Direto ao ponto
10:07 Stelamaris Bertoli: ”Todo ruído é som, mas nem todo som é ruído”
16:58 Sabrina Pimentel: ”Eu nem percebo que eu fiz aquele som, e eles falam que gostaram”
25:13 Minha Vó Tá Certa? Ruídos brancos ajudam as pessoas a dormir?
26:57 Manja do Assunto: “Descobri o ASMR quando eu ainda era uma criança”, diz Sweet Carol
31:34 Ajuda Aqui! Thiago Madrigrano explica funcionalidade biológica e proteína
34:07 Prêmio IgNobel: Por que sentimos agonia do som de unhas riscando um quadro negro?
ASMR…quê?
Apresentadores: Jéssica Nakamura e Rodrigo Sampaio
(Som de “bip”)
(A apresentadora Jéssica Nakamura rasga folhas de papel e, em seguida, tira a plaquinha de bruxismo, fazendo referência à cantora Billie Eilish tirando o Invisalign no clipe de Bad Guy)
Jéssica Nakamura (sussurrando): Pronto, galera, já tirei a plaquinha de bruxismo… Agora a gente pode começar a gravar… (A apresentadora faz barulho de borboletas com os dedos)
Rodrigo Sampaio (sussurrando): Jéssica, por que você tá falando assim?
J (sussurrando): Para ajudar os nossos ouvintes… a entrar no clima do episódio de hoje, Rodrigo…
R (sussurrando): Entendi. Tá bom, então. Vamos começar.
J (sussurrando): Tuc, tuc, tuc. Não se esqueçam de botar os fones de ouvido…
(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Você está ouvindo o Choque da Uva, a ciência no cotidiano!”)
R: Ouvir é uma função exclusiva do sistema auditivo. Apesar disso, nosso corpo inteiro tem a capacidade de absorver os impactos sonoros. E o legal é que ele faz isso de diferentes formas.
J: Não é à toa que o som está diretamente ligado à nossa saúde, podendo tanto nos trazer bem-estar quanto nos incomodar profundamente.
R: Pois é. Além disso, a conexão entre os sistemas auditivo e cerebral possibilita reconstruir e selecionar mensagens sonoras. Graças à memória e à atenção é que nós conseguimos reconhecer vozes, compreender falas e diferenciar simples ruídos dessa música da Billie Eilish que tá tocando no fundo, por exemplo.
(ÁUDIO DA MÚSICA “BAD GUY” , DA BILLIE EILISH)
J: Olha, Rodrigo, há controvérsias. Ainda que duas pessoas estejam ouvindo exatamente o mesmo som, ele pode ter um efeito psicológico diferente em cada corpo. E é por isso que a música que bota a gente no clima do rolê consegue, ao mesmo tempo, irritar os nossos vizinhos.
R: É, e não são só as músicas, né? Um som como o de uma unha raspando um quadro-negro pode nos deixar arrepiados…
(SOM DE UNHA ARRANHANDO QUADRO NEGRO)
R sussurrando: Alguém sussurrando em nosso ouvido pode nos relaxar
R: E o som de uma goteira pode deixar a gente acordado a noite toda.
(SOM DE GOTEIRA)
J: Mas pouca gente para pra pensar como e porque os sons causam essas sensações todas. E é por isso que no episódio de hoje a gente vai explorar as formas como o nosso corpo reage aos sons.
R: Eu sou Rodrigo Sampaio.
J: Eu sou Jéssica Nakamura. E esse é o Choque da Uva, o podcast que fala sobre ciência de uma maneira diferente. Siga a gente nas nossas redes sociais: @choquedauvapod, com D mudo.
R: Lembrando que a gente está no Facebook, Twitter, Instagram e Youtube.
(ÁUDIO DA MÚSICA “LET’S GET IT ON”, DO MARVIN GAYE)
J: Bom, Rodrigo, vamos começar falando sobre estímulos…
R (em tom sugestivo): Hummmmm… estímulos?
J: Não esse tipo de estímulo, Rodrigo! Eu tô falando de estímulos sensoriais.
R (em tom sugestivo): Hummmmm… estímulos sensoriais?
J: Foco, Rodrigo, foco!
J: Vamos ver se você prestou atenção nas aulas de Biologia, Rodrigo. Diz aí pros nossos ouvintes quais são os órgãos do sistema sensorial.
R: Pô, mais aí você tá me subestimando, né, Jéssica. Essa é muito fácil. São pele, língua, nariz, ouvidos e olhos.
J: Gente, acertou. Tô impressionada! Bom, o que esses órgãos que você citou fazem é captar os estímulos físicos e ou químicos e transformá-los em impulsos elétricos, que são então transmitidos ao sistema nervoso central.
R: Mas os ouvidos não são só responsáveis pela audição, não! Eles também são imprescindíveis para o nosso equilíbrio e para a percepção da posição do nosso corpo. Na região chamada orelha interna existe um conjunto de estruturas, o labirinto. Aliás, esse labirinto tem a ver com aquele mito do minotauro, Jéssica?
J: Tá cheio das referências escolares hoje, hein, Rodrigo?
R: Pois é, estou me esforçando, né?
J: Tô vendo! Bom, o labirinto do ouvido provavelmente ganhou esse nome por causa do formato de ‘caracol’, que é mais ou menos parecido com a forma do labirinto do mito grego.
R: Entendi!
J: Enfim, o labirinto do ouvido é formado por um tecido ósseo e um tecido membranoso e é preenchido por um líquido viscoso chamado endolinfa. Quando a gente mexe a cabeça, as células nervosas da parte posterior do labirinto são estimuladas e enviam impulsos que informam ao cérebro a posição do nosso corpo.
R: É assim que se mantém o equilíbrio e é exatamente por isso que as doenças que acometem o sistema auditivo afetam esse nosso equilíbrio. O maior exemplo deles é a famosa labirintite.
J: Já o ouvido externo, composto pela orelha e pelo canal auditivo externo, é responsável por captar as ondas sonoras que vibram em uma frequência e são normalmente perceptíveis pelo ouvido humano. O som, por sua vez, é a sensação que sentimos através da audição, resultado da ação desse tipo de onda.
R: O professor de Física Vagner Pimentel, da Escola Bilíngue Pueri Domus, explicou para a gente o que é uma onda sonora. Fala aí, professor, qual é a dessa onda?
Vagner Pimentel: Uma onda é uma perturbação de energia que se propaga pelo espaço. Essa propagação vai se dar uma vez que uma fonte entra em vibração ou oscila de alguma maneira. Essa oscilação, essa vibração dessa fonte vai produzir transporte de energia ao longo do espaço e do tempo. É importante que se diga que uma onda não é capaz de transportar matéria, ela transporta energia. A gente pode pensar como um bom exemplo a OLA no estádio de futebol. Quem olha de fora vê a OLA se movimentando horizontalmente, mas as pessoas que compõem a OLA se movem verticalmente mas não saem do seu lugar, e a OLA se move horizontalmente. A OLA seria a energia em movimento.
R: Muito boa essa comparação da OLA das torcidas de time de futebol. Para quem não sabe o que é um espectro sonoro essa comparação da OLA ajuda bastante. E para quem não viu, a gente explica: é aquele desenho de ondas grandes e pequenas, curtas e longas, que compõem os sons que podem ser ouvidos ou não pelo ser humano.
J: Existem ondas mecânicas e ondas eletromagnéticas. As ondas mecânicas são aquelas que precisam de um meio físico para se propagar. Já as ondas eletromagnéticas não precisam disso, já que oscilam nos campos elétricos e magnéticos, que se propagam inclusive no vácuo.
R: Mas isso já é assunto para um outro episódio do Choque da Uva. O que a gente precisa saber aqui é que o som é uma onda mecânica (fala com ênfase no adjetivo), ou seja, precisa de um meio para se propagar.
J: Exatamente, Rodrigo! E quem conversou com a gente sobre isso foi a professora da Unicamp Stelamaris Bertoli, que é presidente da Sociedade Brasileira de Acústica.
Stelamaris Bertoli: O som, como é uma vibração, ele se propaga nos meios que tem matéria. Então, se propaga no ar, na água, em sólidos. A gente até brinca com os alunos que o som não se propaga no vácuo. Então, o filme Guerra nas Estrelas não teria aquele efeito sonoro que a gente vê. A gente poderia traduzir a questão da frequência como sons graves ou agudos. A frequência é o número de repetições do fenômeno oscilatório no tempo. E a gente caracteriza isso como hertz. No caso da onda sonora, existe uma relação entre frequência e comprimento de onda. Se a gente imagina uma senoide que pode ser replicada, esse tamanho é chamado de comprimento de onda.
J: Os sons agudos são aqueles que têm comprimento de onda curto e os sons graves, os que têm comprimento de onda longo. É por isso que, quando um daqueles carros “tunados” se aproxima da gente com a música no último volume, é mais comum que a gente ouça o batidão, que é o som mais grave, do que a voz do cantor, que geralmente tem sons mais agudos.
R: Mas como a gente percebe os sons? Como funciona a escuta? Quais áreas do corpo estão envolvidas nesse processo? Quem respondeu essas perguntas pra gente foi o otorrino Miguel Hyppolito, professor da USP e coordenador do programa de saúde auditiva do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Fala aí, doutor.
Miguel Hyppolito: O sistema auditivo é fundamental para a primeira etapa na percepção dos sons pelo ser humano. A gente, primeiro, precisa captar o som, depois a gente precisa discriminar o som. Saber o que significa cada som. E depois que a gente vai compreender o som, haverá uma integração com as áreas do cérebro responsáveis pela fala. Então, nessa etapa toda, áreas tanto da parte do ouvido, que é a parte que capta o som, como da parte cerebral, conectada através dos nervos, que é o nervo coclear, são importantes para esse tipo de percepção. E ao longo de toda essa via, essa trajetória do som, até que se chegue numa área chamada de lobo temporal, que é a área responsável pela compreensão desse som. E essa área está bastante relacionada com todas as experiências com sons que o ser humano teve desde o momento em que o ouvido foi formado lá no feto, por volta da 20ª semana de gestação, lá na na barriga da mãe. A partir desse momento, o ser humano já tem a capacidade de captar estímulos sonoros e de ter essa memória auditiva.
R: O som, como qualquer onda, possui propriedades que precisam ser observadas. Minha vez de fazer um desafio, Jéssica: você sabe quais são as qualidades fisiológicas do som?
J: Pô, Rodrigo, você me pegou agora! Como eu já cantei em coral, eu sei que uma das características do som é o timbre. Acertei?
R(imitando Silvio Santos): Certa resposta!
J: Yesssss!
R: Timbre é uma das características do som. Mas tem também a intensidade e a altura. São essas grandezas que dão para a nossa interpretação auditiva algumas classificações subjetivas, como dizer, por exemplo, se um som é bom ou ruim.
J: A gente tem costume de classificar alguns sons como ruído e outros, como música. Só que não existe nenhuma diferença entre os dois, pelo menos do ponto de vista físico. Em teoria, o ruído consiste em uma série de vibrações irregulares com frequências e amplitudes muito variadas. A música, por sua vez, seria a arte aplicada ao som. Em outras palavras, a música tem estética, tem forma, tem melodia, tem harmonia…
R: Quem explicou para gente essa diferença entre som e ruído foi a professora Stelamaris.
Stelamaris Bertoli: A gente brinca que, sim, todo ruído é som, mas nem todo som é ruído. E vem um pouco disso. É muito difícil caracterizar o que é um ruído. Por quê? Na verdade, o ruído seria uma percepção indesejada daquele som que a gente tá ouvindo. Isso passa por uma questão, às vezes, muito subjetiva. A gente não é muito acostumado com músicas orientais, que têm uma cadência diferente da música ocidental. E mesmo os sons de alguns equipamentos. Por exemplo, quem é apaixonado por Harley-Davidson adora o ronco da Harley-Davidson, pelo volume desse som. Existem alguns estudos de qualidade sonora que mostram que o morder de uma bolacha que faz o “CRECK” assim ou assado remete a uma ideia que essa bolacha é melhor que uma outra. O ouvido humano associa muito a questão dos sons que ele percebe a experiências pessoais. Uma coisa que é muito típica é o motorzinho de dentista. O pessoal odeia aquele barulho. Ele não é alto, mas tem um conjunto de frequências que remete a uma sensação de dor ou sala de espera, alguma coisa desse tipo. Então, a questão do ruído ser subjetivo não está associado só ao conjunto de frequências que ele emite nem à altura, mas também à experiência pessoal de cada um.
J: E por falar em experiências pessoais e subjetividades, tem uma nova “moda sonora” bem inusitada que é, digamos assim, definidora de personalidade. Ou você ama ou odeia, é impossível ficar em cima do muro.
R: Ih, já chegou esse momento do episódio? Vamos lá, pode começar a contar essa história, Jéssica. Já estou sentado e preparado.
J: Uhul, vamos lá! O ano era 2007, um ano repleto de acontecimentos históricos. Mas o principal deles foi o lançamento de um vídeo chamado Virtual Barbershop, Barbearia Virtual. Ouvido com fones e, de preferência, de olhos bem fechados, o áudio tinha o poder de “transportar” o ouvinte para um salão de beleza em que um profissional batia um papo, lavava o seu cabelo e finalizava com um corte.
(ÁUDIO DE TRECHO DO VÍDEO “VIRTUAL BARBERSHOP”)
R: Gravado de forma binaural, ou seja, com dois microfones representando cada uma das orelhas de um ser humano, o áudio fez com que algumas pessoas sentissem uma espécie de formigamento ou de cócegas no cérebro ao ouvir as tesouras se movimentando perto dos ouvidos.
(ÁUDIO DE TRECHO DO VÍDEO “VIRTUAL BARBERSHOP”)
J: Até então, essa sensação era explicada como uma espécie de orgasmo cerebral. Mas, por ser de cunho sexual, o termo passou a ser rejeitado pelos adeptos dessas sensações.
R: Foi só em 2010 que a americana Jennifer Allen, uma profissional de cibersegurança, cunhou o termo ASMR, sigla para Autonomous Sensory Meridian Response. Seu objetivo era criar um grupo no Facebook para reunir os apaixonados por essa sensação.
J: Traduzido para o português como resposta meridional sensorial autônoma, o ASMR é a resposta que o cérebro de algumas pessoas dá a estímulos sensoriais e visuais, que podem variar de vídeos gravados especificamente para provocar essas sensações a atividades minuciosas, como aquelas aulas de pintura dadas pelo Bob Ross na televisão americana nos anos 1980.
R: O negócio fez tanto sucesso que hoje em dia já existem vários canais no YouTube dedicados a relaxar os espectadores com ruídos curiosos. Para conseguir essa proeza, os produtores de conteúdo sussurram…
(ÁUDIO DA YOUTUBER SWEET CAROL SUSSURRANDO “OI, TUDO BEM?”
J: …fazem TUC TUC….
(ÁUDIO DA YOUTUBER SWEET CAROL FAZENDO SONS COM A BOCA)
R: …comem de boca aberta…
(ÁUDIO DE MULHER COMENDO PICLES DE BOCA ABERTA)
J: …e até depilam kiwis…
(ÁUDIO DA YOUTUBER SWEET CAROL DEPILANDO UM KIWI)
R: Embora já houvesse brasileiros fazendo vídeos do gênero, esse tipo de conteúdo só foi fazer sucesso de verdade por aqui mais ou menos por 2017, dez anos depois do sucesso da barbearia virtual.
J: Esquisito ou não, uma coisa é fato: no Brasil, as visualizações de ASMR no YouTube cresceram 430% nos últimos dois anos. O canal brasileiro da Sweet Carol, maior influenciadora digital de ASMR no País, já alcançou 1 milhão e 480 mil inscritos. Até a gravação desse episódio, os seus vídeos contabilizavam juntos 296 milhões de visualizações.
R: Além da Sweet Carol, que ainda vai voltar nesse mesmo episódio para falar um pouquinho com a gente, também têm destaque o canal Gaúcha ASMR, com 610 mil inscritos….
J: …o ASMR Adlipe, um dos poucos homens a produzir vídeos do gênero, com 363 mil inscritos…
R: …e a Sabrina ASMR.
(ÁUDIO DA YOUTUBER SABRINA ASMR SUSSURRANDO “OI, QUE BOM TE VER POR AQUI! O QUE VOCÊ VAI ARRUMAR HOJE?”)
J: Com mais de 400 mil inscritos em seu canal, a Sabrina Pimentel conheceu o ASMR também por meio de uma youtuber. No início ela estranhou, mas depois já se considerou, segundo as suas próprias palavras, “iniciada”. Ela contou pra gente como é seu processo criativo e como descobre que tipo de som é mais agradável para abordar em seus vídeos de ASMR.
Sabrina: O processo criativo dos meus vídeos é realmente eu pesquisando o que os meus fãs querem, o que eles mais gostam, o que os gringos andam fazendo, e aí eu vou escrevendo. Eu tenho uma ideia, aí eu penso em outra. Às vezes, eu junto uma ideia com a outra e vira um vídeo só. Não costumo fazer roteiro, mas eu tenho um caderno em que eu anoto todas as minhas ideias e também escrevo alguns tópicos importantes para não esquecer de falar no vídeo e os objetos mais importantes que eu tenho que utilizar. Porque, nos vídeos de ASMR, a gente usa alguns objetos para passar na câmera, para passar no microfone, e se eu não anotar, eu acabo esquecendo. Então, esse caderno é essencial para mim.
Sabrina: Eu vou descobrindo os sons mais agradáveis pelo feedback mesmo dos meus fãs, dos meus seguidores. Porque eles falam: “Ai, no minuto tal você fez um som muito bom”. Às vezes, eu nem percebo que eu fiz aquele som, e eles falam que gostaram e tal. E eu anoto aquilo e, no próximo vídeo, eu dedico só para esse tipo de som, capricho mais nesse som, e assim vai.
R: Quando o termo ASMR começou a pipocar por aí, neurocientistas, psicólogos e outros especialistas viam o fenômeno como coisa de maluco, com ares de pseudociência.
J: Só que, nos últimos anos, houve um boom de pessoas que relataram diversos benefícios ao assistirem a vídeos de ASMR, como diminuição dos níveis de estresse e alívio temporário da depressão e de dores crônicas.
R: Lá de Balneário Gaivota, Santa Catarina, a Larissa Steffens, de 18 anos, conta que sofria com uma insônia fora do comum, mas melhorou quando começou a consumir os vídeos de ASMR.
Larissa: Eu passava noites acordada mexendo no celular, não tinha sono mesmo. Eu comecei a olhar ASMR e foi uma coisa que foi relaxando a minha mente, foi me desestressando, eu fui esquecendo de tudo e me concentrava só naquele naquele vídeo, eu consigo dormir bem fácil. Hoje em dia, eu coloco o vídeo de ASMR de 20 minutos e, antes de terminar o vídeo, eu já dormi, porque eu nunca consigo terminar de olhar um vídeo. É muito fácil para mim hoje em dia, me ajudou demais.
R: Por mais que ajude muita gente, os vídeos produzidos para provocar ASMR não são unanimidade, chegando ao ponto de causar agonia em algumas pessoas.
J: Embora ainda não haja grandes pesquisas que cravem exatamente quanto da população responde aos estímulos dessa forma, já existem estudos que mostram que algumas pessoas são mais suscetíveis do que outras.
R: Em um levantamento realizado com 475 voluntários, o departamento de psicologia da Universidade de Swansea, no Reino Unido, mostrou que 80% tiveram o humor afetado por ASMR, 6% disseram não sentir alteração alguma e 14% não foram capazes de opinar, como diria a nossa querida Glória Pires.
J: Já um outro experimento realizado em conjunto por duas universidades de Winnipeg, no Canadá, utilizou ressonância magnética para entender como funciona o cérebro das pessoas que têm ASMR.
R: Aliás, para quem não sabe, ressonância magnética é aquele exame em que você entra numa máquina extremamente barulhenta que mostra mais ou menos como é que o cérebro está funcionando em determinadas situações.
J: Inclusive, esse barulho todo é um dos motivos porque é tão difícil realizar pesquisas sobre ASMR: como é que você vai avaliar o nível de relaxamento de uma pessoa que tá enfiada numa máquina ensurdecedora? Mas, enfim, os pesquisadores canadenses compararam a rede de modo padrão…
R: Calma, calma. Rede de modo padrão? Acho que a gente vai ter que explicar isso direito para quem tá ouvindo.
J: Então, a rede de modo padrão é a rede cerebral de larga escala de regiões do cérebro em interação, conhecidas por terem atividade altamente correlacionada entre si e distinta de outras redes no cérebro.
R: Para ficar mais claro, é tipo quando o cérebro está de repouso mas em vigília, como quando você “sonha acordado” ou durante uma divagação mental naquela aula que você não curte muito.
J: Inicialmente, presumiu-se que a rede de modo padrão estaria mais comumente ativa quando uma pessoa não está focada no mundo exterior. Mas agora se sabe que ela pode contribuir para elementos da experiência relacionados ao desempenho de tarefas externas.
R: Nesse estudo, eles compararam a rede de modo padrão de 11 pessoas que têm ASMR com a rede de modo padrão de 11 pessoas do grupo controle e verificaram como que era o funcionamento do cérebro delas. Os resultados indicaram que a rede de modo padrão de indivíduos com ASMR mostrou conectividade muito menos funcional do que a do outro grupo.
J: Ficou complicado? A gente explica! O que acontece é que as áreas do cérebro das pessoas que têm ASMR são um pouco mais desconectadas do que o normal – mas nada que cause problemas clínicos, que fique bem claro. Assim, quando uma dessas áreas é estimulada, a sensação é de que ela foi ativada de forma independente das outras.
R: Por outro lado, essas pessoas possuem maior conectividade nas áreas occipitais, que ficam na parte de trás do cérebro, e temporais, que ficam dos lados. Isso faz com que a rede de modo padrão delas seja mais sensível a estímulos motores e visuais.
J: Mas isso não significa que o cérebro da pessoa que não sente ASMR não seja estimulado. A diferença é que, por causa da conectividade normal, esses estímulos não chegam a produzir efeito físico no corpo dessa pessoa.
R: Na prática, o que acontece quando uma pessoa que é sensível a ASMR vê um vídeo do gênero é que o cérebro delas produz mais excitação visual e motora do que o normal. Por causa da falta de conectividade, esses estímulos são produzidos em uma área, mas não são inibidos em outra, o que causa uma espécie de sobrecarga no cérebro. O resultado são os famigerados formigamentos no topo da cabeça.
J: É importante destacar também que não são só esses vídeos específicos que causam esse tipo de sensação, ainda que esses gatilhos facilitem o processo. O estímulo pode ser desde um som específico até o simples ato de ver alguém desempenhando uma tarefa, como um desenho ou até um corte de cabelo, com muita concentração e precisão.
R: Esse negócio de um som agradar ou desagradar tem muito a ver com as experiências que foram vividas pelas pessoas. Tem gente que fica irritada, furiosa ou mesmo em pânico quando ouve sons como gotas de água, mastigação, chiclete ou ruídos repetitivos, como batidas de lápis. O nome disso é misofonia.
J: Misofonia? Eu acho que esse termo tá pedindo um Momento Faraday.
(VINHETA DO QUADRO “MOMENTO FARADAY”)
J: Quem explica pra gente o que é misofonia é o professor Miguel Hyppolito, que já apareceu por aqui.
Miguel Hyppolito: A misofonia é um nome popular usado para Síndrome da Sensibilidade Seletiva do Som, que alguns indivíduos têm. Então, as pessoas que sofrem esse tipo de intolerância são intolerantes a qualquer tipo de barulho. Pequenos barulhos causam irritabilidade. Muitas vezes, por exemplo, a própria mastigação da pessoa acaba desencadeando uma sensação até de raiva, de pânico nesses indivíduos que sofrem da misofonia. Para algumas pessoas, acaba sendo até uma situação caótica, porque ela vai se alimentar e acaba tendo esse tipo de dificuldade. Isso tem a ver com a relação do sistema auditivo central com algumas áreas centrais que estão relacionadas com o nosso sistema límbico, que cuida das nossas emoções. E essa marcação com situações que aconteceram até de forma inconsciente, muitas vezes, lá na infância, situações que marcaram essa área do sistema límbico e associaram aquele tipo de ruído, aquele tipo de som a uma agressividade, isso exacerba a atenção para aquele som.
R: Obrigado pela explicação, doutor. Mas então, Jéssica. Voltando às qualidades do som…
J: Timbre, intensidade e altura. Já decorei!
R: É isso aí. A altura, ao contrário do que se pode pensar, não é aquilo de um som ser alto ou baixo. A altura determina se um som é agudo ou grave. Lembra das “olas”? Um som agudo é um som que tem uma frequência de oscilação muito alta; um som grave é um som que tem uma frequência de oscilação baixa.
J: Para os ouvidos humanos, os limites de frequência do som variam de 20 hertz a 20.000 hertz. A intensidade vai determinar se um som é forte ou fraco. A gente descreve esses sons fortes e fracos por meio do volume, que nós diferenciamos através dos decibéis.
R: Um som de zero decibel é silêncio absoluto; um som de 60 decibéis, por exemplo, é uma conversa entre duas pessoas a um metro de distância; já um som de 85 decibéis é uma intensidade sonora que produz danos ao nosso sistema auditivo.
J: 120 decibéis é o que nós chamamos de limite de dor. A partir desse valor, que seria tipo ouvir o aterrissar de um avião estando muito próximo dele, os sons já podem causar a perda da nossa capacidade auditiva.
R: Por fim, a gente tem a terceira qualidade fisiológica, que é o timbre. O timbre é uma consequência da superposição de vários harmônicos dentro de um som que está sendo ouvido.
J: É pelo timbre que a gente consegue perceber a diferença entre dois sons que tenham a mesma frequência, ou seja, que estejam no mesmo tom e que tenham a mesma intensidade.
R: E chegou a hora de um dos quadros mais queridos do nosso podcast: Minha Vó Tá Certa?
(TRILHA DO QUADRO “MINHA VÓ TÁ CERTA?”)
J: Olha, Rodrigo, eu não sei a sua vó, mas a minha não conseguia dormir no silêncio total. Se ela não deixasse pelo menos uma tevezinha ligada, não pegava no sono de jeito nenhum.
R: A minha gostava de deixar o ventilador ligado, mas não sei se era por causa do calor ou do barulho mesmo. Pelo que eu vi, esses barulhos são chamados de ruídos brancos. Mas será que nossas avós tão certas, Jéssica?
J: Quem pode nos dar essa resposta é o Miguel Angelo Hyppolito, o nosso especialista. É verdade que esses chamados ruídos brancos ajudam as pessoas a dormir? Como exatamente isso funciona?
Miguel Hyppolito: Tudo isso depende da experiência prévia que o organismo foi tendo, principalmente se essa experiência prévia aconteceu muito precocemente. Então, quanto mais cedo você estimula, por exemplo, uma criança a dormir com som, com televisão, com barulho, isso vai ser mais fácil de ser fixado no sistema nervoso central dessa criança e, lá na fase adulta, de forma inconsciente, ela sente essa necessidade de se sentir mais segura, mais protegida ou mais confortável quando tem um ruído no ambiente para conseguir dormir. Em contrapartida, existem aquelas pessoas que desencadearam percepção de ruídos, que são os zumbidos, e que utilizam um som na frequência específica do zumbido para mascará-lo. Pode ser até mesmo o barulho do ventilador ou o rádio e a televisão fora de sintonia, isso tudo pode auxiliar a pessoa a pegar no sono.
R: Para continuar esse nosso papo sobre sons, nós convidamos a Carolina Rossi, ou Sweet Carol, dona do maior canal de ASMR do Brasil. Quem falou com ela foi a repórter do Choque Larissa Gaspar. Vamos ouvir!
(VINHETA DO QUADRO “MANJA DO ASSUNTO”)
Larissa Gaspar: Oi, Rodrigo e Jéssica. A Sweet Carol tirou um tempinho para conversar com a gente sobre o universo do ASMR. A gente vai fazer essa entrevista sussurrando… (sussurrando) Oi, Carol. Como o ASMR entrou na sua vida?
Sweet Carol (sussurrando): Eu descobri o ASMR quando eu ainda era uma criança. Foi na loja de brinquedos na qual eu estava observando a mulher embrulhando meu presente, fazendo sons de dobras, a colinha do durex, todo aquele movimento sutil com as mãos. Embalando, embrulhando, me fazia sentir uma certa cosquinha na cabeça, um arrepio no couro cabeludo e, consequentemente, sentia muito sono. Era como uma hipnose não intencional. E então, desde então, com outras situações na vida eu sentia essa mesma sensação.
Larissa Gaspar: Ihh, eu vou ter que parar por aqui. Minha voz não aguenta. Pra quem acha que é fácil… Me conta, Carol: você costuma receber muito feedback dos fãs?
Sweet Carol: Eu recebo muito, praticamente todos os dias tem, principalmente nos comentários dos vídeos. Já recebi e-mail, directs… O que mais me toca é quando as pessoas falam que curaram a sua ansiedade ou uma crise de pânico, em que a pessoa entrou no meu vídeo e saiu melhor do que entrou. Ela está mais descansada, mais relaxada. Eu nunca indico para substituir medicamentos, mas algumas pessoas já me disseram que deixaram de tomar, por exemplo, o Rivotril, que é tarja preta. Já recebi depoimentos de mães de filhos autistas que estavam em crise. Elas colocaram na TV da sala, e a criança se acalmou na hora repetindo os meus movimentos e achando aquilo bem hipnotizante, entre aspas. E hoje recebi também um bebezinho recém-nascido que a mãe colocou e falou assim: “Carol, minha salvação! Coloquei seus vídeos, deixei rodando os vídeos no quarto, ela dormiu”. Era um bebezinho. Então, eu recebo muitos feedbacks desse tipo de pessoas.
Larissa Gaspar: Carol, conta para os ouvintes do Choque da Uva: qual o seu vídeo de maior sucesso?
Sweet Carol: Ixi, gente. Tenho que conferir aqui… É o “ASMR: você vai dormir em 20 minutos com esse vídeo”, ele tem 6 milhões e 700 mil views. Em segundo lugar, está o “Tuc, tuc, sk, sk, shhhh, suco suco, câmera brushing, hand movements”, com 4,5 milhões. O que o pessoal mais pede para mim é esse de sons com a boca e também de atenção pessoal. Ou então, se for falar de role play, as pessoas pedem muito role play médico. Ele dá uma atenção maior pessoal no foco da câmera, com esteto, manda respirar, “respire fundo, solte” e pergunta o que a pessoa tem. Então, toda atenção está focada na pessoa. E sons de conta-gotas! Por incrível que pareça, foi um achado. O pessoal andou pedindo muito, e eu tive que fazer um vídeo só disso.
Larissa Gaspar: Como é o processo criativo dos seus vídeos? Você faz algum tipo de roteiro?
Sweet Carol: Então, eu não faço o roteiro. Eu tenho ideia, por exemplo, role play de enfermeira na guerra. Eu ainda estava na casa da minha avó, e fui pela casa explorando coisas e falando: “Olha, isso aqui eu posso usar para tal coisa. Isso aqui eu posso usar para medicamento, coisa antiga, preciso focar em coisas mais antigas, porque enfermeira na guerra é antigo.” Aí preciso colocar um negocinho no cabelo… “Acho que isso serve.” E aí eu monto umas coisinhas em cima da mesa e, no vídeo, eu vou improvisando. Não tenho roteiro nenhum: eu olho para mesinha e já vou falando sobre a primeira coisa que eu pego na mão, vou fazendo uma historinha.
Larissa Gaspar: Valeu, Carol!
R: Valeu, Larissa! E muito obrigado à Carol por falar com a gente.
J: E se você está naquela época maravilhosa e relaxante de pré-vestibular, presta atenção que esse quadro é pra você.
(VINHETA DO QUADRO “AJUDA AQUI”)
R: A gente conversou com o professor Thiago Madrigrano, do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e da Escola Bilíngue Pueri Domus. Ele vai explicar para a gente como questões relacionadas ao som podem aparecer nas provas e concursos. Se liga aí!
Prof. Thiago Madrigrano: E aí, pessoal! Tudo bom? Quem tá falando aqui é o Thiago, professor de Biologia, e hoje a gente vai conversar um pouquinho sobre ASMR. Se o ASMR diz respeito a uma informação auditiva sendo interpretada e convertida num prazer físico para algumas pessoas, então isso está passando por um sistema sensorial, pela interpretação cerebral. Quando a gente pensa em sistema sensorial, nós temos vários componentes desse sistema. Os principais são a pele, o principal órgão relacionado ao tato; a língua, associada à gustação; o nariz, associado à olfação; os olhos, associados à visão; e o ouvido, associado à audição. Todos esses órgãos mandam as suas informações, através de nervos, para o cérebro. Então, um gancho legal é entender quais são as estruturas cerebrais associadas à interpretação de cada um desses estímulos, porque são áreas diferentes. Além disso, esses órgãos sensoriais têm uma missão muito importante: a transdução de sinal, em que você tem uma informação com uma característica sendo convertida em outra com característica diferente. Cada uma dessas regiões do nosso sistema sensorial funciona de forma diferente, ou seja, faz transduções diferentes. A retina transforma eletromagnética em impulso nervoso; a cóclea, onda sonora em impulso nervoso; a pele, estímulo mecânico em impulso nervoso. E tudo isso acontece de forma diferente, específica em cada região, porque cada região do meu corpo tem proteínas diferentes. Esse gancho é legal porque essa relação entre funcionalidade biológica e proteína é um dos fundamentos da Biologia Moderna e está presente em praticamente todos os vestibulares.
(ÁUDIO DE TRECHO DA MÚSICA “COMO UMA ONDA DO MAR”, DO LULU SANTOS: “A vinda vem em ondas, como um mar, num indo e vindo infinito.”)
J: Valeu, professor!
R: Partimos agora para mais um Prêmio IgNobel, o quadro que destaca as descobertas mais inusitadas da história da ciência.
(VINHETA DO QUADRO “PRÊMIO IGNOBEL”)
(ÁUDIO DE TRECHO DA MÚSICA “DEU ONDA”, DO MC G15: “Eu preciso te ter, meu fechamento é você, mozão […] o seu sorriso me dá onda.”)
R: Quem nos acompanha desde o primeiro episódio já sabe que o IgNobel é aquele prêmio entregue às pesquisas mais excêntricas do ano em várias categorias.
J: A escolhida do dia é uma pesquisa que buscou entender um fenômeno que está para o ASMR assim como Ruth está para Raquel…
R: Quê?
J: …ou Paulina está para Paola…
R: Como assim, Jéssica? Não tô entendendo.
J: A gêmea do mal, Rodrigo! O fenômeno é a gêmea do mal do ASMR! Que nem na novela Mulheres de Areia e em A Usurpadora!
R: Ah tá, a do Toninho da Lua. Agora saquei.
J: Enfim, tá ligado aquele som horroroso de unhas riscando um quadro negro?
R: Argh, sim!
J: Então, os vencedores do IgNobel de 2006 na categoria Acústica se dedicaram a pesquisar justamente por que as pessoas sentem tanta agonia ao ouvir esse som específico. Foram três pesquisadores dedicados à pesquisa em sete universidades americanas, entre elas a Harvard.
R: Tá, mas como eles testaram isso?
J: Para começar, eles sintetizaram várias versões do som da unha no quadro negro, com diferenças de amplitude e de proporção de ondas de frequência baixa e alta. Depois, colocaram voluntários adultos para ouvir e classificar as faixas de áudio da mais agradável à mais desagradável. Um dos objetivos era determinar o que é que torna esse barulho tão irritante: os sons mais graves ou os mais agudos.
R: Bom, considerando a voz daquelas sopranos que quebram taça, imagino que sejam os mais agudos, né?
J: Foi o que os pesquisadores acharam também! Mas, para a surpresa de todos, as faixas de áudio consideradas mais agradáveis foram justamente as que tinham menos sons graves, ou seja, de baixa frequência.
R: Caraca! Deve ser por isso que as youtubers de ASMR que mais fazem sucesso são mulheres! Porque elas têm a voz mais aguda!
(ÁUDIO DA TRILHA DE ENCERRAMENTO DO PROGRAMA)
R: E esse foi o Choque da Uva, o podcast do Estadão que explica tudo que você tá afim de saber.
J: Esse programa é feito pela 30ª turma do Curso Estado de Jornalismo: os Focas do Estadão. Se você tem alguma sensibilidade inusitada a sons, como ASMR, não deixe de compartilhar com a gente nas redes sociais.
R: É só procurar lá: @choquedauvapod no Twitter, no Instagram, no Youtube e no Facebook.
J: Eu sou Jéssica Nakamura.
R: E eu sou Rodrigo Sampaio.
J: O roteiro desse episódio ficou comigo e com a Larissa Gaspar.
R: A edição é do Ítalo Lo Re.
J: E a produção contou com Isaac de Oliveira, Larissa Gaspar, Marina Aragão, Samuel Lima e Victor Pinheiro.
R: A gente espera vocês no próximo episódio. Até lá!
J: Tchau, tchau!