destino mais frequente de Jair Bolsonaro. Com 24 eventos, participou de jantares com investidores e assistiu a cerimônia de entrada dos novos alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, onde teve aglomeração e Bolsonaro não usou máscara.

Pelo Estado paulista, Bolsonaro causou ao menos dez aglomerações e deixou de usar máscara em 17 eventos. As cerimônias com militares representam 33% da agenda em São Paulo registrada no Flickr.

No Rio de Janeiro, a agenda militar foi mais intensa. Dos 18 eventos, 15 tiveram foco policial-militar. Dentre os compromissos que representam 83% da agenda no Estado, estavam a visita ao Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) e a participação do presidente em cerimônias de formação de novos militares. Dos eventos registrados no perfil oficial do Planalto, apenas três não tinham foco militar: uma reunião com o governador carioca, a recepção ao ex-motorista de um jogador de futebol e o passeio de moto com aglomeração de apoiadores.

Outros Estados tiveram 29 eventos ligados à agenda militar. Mesmo eventos não contabilizados pelo levantamento como “policial-militar” tiveram aparições de Bolsonaro junto aos policiais. Em 21 de maio de 2021, o presidente segura um fuzil ao lado da Polícia do Maranhão.

Jair Bolsonaro posa segurando fuzil acompanhado de cinco policiais militares maranhenses.
Isac Nóbrega/PR
Em visita a Senador La Rocque, MA, Bolsonaro posa com policiais militares.
Em outra parada fora da agenda oficial, em 4 de março de 2021, Bolsonaro tirou foto com a Polícia Militar de Minas Gerais em Cruzeiro dos Peixotos no Distrito de Uberlândia.
presidente Bolsonaro ajoelhado e de braços cruzados junto a grupo de policiais militares de Minas Gerais.
Alan Santos/PR
Policiais militares de Uberlândia, MG, fazem pose para tirar foto com o presidente.
Eventos
Eventos por categoria (em números)
Reunião
175
Cerimônia
120
Inauguração
59
Visita
35
Refeição
12
Não planejado
11
Viagem
7
Manifestação
4
Outros
36
Uso de máscara (em %)
  • Não usou
  • Usou parcialmente
  • Usou
Reunião
87 7 6
Cerimônia
54 30 16
Inauguração
59 34 7
Visita
74 20 6
Refeição
92 8
Não planejado
100
Viagem
57 43
Manifestação
75 25
Outros
80 14 6

Ao longo da pandemia, Bolsonaro participou de ao menos 13 “cerimônias alusivas”. Esses eventos servem para “relançar” algo já inaugurado e tem como finalidade a promoção política do presidente. Como reportado pelo Estadão, as reinaugurações sinalizam uma intensificação da corrida eleitoral de 2022. As solenidades alusivas entraram em três categorias: “Cerimônia”, “Inauguração” e “Visita”.

“Não planejado” são eventos não previstos na agenda oficial da Presidência. Em todas as 11 ocorrências Bolsonaro provocou aglomerações e esteve sem máscara. As paradas ocorreram em dez Estados: Bahia (duas vezes), Tocantins, Sergipe, Santa Catarina, Paraíba, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Amazonas e Alagoas.

Aglomerações
As aglomerações do presidente ocorreram em 66 cidades de 24 Estados e do Distrito Federal. Foram 99 ocorrências registradas pelo próprio Palácio do Planalto.

O levantamento considera eventos ocorridos entre os dias 10 de março de 2020 e 31 de maio de 2021 com a presença do presidente Jair Bolsonaro. Não existem registros para Espírito Santo e Rondônia.

Fonte: Perfil oficial do Planalto no Flickr

A falta de proteção para o nariz e a boca em público é propícia para a Covid-19, causada por um vírus respiratório transmitido pelo ar na maior parte do tempo.

Opositores ao presidente fizeram, na semana retrasada, manifestações de rua em cerca de 200 cidades nas quais, apesar das recomendações de segurança e do uso generalizado de máscaras, também houve aglomerações em atos que reuniram milhares de pessoas. Especialistas dizem que, mesmo quando há uso de máscara, é necessário ao menos 1,5 m de distância para reduzir o risco de transmissão do coronavírus. Aglomerações em ambientes fechados, no entanto, são consideradas as mais perigosas para a propagação da doença.

Coordenador técnico do Comitê Gestor da Pandemia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o médico Bernardino Alves Souto afirma que a pandemia se agravou no Brasil com a falta de incentivo para que a população ficasse em casa e o desrespeito às medidas de proteção. Ele diz que aglomerações com várias pessoas sem máscara, como as registradas no perfil oficial do Planalto, ajudam a propagar o vírus e pioram a situação da pandemia.

“Sem máscara, a gente não pode ficar em lugar nenhum – mesmo em ambiente aberto é prudente usar e ainda assim manter distanciamento”, diz o professor, que defende a continuidade das medidas de isolamento até que o País chegue a patamares mais altos de vacinação.

A negação de evidências científicas sobre a pandemia também serve a propósitos políticos de Bolsonaro, na visão da cientista política Camila Rocha, que pesquisa os movimentos de extrema direita no Brasil. “Pesquisas que fazemos com eleitores que não votam nem em Bolsonaro nem no PT – o eleitorado que chamamos de nem-nem – mostram que eles repetem esse discurso: de que têm direito ao trabalho mesmo na pandemia, e isso reforça a narrativa dele [Bolsonaro] de que é muito mais importante preservar a economia do País”, afirma Camila.

Ela diz que esse discurso oferece margem para explorar uma imagem de vitimização do presidente. “Essa ideia de que ‘ninguém deixa Bolsonaro trabalhar’ e que estão todos contra ele é muito forte, aglutina a base bolsonarista e, inclusive, é motivação para discursos mais radicalizados que pedem impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal e fechamento do Congresso.”

Procurado, o Palácio do Planalto não havia se manifestado até a conclusão desta edição.

Metodologia

Todos os eventos no período entre 10 de março de 2020 e 31 de maio de 2021 foram extraídos da conta oficial do Palácio do Planalto no Flickr. Apenas eventos com a presença do presidente Jair Bolsonaro foram considerados no levantamento.

Para esta reportagem, foram consideradas aglomerações toda situação com a participação de populares, em locais abertos ou fechados, em que mais de cinco pessoas ocupavam espaços sem observar distanciamento mínimo entre si.

Algumas datas possuem vários eventos. Cada álbum foi considerado como um evento distinto.

Os dados de casos e mortes foram levantados pelo Consórcio de Veículos de Imprensa junto as secretarias de saúde dos Estados. Foi levado em consideração o boletim diário publicado às 20h.

Expediente

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