Estadao
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Da redação do Estadão
15/09/2022 | 05h00

Há décadas a economia brasileira enfrenta dificuldades para crescer de forma sustentada. Não à toa, a metáfora “voo de galinha” parece se encaixar perfeitamente para definir o desempenho econômico do Brasil ao longo do tempo. Para sair da “armadilha da renda média” – como economistas chamam a dificuldade de uma nação seguir avançando após chegar à metade do processo de desenvolvimento econômico –, será preciso aumentar a produtividade.

Num dos cálculos mais utilizados por economistas, a “produtividade do trabalho” é medida pelo valor agregado total das atividades econômicas no Produto Interno Bruto (PIB) dividido pelo total de horas trabalhadas por todos os empregados, formais e informais. Dessa forma, aumentar a produtividade significa fazer mais com menos.

O Estadão destacou o jornalista Vinicius Neder para produzir esta reportagem que objetiva detalhar a importância de o Brasil aumentar a sua produtividade no próximo governo, seja quem for o eleito em outubro. Afinal, a trajetória da produtividade se confunde com o desenvolvimento econômico.

Qualificação da mão de obra é fundamental para a produtividade
Qualificação da mão de obra é fundamental para a produtividade. WERTHER SANTANA/ESTADÃO

Os países ricos, com os maiores PIB per capita, atingiram essa condição com ganhos de produtividade – os mesmos países também figuram no grupo dos mais produtivos, com algumas poucas trocas de posição. O campeão da produtividade em 2021 foi Luxemburgo, conforme cálculos da entidade empresarial americana The Conference Board. O pequeno reino de 650 mil habitantes, localizado entre a Bélgica, a França e a Alemanha, cuja economia é forte nos serviços financeiros e tecnológicos, tem também o maior PIB per capita do mundo, segundo o FMI.

No ranking da produtividade de 2021, o Brasil está na posição 77, entre 131 países. O País vem logo após a Albânia e à frente do Sri Lanka. Como o tamanho da população conta muito no cálculo, a China está atrás (no 83.º lugar), mas o gigante asiático vem numa frenética corrida de recuperação. Em 2021, a produtividade da economia chinesa foi 31,2 vezes maior do que em 1970, ainda conforme o The Conference Board.

O Brasil, por sua vez, parece ter desistido da corrida de recuperação para alcançar os países desenvolvidos. No mesmo período, a produtividade da economia brasileira cresceu 4,2 vezes. Os dados nacionais confirmam a perda de fôlego. A produtividade do trabalho cresceu apenas 1% ao ano, na média, de 1995 a 2021, mostram cálculos do Observatório da Produtividade Régis Bonelli, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), coordenado pelo economista Fernando Veloso.

A produtividade depende de vários fatores. Geralmente, as economias mais produtivas, e, portanto, mais ricas, adotam as mais modernas tecnologias, têm um bom ambiente de negócios (com burocracia eficiente, segurança jurídica e bom funcionamento do governo), possuem boa infraestrutura (capacidade suficiente de geração de eletricidade, rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, telefonia e acesso à internet de qualidade) e se destacam pela alta qualificação da mão de obra.

Por trás do pífio avanço da produtividade no Brasil nas últimas décadas estão, justamente, a infraestrutura precária, a insegurança jurídica para a realização de negócios, o caótico sistema tributário, a atrofia da disponibilidade de crédito, a relativamente baixa penetração de importados no mercado doméstico e a baixa qualidade da formação da maioria dos trabalhadores. Todos esses obstáculos geram custos desnecessários, inimigos da produtividade, afinal, fazer “mais com menos” também significa gerar o maior valor possível com o menor custo possível.

Portanto, elevar a produtividade passa por reformas para vencer os obstáculos, mas não há bala de prata, dizem esses economistas. Algumas reformas levam tempo para mostrar resultados – uma melhoria estrutural na formação dos trabalhadores pode levar uma geração. Por outro lado, outras medidas podem apresentar resultados mais rapidamente. A infraestrutura nacional está tão precária, que incrementos de curto prazo podem destravar logo o crescimento econômico. O sistema tributário é tão caótico, que ajustes pontuais já poderiam fomentar os negócios.

Em documento que reúne 62 propostas em diferentes temas, a Federação das Indústrias do Rio (Firjan) estima que os ganhos de produtividade associados às sugestões poderiam gerar US$ 1,040 trilhão a mais no PIB brasileiro no acumulado dos próximos cinco anos.

“Crescer por meio de acúmulo de fatores de produção tem limitações óbvias. Dada uma quantidade de insumos, trabalho, capital e capital humano, resta combiná-los de maneira a produzir mais. Aumentos de produtividade são manifestações da utilização de maneira mais efetiva dos fatores”, diz Vinicius Carrasco, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio e diretor da companhia de máquinas de cartões Stone.

TRIBUTOS

Um dos mais conhecidos levantamentos sobre ambiente de negócios, o relatório “Doing Bussiness”, do Banco Mundial, sempre deixou o Brasil mal na foto. Embora o levantamento tenha sido descontinuado, em 2021, por causa de problemas na metodologia, olhando apenas para o quesito “pagamentos de tributos”, no relatório de 2020, o Brasil ficou na posição 184, de 190 países. O destaque absoluto no mau desempenho é o tempo gasto pelas empresas para cumprir obrigações tributárias, no qual o Brasil é campeão, com 1.501 horas por ano.

“O sistema, na prática, se tornou muito complexo. E a complexidade gera um custo econômico para a sociedade. Se gera um custo, gera ineficiência e acaba reduzindo a produtividade. Por que a complexidade gera custo? São várias frentes. Primeiro, as empresas têm que manter escritórios de contabilidade muito maiores do que poderiam não ter se o sistema fosse mais simples. Segundo, o sistema complexo abre muita margem para oportunidades de corrupção, tanto no setor privado quanto no público”, afirma Bráulio Borges, economista sênior da consultoria LCA Consultores.

Por isso, uma reforma que tornasse o sistema tributário mais simples, mesmo que não reduza a carga de impostos, já impulsionaria o crescimento econômico. Em 2020, Borges elaborou um estudo sobre o efeito econômico da reforma tributária da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, que tramita no Congresso Nacional, para o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), que trabalhou no desenho sugerido. A conclusão é de que a reforma resultaria em um aumento de 20,2% no potencial de crescimento do PIB em 15 anos. Outro estudo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estimou que a unificação dos tributos federais, estaduais e municipais que incidem sobre o consumo faria o PIB crescer, no acumulado até 2033, 5,42% a mais do que cresceria sem a reforma.

Segundo Borges, o caos tributário também incentiva as empresas a optarem por soluções menos eficientes, com o objetivo de pagar menos impostos. No setor da construção civil, por exemplo, a empresa paga menos se misturar o concreto dentro do canteiro de obras, em vez de comprar peças pré-moldadas, produtos sobre os quais o tributo é mais elevado. O uso de pré-moldados é mais eficiente, aceleraria a obra e poderia reduzir custos de produção, mas o sistema tributário distorce a decisão da empresa.

O mesmo ocorre com a “guerra fiscal” entre os Estados, lembra Borges. A redução ou isenção pontual de um tributo por um Estado pode definir a decisão de uma empresa sobre a localização de uma nova fábrica ou centro de distribuição, mesmo que o local esteja afastado do mercado consumidor e fique longe da infraestrutura de transportes. Isso elevará o custo logístico para a empresa, atrapalhando a produtividade, afinal, o valor agregado pela atividade será menor, por causa dos gastos de produção.

“Quem disse que é eficiente produzir na Zona Franca de Manaus? O centro consumidor de boa parte desses bens está no Centro-Sul do País. Acabamos gerando um custo de logística enorme”, diz Borges.

INFRAESTRUTURA

As más condições de estradas, a falta de ferrovias e a má qualidade de portos e aeroportos também elevam os custos com logística. O gasto total com esse item no Brasil ficou em 13% do PIB em 2021, conforme estimativa da consultoria Ilos. Países continentais enfrentam particularidades nessa área, mas, nos Estados Unidos, o custo foi de 8,0% do PIB em 2021, segundo dados do Conselho de Profissionais de Gestão da Cadeia de Suprimentos (CSCMP, na sigla em inglês), citados pela Ilos. O problema é que o Brasil investe pouco em infraestrutura. Conforme estimativas da Inter.B Consultoria, os aportes neste ano deverão ficar em 1,55% do PIB, quando deveriam estar na casa dos 4%.

Quanto melhor a infraestrutura do País, maior a produtividade de sua economia, e essa relação se dá de formas diretas e indiretas. Os custos – gerados não apenas pelo pagamento do serviço, mas também por demoras no transporte, paradas de produção desnecessárias, entre outros tipos de perdas – estão entre as formas diretas, pois eles acabam reduzindo o valor agregado pelas atividades. Na relação indireta, a má infraestrutura atrapalha outros fatores – um sistema de transporte público ruim deixa trabalhadores cansados, enquanto a falta de saneamento básico aumenta a incidência de doenças e, portanto, de faltas ao trabalho.

CRÉDITO

Os juros estratosféricos cobrados nos empréstimos são outro obstáculo para a produtividade, diz Vinicius Carrasco. Um sistema bancário e um mercado financeiro pujantes servem como motor para ganhos de produtividade, já que, em condições normais, os financiadores buscam os projetos mais produtivos, atrás de maiores retornos com os menores riscos. No Brasil, historicamente, uma série de problemas inibe essa função do sistema bancário e do mercado financeiro, diz Carrasco.

Um dos problemas é a dificuldade para um financiador executar uma garantia. Seja por causa da legislação, seja por causa do entendimento predominante do Judiciário nas decisões sobre o tema, se um banco encontra dificuldades para executar uma garantia quando o tomador do financiamento não paga, o risco de emprestar é maior. Portanto, a tendência é de que o juro cobrado na operação também seja maior, para compensar o risco. Outro entrave é a falta de informações sobre históricos de pagamentos, com o objetivo de distinguir “maus pagadores” de “bons pagadores”.

“Risco institucional exige um prêmio, uma compensação. E essa compensação é um custo que o emprestador tem que não é margem dele, é só compensação por algo que ele está se deparando e vê como ameaçador em relação ao repagamento do crédito que concedeu. Não gera nenhum benefício para o financiador, mas pune um potencial tomador, porque aumenta a taxa de juros, simplesmente, por um prêmio que não tem a ver com o projeto em si, tem a ver com o ambiente de negócios do Brasil”, explica Carrasco, ponderando que, nos últimos anos, “tem havido melhorias institucionais”, especialmente pela ação do Banco Central.

Subsídios de crédito também podem atrapalhar a produtividade – embora economistas de formação desenvolvimentista ponderem que eles podem ser necessários quando os juros de mercado são muito elevados. Para Carrasco, juros artificialmente baixos podem fomentar investimentos menos produtivos, apenas por causa do custo de crédito menor. Carrasco foi diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no governo Michel Temer, e foi um dos mentores da mudança na taxa de juros de fomento, que eliminou subsídios.

“Se temos um balcão com acesso a crédito barato, subsidiado, não tem motivo para alguém tomar alternativas. Então, bons projetos também foram financiados com taxas subsidiadas, numa transferência da sociedade para os acionistas desses projetos. Mais do que isso, inibimos o desenvolvimento do mercado de capitais e do mercado de crédito livre. Isso é uma draga de produtividade”, diz Carrasco.

ESCOLARIDADE

A má qualidade da educação pública, e seu efeito na formação da mão de obra, é frequentemente apontada como “calcanhar de Aquiles” da economia brasileira, um dos obstáculos que impedem os ganhos de produtividade de puxar o crescimento econômico. A formação dos trabalhadores é importante para a produtividade porque, para fazer mais com menos, é preciso utilizar máquinas e equipamentos de alta tecnologia e executar processos produtivos mais eficientes, frequentemente mais complexos. O trabalhador precisa ser capaz de aprender a operar o maquinário e a executar os processos.

Na matemática fria, dado um determinado valor agregado por uma atividade econômica, quanto menos trabalhadores ou menos horas de trabalho forem empregados em sua produção, maior será o indicador de produtividade. Só que o processo de desenvolvimento bem sucedido não se dá com a simples substituição de trabalhadores, mas sim com a geração de empregos por uma quantidade maior de empresas muito produtivas. Para isso dar certo, os trabalhadores precisam estar preparados.

Especialistas em educação destacam que, nas últimas décadas, o Brasil aumentou a escolaridade da população, em termos quantitativos, mas, em termos qualitativos, os estudantes aprendem pouco, conforme indicadores como o Pisa, um dos mais utilizados globalmente. Com baixa qualificação, a maioria dos trabalhadores acaba aceitando vagas de emprego de menor qualidade, que pagam menos – quando não acabam trabalhando na informalidade, condição de cerca de 40% dos empregados no País. Há indícios de que a informalidade do trabalho já atrapalha a produtividade.

Ninguém duvida que educação é importante para o desenvolvimento, tanto que, nos discursos e em programas de governo, políticos e candidatos sempre dão prioridade à área. Difícil é colocar as propostas em prática. Essa dificuldade é frequentemente associada, também por especialistas, ao fato de que os resultados só vêm no longo prazo, enquanto governantes pensam no curto prazo, querem colher frutos no período de seus mandatos.

Segundo levantamento da LCA Consultores, feito pelo economista Bruno Imaizumi com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE, no primeiro trimestre de 2020, 8,5% das crianças de 8 anos não sabiam ler nem escrever. No segundo trimestre deste ano, a proporção estava em 20,4%. Caso não recupere rapidamente o tempo perdido na alfabetização dessas crianças, o País poderá enfrentar mais dificuldades de elevar a produtividade quando elas forem entrar no mercado de trabalho. •