Estadao
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Da redação do Estadão
19/09/2022 | 05h00

O valor de Stem para o desenvolvimento de um país vai muito além do significado de cada uma das quatro letras: da tradução do inglês, ciência, tecnologia, engenharia e matemática. A sigla, que surgiu há pouco mais de 20 anos nos Estados Unidos, passou a ser associada a uma escola contemporânea e que recusa os métodos tradicionais. O termo “Educação Stem” tornou-se sinônimo de um ensino criativo, colaborativo, interdisciplinar, com solução de problemas e que forma cidadãos mais preparados para a sociedade atual. Além, é claro, da garantia de emprego.

Nesta reportagem da jornalista Renata Cafardo, o Estadão mostra que isso tem faltado à maioria das escolas brasileiras, especialmente as públicas. Nos exames internacionais de desempenho, os alunos brasileiros de 15 anos têm sempre notas que ficam entre as mais baixas nas áreas de Matemática e Ciência. Já países como Estados Unidos, Inglaterra, Dinamarca, Cingapura, Coreia do Sul e China estão entre os melhores. São nações que investiram nos últimos anos bilhões de dólares, reformularam currículos, formaram professores e criaram novas tecnologias de ensino em Stem.

Algumas delas, como a Coreia do Sul, tiveram um salto econômico gigantesco em décadas. Outras, como os Estados Unidos, perceberam que perderiam o topo se não focassem numa educação que inclui projetos de robótica, programação, experimentos de todos os tipos, questionamentos. Enquanto isso, o Brasil reduziu seu investimento em ciência e educação durante os últimos anos; hoje os recursos são os mais baixos desde 2000. Não há nenhum grande projeto em Stem no Ministério da Educação (MEC) ou no Ministério da Ciência e Tecnologia. E as escolas públicas ainda sofrem com a falta de conectividade, internet rápida e equipamentos.

Alunos do Sesi da Vila Leopoldina, em São Paulo, durante aula em laboratório
Alunos do Sesi da Vila Leopoldina, em São Paulo, durante aula em laboratório. DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

Para especialistas ouvidos pelo Estadão, o desenvolvimento do País, com indústria forte e educação de qualidade, depende de um grande investimento em Stem nos próximos anos. “Não educar significa não produzir”, diz o diretor de estratégias educacionais do Sesi e do Senai de São Paulo, Wilson Risolia. Para ele, o Brasil não pode perder mais uma geração de jovens mal formados, com um mercado de tecnologia cada vez mais sedento por profissionais. As duas entidades, ligadas à Fiesp, passaram a investir em um grande projeto de educação, que inclui formação de professores e cursos técnicos em tecnologia da informação para jovens, por meio de parcerias com empresas como Google, Microsoft e Amazon.

“Muita gente acha que o cientista é aquele gênio maluco, mas, na verdade, embaixo da ciência e da tecnologia têm centenas de milhares de empregos, de produção científica, operação de máquinas, gerência da fábrica etc”, diz o professor de educação e ciência da computação da Universidade Columbia, em Nova York, Paulo Blikstein. O brasileiro dirige o Transformative Learning Technology Lab em Columbia, que faz pesquisas e parcerias com redes de ensino para projetos em Stem.

Uma delas é em Sobral, no Ceará, cidade que se destaca há anos como uma das melhores do País em educação. Segundo o secretário de educação de Sobral, Hebert Lima, a parceria ajudou a prefeitura a criar um novo currículo e aulas específicas para usar o ensino de Stem, que os professores não saberiam oferecer apenas com os livros didáticos que já existiam. Com o apoio da Fundação Lemann, estão sendo construídos dez laboratórios com kit de robótica, impressora 3D, cortadora a laser, sensores e marcenaria, em que se faz a educação que ficou conhecida no mundo todo como “mão na massa”. “São espaços de inovação”, diz Lima.

“Enquanto você está numa posição de ser o detentor do conteúdo, o aluno não tem muita liberdade para questionar. Quando você traz experimentos, projetos, ele é sempre instigado a pensar e argumentar”, diz Adones Silva, professor de ciências de Sobral. Ele conta que os projetos em Stem não usam somente tecnologia e equipamentos caros. Em uma das aulas, ele utilizou garrafa pet, água e terra para mostrar como um solo desmatado é mais propenso à erosão. “Só dizer que a terra sem vegetação tem mais erosão não faria os estudantes chegarem tão bem a esse entendimento.”

“A ideia da estratégia Stem não é fazer todo mundo virar programador ou engenheiro, é fazer o aluno aprender a aprender”, diz o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques. O raciocínio científico e a solução de problemas podem aparecer tanto na Biologia, como nas Artes, nas línguas, na Geografia e na História, interligando disciplinas. “Pode-se usar um espaço maker para estudar como fazer a distribuição de alimentos na guerra da Ucrânia, por exemplo”, sugere. Para mostrar que essa nova educação não é restrita às ciências exatas, há especialistas que passaram a usar o termo Steam, com o A adicional, das Artes.

Pesquisas mostram, no entanto, ainda grande desigualdade de gênero quando se fala em carreiras Stem e a necessidade urgente de se criar programas voltados às mulheres nessas áreas. Estudo do Banco Mundial de 2019 mostra que meninas e meninos têm desempenho parecido em Matemática e Ciências quando estão na educação básica, na maioria dos países. Mas na universidade, os números mudam. Apesar de globalmente haver mais mulheres no ensino superior, só 7% delas escolhem estudar engenharia. Entre os homens, são 22%. Nas carreiras de tecnologia da informação, são 28% de mulheres e 72% de homens.

MUDANÇA CULTURAL

Estudos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicam que 90% dos profissionais da área de tecnologia estão empregados nas dezenas de países analisados. Mas mesmo aí, há diferença de gênero. Entre os homens são 93% com emprego; entre as mulheres, 81%. Nas áreas de engenharia, são 91% ante 81%, respectivamente. Especialistas dizem que é preciso haver mudanças culturais nas famílias e nas escolas para acabar com o estereótipo de que Stem “é coisa de homem”.

“Duas grandes intervenções devem ser feitas desde cedo para ter impacto: aumentar a confiança das meninas com experiências nessas áreas durante a escola e ter modelos relevantes de mulheres cientistas”, conclui o relatório do Banco Mundial.

O Instituto Serrapilheira, entidade privada que financia pesquisa no Brasil, tem programas de incentivo para mulheres e também para projetos que incluam a diversidade racial e social. “Investir em ciência, engenharia e tecnologia é investir em ter um país criativo, rico de ideias, de conhecimento novo, e isso traz mais qualidade de vida para as pessoas”, diz a diretora de Ciência do instituto, Cristina Caldas. “Mas é importante também ter um grupo diverso olhando para aquele problema com diferentes histórias de vida, o que torna o processo científico mais amplo.”

Além das mulheres, jovens de baixa renda também são minoria em áreas de Stem. O Brasil tem ainda um déficit histórico de professores nas áreas das Ciências e da Matemática. A cidade de São Paulo lançou no mês passado, em parceria com a Universidade de Columbia e o Instituto Singularidades, um programa que vai formar 140 professores que atuam hoje em laboratórios de informática das escolas para uma educação Stem. O diretor do Singularidades e ex-secretário da capital, Alexandre Schneider, acredita que uma educação mais experimental e criativa pode ajudar a mudar esse cenário. “Certamente terá um círculo virtuoso, alunos vão aprender melhor, ter mais interesse, podem se encaminhar para carreiras que hoje acham que não é para eles.”

INVESTIMENTOS

Experiências de outros países mostram que é preciso investir muito e de maneira ampla para, de fato, ter sucesso nas estratégias de Stem. Depois de um grande apoio para formar cientistas na corrida espacial com os russos nos anos 1950, os Estados Unidos voltaram a investir pesadamente em Stem há cerca de 15 anos, quando se sentiram ameaçados pela China. Em 2022, foram destinados US$ 3 bilhões (R$ 15,6 bilhões) para programas de Stem e mais US$ 1,3 bilhão (R$ 6,7 bilhões) somente para pesquisas acadêmicas sobre como ensinar essas áreas nas escolas. Isso sem contar recursos da Nasa, do Departamento de Defesa e outras agências que apoiam a ciência americana com foco em minorias, alunos de baixa renda e meninas.

Em 2016, um programa criado pelo ex-presidente Barack Obama, chamado “Computer Science for All”, destinou US$ 4 bilhões (R$ 20 bilhões) para o ensino de habilidades digitais para crianças do ensino infantil ao médio. A Inglaterra também recentemente desenvolveu tecnologia nacional de baixo custo para as escolas ensinarem Stem, além de novos currículos e formação de professores. Na Dinamarca, foi criada uma nova disciplina obrigatória de ciência e tecnologia realizada em laboratórios maker.

“Mesmo na China e outros países com educação mais tradicional há políticas novas para mover a educação para um lugar de criação, de invenção”, diz Paulo Blikstein, da Columbia. Na América Latina, o Uruguai tem um plano em andamento que já entregou computadores, construiu laboratórios, plataformas digitais e formou professores para o ensino de Stem, que teve um financiamento de US$ 55 milhões (R$ 287 milhões) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Já no Brasil, o Ministério da Ciência e Tecnologia tem este ano um orçamento para todo o seu investimento, e não necessariamente para Stem, de R$ 720 milhões, 78% mais baixo do que havia em 2010. “Educação Stem é algo caro e não é só comprar computadores, precisa de reescrita de currículo, novo material didático, formar professores, não dá pra fazer com o que tínhamos 20 anos atrás”, completa Blikstein.

Especialistas ainda lembram a relevância de uma alfabetização digital e computacional para as próximas gerações, que convivem tanto com a tecnologia. O estímulo ao raciocínio científico, ao questionamento e a formulação de hipóteses ajuda a identificar fake news, por exemplo.

A francesa École 42, uma das mais conhecidas instituições de ensino de programação do mundo, chegou ao Brasil em 2019 com o conceito de aprendizagem por meio da colaboração e da empatia. Não há professores na escola e os grupos de alunos aprendem experimentando no ambiente digital e com a ajuda dos colegas. A sócia da École 42 Karen Kannan diz que todo mundo precisa ter habilidades para criar com tecnologia e que esta deve ser a educação do futuro. “Se você não aprender programação, você vai ser programado.” •