Estadao
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Da redação do Estadão
11/09/2022 | 05h00

Antes da pandemia, que desestabilizou completamente a economia global e embaralhou os indicadores econômicos, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro avançava lentamente ao redor de 1% ao ano. O PIB potencial do País – aquele que é possível atingir com os recursos disponíveis sem que se gere pressão inflacionária – deve estar apenas um pouco acima desse nível. Especialistas apontam que, para uma mudança nesse cenário em que o Brasil apenas patina, seria necessário alavancar sobretudo a taxa de poupança no País – que deu um soluço no ano passado também por causa da covid, mas que vinha registrando resultados historicamente baixos.

Nesta reportagem da jornalista Luciana Dyniewicz, o Estadão mostra que um dos principais desafios do presidente eleito em outubro no campo econômico será aumentar drasticamente a taxa de poupança no Brasil. O economista Fabio Giambiagi, formado pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ, explica de maneira didática a importância da taxa de poupança para o crescimento do País: “Uma empresa não pode produzir 220 mil carros em uma planta que tem capacidade para 200 mil. Um país com PIB potencial baixo é assim também. Ele cresce dois anos a 3% e depois esbarra na capacidade”.

Giambiagi acrescenta que elevar o PIB potencial demanda maiores investimentos e, para bancá-los, é necessária uma taxa de poupança mais elevada no País.

Taxa de poupança influencia diretamente a produtividade do País
Taxa de poupança influencia diretamente a produtividade do País. WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Contabilmente, as taxas de poupança e de investimento são iguais. A de poupança corresponde ao que deixa de ser consumido pela população e acaba sendo utilizado para o investimento. Ela é composta pelas poupanças privada, pública e externa (os recursos que o restante do mundo aporta em um país).

No Brasil, a taxa de poupança doméstica foi de 17,4% do PIB em 2021, segundo o Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe). O número foi alto comparado com os anos anteriores possivelmente porque a população economizou mais preocupada com a pandemia e também porque, na quarentena, havia menos opções de consumo. Desde 2015, a taxa ficava ao redor de 12% e 13% do PIB.

Ainda que a taxa brasileira tenha aumentado, ela continua abaixo da média da América Latina e do Caribe, que ficou em 20% no ano passado, de acordo com dados do Banco Mundial. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), foi de 23% do PIB e, no mundo, 26%.

“É difícil imaginar um país que consiga crescer sistematicamente por muitos anos com baixa taxa de poupança. Isso é raro. Um dos motores do crescimento é o investimento. E ele só pode aumentar com poupança, que é a fonte de financiamento para um país. Um país que poupa pouco provavelmente terá dificuldade de crescer de forma constante”, diz a economista Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia (FGV/Ibre).

Silvia destaca a Austrália como uma das poucas exceções que conseguiu avançar apesar da poupança interna baixa. A economista explica que o país se financiou com poupança externa. Isso, no entanto, só foi possível por um longo período de tempo porque a Austrália tem estabilidade na política macroeconômica, o que torna menos complicada a dependência do investidor estrangeiro.

No Brasil, quando a economia cresceu com mais força após a crise de 2008 e 2009, por exemplo, a poupança externa complementou a interna para que a taxa de investimento alcançasse 21% do PIB. Essa complementação, porém, afeta a balança de pagamentos. Para os economistas, é possível manter uma poupança externa de até 4% do PIB sem aumentar o risco país. Mas, se o número for superior e o país não conseguir financiar o déficit, pode acabar tendo de recorrer às reservas internacionais.

Para evitar a dependência da poupança externa, o país precisa, sobretudo, de uma alta taxa de poupança interna pública. O problema é que hoje ocorre justamente o contrário: o setor público entra na equação da poupança retirando recursos. Em 2021, por exemplo, registrou uma poupança negativa de 2,83% do PIB. Entre 2015 e 2020, a média havia sido de -5,6% do PIB. Corrigir isso nos próximos anos deveria ser uma das prioridades do País.

REFORMAS

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, afirma que mudar esse cenário e fazer com que o setor público passe a poupar para que se possa aumentar o investimento no País passa necessariamente pelas reformas fiscais. “É preciso conter gastos, inclusive os obrigatórios, porque os discricionários já foram limitados. A questão é que essa não é a agenda que temos observado.” Para ela, é necessário realizar a reforma administrativa – ainda que ela não tenha impacto no curto prazo – e, em algum momento, outra rodada de mudanças na previdência.

Ainda segundo a economista, do lado da poupança privada, a saída depende do crescimento do PIB. Isso porque, quanto maior a renda da população, maior a propensão a poupar. Países com nível de renda que não seja muito elevado – e o Brasil é um país de renda média – têm dificuldades naturais para ter taxas de poupança elevadas por uma razão simples: não temos muita renda. Uma pessoa que ganha R$ 50 mil por mês, por exemplo, tem uma facilidade maior para poupar 20% ou 30% da sua renda do que uma pessoa que ganha um salário mínimo de R$ 1,2 mil, explica Giambiagi.

O economista Carlos Antonio Rocca, do Cemec-Fipe, acrescenta que a poupança privada brasileira permaneceu relativamente estável entre 2000 e 2021, período em que a média foi de 18,9% do PIB. Enquanto isso, a poupança pública, especialmente a partir de 2014, se deteriorou.

Há alguns países, como a China, que conseguem ter uma taxa de poupança privada muito elevada (44% do PIB em 2020) não só em decorrência do avanço da atividade econômica, mas também por não oferecer um sistema de bem estar social. Sem um sistema previdenciário público efetivo, por exemplo, a população tende a economizar para garantir uma renda na velhice.

Seria o caso, então, de fazer, por exemplo, uma nova reforma previdenciária com a finalidade de ampliar a poupança doméstica? Samuel Pessôa, também do FGV/Ibre, diz que, como economista, não poderia responder a essa pergunta, apenas indicar as consequências de o Brasil optar por um sistema previdenciário “generoso”.

Um levantamento feito por Pessôa apontou que, entre 2010 e 2016, o Brasil gastava em previdência sete pontos porcentuais do PIB a mais que a média global. Isso implicava uma taxa de poupança cinco pontos porcentuais do PIB inferior à média global.

“O Brasil é um dos países que mais gasta com previdência, por isso estamos sempre discutindo isso. Não estamos discutindo porque tem um monte de economista liberal que quer ferrar o povo. Mas todo o gasto previdenciário foi decidido pelo Congresso. Em última instância, dá para dizer que a sociedade optou por isso.”

De acordo com Pessôa, outra opção para aumentar a poupança é elevar a carga tributária sem ampliar os gastos públicos. “Não vai ter solução fácil. Vai mexer com alguém. Essa conversa é mais política do que econômica”, diz, apontando os desafios que o presidente eleito terá pela frente. •


‘Condições políticas não comportarão um ajuste imediato’

Entrevista

Fabio Giambiagi

Economista formado pela FEA/UFRJ

Luciana Dyniewicz

Elevar a taxa de poupança pública brasileira é fundamental para o País não continuar registrando “pibinho” ano após ano, segundo o economista Fabio Giambiagi, especialista em finanças públicas. Para ele, isso deve ser feito através de um ajuste fiscal “gradual”. “As condições políticas nos próximos anos não comportarão um ajuste imediato de grande magnitude”, diz ele. Para o economista, seria possível que o Brasil elevasse sua taxa de poupança para algo ao redor de 23% do PIB no fim da década. “Isso permitiria uma expansão gradual do produto”, afirma.

Fabio Giambiagi, formado pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ
Fabio Giambiagi, formado pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ. WILTON JUNIOR/ESTADÃO

Por que é importante ter uma taxa de poupança mais elevada?

Elevar a taxa de investimento é chave para podermos ter um processo de crescimento do PIB que seja sustentável e que seja entre 2% e 3% por ano, e não próximo do pibinho de 1% que nos acostumamos nos últimos anos. Para isso, ter uma taxa de poupança doméstica maior é fundamental para não dependermos da poupança externa, que, em níveis excessivos, já nos causou problemas nos últimos 60 anos.

Qual a relação entre taxa de poupança e investimento?

A taxa de investimento é igual a taxa de poupança. O Brasil teve historicamente sérias deficiências na formação da poupança doméstica e, para poder crescer a taxas mais elevadas, teve, muitas vezes, que depender da poupança externa. O problema de depender da poupança externa é a dificuldade de sustentá-la ao longo do tempo. A poupança externa se traduz na expressão do déficit em conta corrente.

Como o País pode reverter a baixa taxa da poupança?

Isso terá de estar associado a um processo de ajuste fiscal, provavelmente gradual, porque as condições políticas nos próximos anos não comportarão um ajuste imediato de grande magnitude. Tudo indica que, em função das medidas que vêm sendo adotadas pelo governo nos últimos anos, deverá envolver algum aumento gradual e moderado da carga tributária e uma redução da relação entre gasto público e PIB. Espero que isso seja feito mediante uma recalibragem da regra do teto do gasto. Espero que, no ano que vem, o País migre rumo a uma regra que estabeleça um teto de gasto da forma que o gasto cresça em torno de 1% a 1,5% ao ano. Isso, em um contexto em que o PIB possa voltar a crescer entre 2% e 2,5%, permitiria uma redução gradual da relação entre o gasto público e o PIB.

Países semelhantes ao Brasil têm qual taxa de poupança?

Não há uma regra. Enquanto o Brasil, nos últimos 20 anos, tem tido uma taxa de investimento entre 15% e 20% do PIB, países com desenvolvimento melhor que o nosso têm tido uma faixa de 20% a 25% do PIB. 25% do PIB parece uma coisa irrealizável, mas aspirarmos passar de 19% do PIB, que tivemos no ano passado, para uma taxa de investimento que, no fim da década, esteja na faixa de 22% a 23% do PIB me parece algo factível. •