Direto ao ponto
06:21 Professor de Física Cláudio Furukawa explica o choque de Lasier Martins
14:52 Momento Faraday: O que é Gaiola de Faraday?
18:05 Manja do Assunto: Sérgio Malheiros conta sobre o choque que levou na infância
25:20 Minha Vó Tá Certa? Preciso tirar os aparelhos da tomada quando está chovendo?
28:52 Ajuda Aqui! Como eletricidade é cobrada nos vestibulares
31:41 Prêmio IgNobel: Uso de choques elétricos como forma de tratamento para picadas de cobra
Uva dá Choque?
Apresentadores: Guilherme Bianchini e Mariana Hallal
(Som de “bip”)
Guilherme Bianchini: Eu estava lembrando de uma passagem no 9º ano do Ensino Fundamental, no alto dos meus 14 anos de idade. Eu tinha um amigo que ficava fazendo um grito, um negócio de “AI AI”. E eu não sabia do que ele estava falando.
Mariana Hallal: Você não conhecia? Catorze anos e não conhecia o meme?
G: Para você que era da região é fácil dizer isso.
M: Claro, eu via esse meme desde os 8 anos de idade. Internet discada.
G: Internet discada.
M: Claro.
G: Então, tem até um teste disso na internet.
M: Tem teste?
G: Tem teste disso. Vou te mandar o link depois.
M: Por favor.
G: Eu estava fazendo esse teste e deu que eu sou a apresentadora que fala do futebol no próximo bloco como se nada estivesse acontecendo.
M: (risos). “E no próximo bloco voltamos com esportes com comentários de Paulo Roberto Falcão.”
(Risadas dos apresentadores)
(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Você está ouvindo Choque da Uva, a ciência no cotidiano!”)
M: O ano era 1996, um ano repleto de acontecimentos históricos.
G: Naquela época, moradores de uma cidade mineira chamada Varginha relatavam o estranho aparecimento de uma entidade extraterrestre. Essa criatura ficou internacionalmente conhecida como… ET de Varginha.
(ÁUDIO DA APRESENTADORA SANDRA ANNENBERG, DA TV GLOBO, NOTICIANDO O CASO DO ET DE VARGINHA)
Sandra: Muita gente acredita que se trata de um extraterrestre. E dizem também que o ser foi capturado pelas autoridades e é mantido escondido em algum lugar.
M: No esporte, a delegação brasileira fazia história nas Olimpíadas de Atlanta, nos Estados Unidos. Nossa equipe voltou para casa com 15 medalhas na bagagem, o maior número conquistado pelo Brasil em uma única edição até aquele momento.
(ÁUDIO DA TRANSMISSÃO DA ESPN BRASIL DO OURO OLÍMPICO BRASILEIRO NO VÔLEI DE PRAIA FEMININO, EM 1996)
João Palomino: Levantamento da Mônica. Os dois toques. Acabou! Jacqueline e Sandra são medalha de ouro! Fim de jogo! A vitória, 2 sets a 0.
G: Também foi um ano importante para a política internacional: Boris Yéltsin era reeleito presidente da Rússia.
(ÁUDIO DO DISCURSO DA POSSE DE BORIS YELTSIN, EM RUSSO)
G: Já nos Estados Unidos, foi a vez do democrata Bill Clinton se reeleger presidente.
(ÁUDIO DO DISCURSO DA POSSE DE BILL CLINTON, EM INGLÊS)
Bill Clinton: I am profoundly grateful what they did last night and very, very grateful to all of you for making it possible. Thank you and God bless you. (Sou profundamente grato pelo que eles fizeram na noite passada e muito, muito grato a todos vocês por tornarem isso possível. Obrigado e Deus abençoe vocês).
M: E nesse mesmo ano cheio de fatos importantes, ia ao ar na RBS TV, afiliada da TV Globo no Rio Grande do Sul, uma cena que, anos depois, se tornaria um dos memes mais famosos da internet.
M: Mas, antes, vamos nos apresentar.
(TRILHA SONORA PADRÃO DO PROGRAMA)
M: Eu sou Mariana Hallal.
G: E eu sou Guilherme Bianchini.
M: E este é o Choque da Uva, o novo podcast que vai falar sobre ciência de uma maneira diferente. Nós também estamos nas redes sociais. É só procurar @choquedauvapod no Twitter, no Instagram, no Facebook e no YouTube.
G: E, no nosso primeiro episódio, a gente vai falar sobre o caso que dá nome ao nosso programa: o Choque da Uva do jornalista e, hoje, senador Lasier Martins.
(ÁUDIO DA MÚSICA “CHUPA QUE É DE UVA”, DO AVIÕES DO FORRÓ)
M: O Lasier estava ao vivo na Festa da Uva, que ocorre lá em Caxias do Sul. Ele estava apresentando alguns tipos diferentes da fruta no Jornal do Almoço. E para quem não é gaúcho, assim como eu, o Jornal do Almoço é o telejornal da faixa do meio-dia que vai ao ar na RBS TV.
G: E, de repente, ele foi surpreendido por um choque ao segurar em um dos cachos de uva que estavam lá na exposição da feira.
(ÁUDIO DA MATÉRIA DA FESTA DA UVA EM 1996, NA RBS TV)
Funcionária da Festa da Uva: Rainha Itália, que é uma das mais conhecidas uvas de mesa. Aqui é a Perlona. Esta aqui é a Tardia de Caxias, que é uma uva, é uma variedade nova. E aqui é a Rubi, que é uma mutação da Uva Itália.
Lasier Martins: Estas, mais de mesa. Aqui do lado, Pederneiras. Aqui, por exemplo, tem… AI, AI.
(Barulho da queda no chão).
(Gritos)
Mulher no fundo: Ajuda aqui!
Cristina Ranzolin: Voltamos em seguida com esporte, o comentário do Paulo Roberto Falcão. Até já.
(ÁUDIO DA MÚSICA “CHUPA QUE É DE UVA”)
Na sua boca eu viro fruta / Chupa que é de uva / Chupa, chupa, chupa que é de uva.
G: Pois é, você provavelmente já viu esse meme em algum lugar. Isso aconteceu em 1996, mas o vídeo foi postado no YouTube só dez anos depois. E já são quase seis milhões de visualizações.
M: Durante muitos anos, o Lasier se recusou a assistir a esse vídeo e também nunca achou muita graça do episódio.
G: O que é compreensível até, já que ele tomou um choque de 220 volts, ficou desacordado por alguns segundos, caiu para trás e fraturou uma costela.
M: Mas mal sabia o Lasier que já era tarde demais: o meme estava pronto e iria fazer um baita sucesso anos depois. O pior é que o meme era lembrado pelos próprios colegas do Jornal do Almoço, como neste programa aqui, de 2010. A notícia era um poste no Centro de Porto Alegre que estava dando choque nas pessoas.
G: AI, AI!
(ÁUDIO DO JORNAL DO ALMOÇO, EM 2010, NA RBS TV)
Cristina Ranzolin: Um poste que estaria dando descargas elétricas vem preocupando comerciantes da Avenida Voluntários da Pátria, na região central de Porto Alegre. Lasier Martins hoje está em Lajeado, e é de lá que faz o seu comentário. Como é que está o tempo por aí, Lasier?
Lasier: Tá bom, Cristina. Agora chega de choque, né? E eu que o diga porque eu sei o que é isso.
Cristina: É verdade. Você já tomou um bem forte.
G: O Lasier só se rendeu mesmo à brincadeira durante a campanha política de 2014, quando percebeu que não tinha mais jeito: com tanta gente imitando o AI, AI, ele resolveu usar o choque a seu favor.
M: É, e não foi à toa que ele mesmo citou o próprio meme em um dos seus vídeos da campanha. O Lasier fez várias metáforas e referências eletrizantes, com o perdão do trocadilho.
G: Referências que, inclusive, dão nome ao nosso programa.
(ÁUDIO DE PROPAGANDA POLÍTICA DE LASIER, EM 2014)
Lasier: Mas, ao encarar aquelas brincadeiras com o bom humor, eu percebo que elas não eram tão agressivas como pareciam. Então, estamos combinados: eu levo com bom humor as provocações sobre aquele velho choque elétrico e vocês levam a sério as minhas propostas no Senado. E aí: choque na educação, choque na saúde, choque no desperdício do dinheiro público. Tá certo?
M: Pelo jeito deu certo: o jornalista foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul com cerca de 2 milhões de votos e deve ficar no cargo até 2022.
G: Só que, depois de tantos memes que fizeram com o vídeo, ninguém se perguntou uma coisa: por que raios o jornalista levou um choque tocando na uva?
M: De novo, com o perdão do trocadilho.
G: E como o nosso podcast quer descobrir o que tem de ciência nesses assuntos e memes curiosos, a gente foi atrás de uma explicação científica.
M: Nós conversamos com o professor Cláudio Furukawa. Ele é do Instituto de Física da USP e vai nos ajudar a entender melhor o que aconteceu naquele dia.
(SOM DE CHAMADA NO SKYPE)
G: Opa, tudo bom, professor?
Cláudio Furukawa: Tudo bem.
G: Professor, fazendo uma breve introdução aqui para os nossos ouvintes, você poderia nos explicar melhor o que é um choque elétrico?
Cláudio: É quando há uma passagem de uma corrente elétrica através do corpo. Isso depende da tensão, da voltagem envolvida e depende também da resistência do corpo. Por exemplo, o nosso corpo tem uma determinada resistência que é alta para uma pilha. Se eu pegar uma pilha de 1,5 volt ou uma bateria de 9 volts, eu posso segurar nos terminais da bateria que eu não levo choque, porque a diferença de potencial, a voltagem, é baixa para a minha resistência. Porém, se eu pegar uma bateria de 9 volts e colocar na língua, vou levar um baita de um tranco porque a resistência elétrica da língua é muito pequena com relação à voltagem de 9 volts da bateria. Agora, 220 volts é uma tensão bem alta. Então, 220 volts, mesmo a minha mão, que tem uma resistência muito grande, pode fazer com que haja passagem de corrente elétrica. Se eu tocar o meu dedo num dos terminais e eu estiver com o pé descalço ou a minha mão tocando em algum lugar, no terra ou no metal de uma mesa, nesse caso a corrente elétrica vai passar do meu dedo através do meu coração, do meu corpo. Então, nesse caso, ele vai levar um choque porque, inclusive, vai passar através do corpo dele inteiro.
M: A gente sabe que alguns elementos são condutores de eletricidade, como a água e o metal. Mas para desmistificar o meme: é possível que uma uva conduza eletricidade?
Cláudio: Certamente, se era uma uva mesmo, sem estar molhada, sem nada, muito provavelmente não conduziria eletricidade. Se ela estiver com a casca seca, por exemplo. No 220, né? Agora deve ter, por exemplo, algum arame, alguma coisa ali condutora no meio da uva, e ele (Lasier) deve ter tocado nesse ponto. Ou a planta estava úmida, porque a umidade possui íons, quer dizer, são condutores de eletricidade, que facilita, que diminui muito a resistência. Então, por exemplo, se eu pegar a minha mão e molhar, a resistência cai muito. Mesmo um choque de 110, a corrente é razoavelmente grande. O chão molhado diminui muito a resistência. Então, neste caso, pode ter corrente da mão dele para o chão, para o terra.
G: E o que faz uma superfície ser mais ou menos condutora de eletricidade?
Cláudio: Existe uma gama grande de materiais que podem conduzir ou não (eletricidade), dependendo da diferença de potencial, dependendo da voltagem. Por exemplo, a minha mão se torna isolante para uma pilha, que tem 1,5 volt. Mas ela pode ser uma boa condutora de 220. E se eu molhar a mão, vai ser mais condutora ainda, porque a água contém íons. Íons são partículas com carga. Então, para que haja condução de eletricidade, você precisa de portadores de carga. No nosso corpo, basicamente os condutores de carga são íons. E esses portadores de carga fazem fluir a eletricidade através do corpo.
G: E, como a gente já presumia, é muito difícil uma uva dar choque em alguém.
M: O que aconteceu, na verdade, foi o seguinte: os cachos da uva da feira estavam numa vitrine. E cada cacho estava preso a um arame de metal eletrificado. Tinha até um vidro na frente das uvas para, justamente, ninguém tocar nelas. Mas como esse vidro ia dar reflexo na câmera, os produtores da feira acharam melhor tirar. O problema é que o Lasier não foi avisado disso. Daí, quando ele foi pegar num cacho para mostrar para câmera…. bom, o resto vocês já sabem, né?
G: Ah, e outra coisa: estava chovendo no dia. E, para piorar a situação, o Lasier estava molhado segurando o microfone. Coisa boa não ia dar, né? É, e o pior é que o Lasier não foi o único que tomou um choque na Festa da Uva. Neste ano mesmo, em 2019, um homem sofreu uma descarga elétrica no próprio estande.
M: Na época, a assessoria da Festa disse que o choque aconteceu por causa de uma instalação irregular que ele fez no próprio estande. Não foram informados o nome ou a idade desse homem, mas ele foi levado a um hospital com um quadro estável.
G: Quando tiver numa feira de uvas, já sabe, né? O melhor é ficar longe delas.
M: Está perigosa a situação.
(TRANSIÇÃO DE TRILHA SONORA)
M: Mas, olha, brincadeiras à parte, é bom tomar cuidado mesmo com eletricidade. Só pra vocês terem uma ideia, segundo o INPE, que é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o Brasil é o País onde mais caem raios no mundo. Eu morro de medo de raio.
G: De 2000 a 2017, foram registradas mais de 2 mil mortes por descargas elétricas.
M: Meu Deus…
G: São quase 300 por ano. E a maioria dessas mortes acontece em ambientes abertos, como praias e campo, por exemplo.
M: Segundo o Inpe, a chance de uma pessoa ser atingida por um raio é muito baixa: é menos de 1 para 1 milhão. Só que quando a pessoa está em um desses ambientes abertos, a situação muda: a chance que um raio caia em cima de você aumenta em até mil vezes, chegando a um para mil.
G: Isso é assunto para a professora Regina de Carvalho, pesquisadora aposentada do Departamento de Física da UFMG.
(TRANSIÇÃO DE TRILHA SONORA)
G: Vamos falar sobre raios. Como que eles são formados?
Regina de Carvalho: Um raio, na verdade, é uma descarga elétrica entre uma nuvem e o solo. Quando a água evapora e forma a nuvem, dentro da nuvem a gente tem gotículas, partículas de água líquidas, nós temos gelo, porque algumas congelaram. E tem um pouco de vapor também. Então, essas partículas estão em movimento ali dentro da nuvem. Quando elas se chocam umas com as outras, elas podem ficar eletrificadas. É um processo que ainda não é bem explicado, mas as partículas negativas se acumulam na parte de baixo da nuvem. Então, eu fico com uma nuvem com carga negativa e o solo positivo. Quando o acúmulo de cargas é muito grande, essas cargas são capazes de romper a resistividade do ar e formar uma corrente elétrica entre a nuvem e o solo. E isso é que é o raio que a gente vê. Como é uma corrente elétrica muito grande, provoca barulho e o aquecimento provoca luz também.
M: Sempre que a gente ouve falar sobre mortes relacionadas a raios, elas geralmente acontecem em praias ou parques, locais abertos. Por que esses lugares são tão mais propensos a esse tipo de caso?
Regina: O que acontece é que a descarga elétrica é mais provável de ocorrer onde existe uma ponta. É o que a gente chama de efeito de ponta. Então, se uma pessoa está em pé num local descampado, ela serve como uma ponta e pode facilitar o caminho da corrente elétrica. Ou, se existe uma árvore no meio de um descampado, tem grande possibilidade de a corrente elétrica passar através daquela ponta, que é a árvore. Então, o problema não é estar num descampado, é ser uma ponta no meio de uma região que tá muito descampada. O que se recomenda, se você for pego no meio de uma tempestade num local aberto, é se agachar. Formar um volume menor possível com o seu corpo, para diminuir a possibilidade de a descarga elétrica querer passar pelo corpo. Inclusive, não é recomendado que você deite no solo, porque o solo está eletrificado por causa da presença da nuvem. Então, se você deita, você pode estar permitindo que passe corrente através do seu corpo pelo solo. O ideal é você formar uma bolinha com o corpo e ter o mínimo contato possível com o solo.
G: Mas e em casos específicos? Por exemplo, se eu estiver dentro de um carro e ele for atingido por um raio, é perigoso eu sair? O que devo fazer nessa situação?
Regina: É o famoso… a experiência ficou conhecida como Gaiola de Faraday.
G: Opa! Só um segundo, desculpa interromper, mas é que eu inventei um quadro aqui e agora que se chama Momento Faraday!
M: Que que é isso, Guilherme?
G: Vamos fazer assim: toda vez que surgir algum termo mais… diferente, a gente coloca esse som:
(SOM DE DISCO DA VINHETA)
VINHETA: MOMENTO FARADAY!
G: Para tudo e explica essa treta do começo. O que você acha, Mariana?
M: Pô, eu gostei. Vamos ver aí no que dá.
G: O que é essa Gaiola de Faraday, afinal?
Regina: Quando a corrente elétrica quer sair da nuvem e passar para a terra, essa corrente vai procurar o caminho mais fácil. O Faraday percebeu que os metais, sendo condutores, iam permitir a passagem de corrente. Então, ele construiu, fez um experimento, construiu uma gaiola grande, toda de metal, e ele colocava uma pessoa dentro dessa gaiola. E ele era capaz de produzir uma corrente elétrica muito alta, que passava através da gaiola. E essa corrente não atingia a pessoa que estava dentro da gaiola. Um automóvel funciona exatamente como uma Gaiola de Faraday. Ele tem uma lataria metálica que vai permitir a passagem de corrente pelo lado de fora dessa parte metálica, sem penetrar no interior do automóvel. Então, se a gente está num automóvel no meio de uma tempestade, é preferível permanecer dentro do carro para que, no caso da queda de um raio, ele vai passar por fora da lataria e não vai penetrar dentro do carro.
G: Uma outra curiosidade nossa é sobre alguns animais elétricos. E eu não tô falando do Pikachu.
M: Como que algumas rãs e enguias produzem eletricidade?
Regina: Esses seres têm uma célula chamada eletrólito. Essa célula não permite a entrada de íons positivos. Principalmente sódio, que circula muito no organismo. Então, os íons positivos se acumulam do lado de fora das células. Quando esse animal sente algum perigo, ele é capaz de modificar essa célula de forma que um dos lados dela permita a entrada do íon positivo e o outro, não. Então, o que acontece: ele fica com um lado positivo — é o que não permitiu a entrada — e o outro lado fica negativo, porque entraram os íons de sódio, e ele ficou negativo do lado de fora. Com isso, ele construiu uma bateriazinha. Ele tem milhares dessas células. Então, é capaz de usar essas pequenas baterias, ligadas em série umas com as outras, para produzir um choque elétrico num predador, em alguém que venha atacar.
(TRANSIÇÃO DE TRILHA SONORA)
VINHETA: MANJA DO ASSUNTO
(COMEÇA A TOCAR A MÚSICA VOU DEIXAR, DO SKANK)
Vou deixar / A vida me levar / Pra onde ela quiser
M: Agora é hora do nosso quadro Manja do Assunto. Essa é a hora em que a gente vai trocar uma ideia aí com alguém que não é bem um especialista, mas que entende muito do assunto.
G: É. A gente queria que a estreia do nosso Manja do Assunto fosse com o próprio Lasier Martins, né? Afinal, ele batizou o nosso podcast. Mas a gente vai ficar devendo essa.
M: A gente entrou em contato com a assessoria dele, lá em Brasília, mas parece que ele ainda não gosta de falar muito sobre esse episódio. É uma pena.
G: Mas vida que segue, né?
M: Por outro lado, a gente bateu um papo superlegal com outra personalidade que também tem uma história muito peculiar de choque. É o ator Sérgio Malheiros. Ele já participou de várias novelas, de filmes e de peças de teatro.
G: É. Mas vai ser para sempre o nosso eterno Raí, da novela Da Cor do Pecado, de 2004. Sobe o som, editor!
Eu já estou na sua estrada
M: Ah, que saudade dessa novela…
G: A gente falou com o Sérgio Malheiros porque, assim como o Lasier, ele também tomou um baita choque. Só que não foi só de 220 volts, não. Foram 500 volts!
M: É. Isso aconteceu em 1998, quando ele tinha só 5 anos de idade. O Sérgio estava passeando com a mãe pelo Píer da Barra, lá na praia da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, que o Guilherme conhece bem, quando se apoiou em uma mureta que estava com uma tubulação elétrica exposta.
G: Vale lembrar que o píer era uma construção nova naquela época, o que torna esse acidente injustificável. História típica do meu Rio de Janeiro…
M: Pois é. E o Sérgio foi ajudado por um pescador que estava lá no local no momento do acidente. E chegou até a ser notícia na época…
(ÁUDIO DE REPORTAGEM SOBRE O CHOQUE DE SÉRGIO)
Repórter: […] mais grave assustou o pequeno Sérgio. Na noite de sábado, o menino de 5 anos passeava com a mãe pelo píer e, ao debruçar sobre o concreto, levou um choque.
Sérgio Malheiros: Fiquei tremendo assim, no concreto, batendo o queixo no concreto.
G: E pra entender bem o que aconteceu, o nosso repórter Isaac de Oliveira conversou com o próprio Sérgio, que hoje tem 26 anos de idade.
Isaac: Oi, Guilherme. Oi, Mariana. Eu estou aqui com o ator Sérgio Malheiros. A gente vai conversar agora sobre esse choque ele levou quando era criança. E antes de começar a nossa entrevista, eu queria fazer aqui uma pergunta mais indiscreta. Na época da novela (Da Cor do Pecado), você era mais Time Otávio ou Time Raí?
Sérgio: Ah, Time Raí, claro, né? Eu era Time Raí. Ah, foi uma novela que realmente adorei fazer e marcou para mim. As pessoas falam sempre. Fico muito feliz de ter feito um personagem que entrou pra cultura popular, né?
Isaac: Explica pra gente como que você foi parar naquele píer, de onde você vinha e, enfim, como é que aconteceu aquela situação.
Sérgio: O acidente aconteceu em 1998, né? E ali, naquele momento, o píer da Barra tinha um farol parecido com o Farol da Barra, lá de Salvador, que era um farol para as pessoas e as embarcações poderem, reconhecer, de alguma forma, a entrada ali, né? A Barra ainda era pouco iluminada. E aí, obras cariocas, né? A gente já sabe do jeito que elas são feitas. Deu seis meses depois da obra feita, a fiação já tava exposta, com a água batendo, a água salgada. Ela acabou oxidando ali a tubulação que protegia os fios e a fiação ficou exposta. E aí eu estava vindo com a minha mãe de um restaurante ali na Barra. A minha mãe, uma amiga dela e mais um amiguinho da minha idade, assim. E aí a minha mãe e a minha tia — a mãe do meu amigo — ficaram mais atrás enquanto minha mãe estacionava o carro e a gente saiu correndo na frente no píer da Barra. E quando eu debrucei na mureta, a corrente que estava passando era tão forte — era uma corrente de 500 volts — que ela acabou me sugando. Só de colocar a mão e a perna, a corrente me sugou e eu encostei o corpo inteiro. Começou a, de fato, derreter a minha mão. Foi uma coisa muito grave. E um pescador que, por acaso, estava ali passando na hora, que surgiu do nada, assim. Eu falo até que esse pescador foi um anjo na minha vida. Ele percebeu quando eu estava tremendo todo. Sabendo que não poderia encostar em mim, ele me deu um chute na costela, para que eu desgrudasse da mureta. E a minha mãe ficou muito nervosa ao ver um estranho me chutando no meio da rua.
Isaac: “Que isso, tão batendo no meu filho”.
Sérgio: Pois é. E saiu correndo para entender por que o cara estava me chutando. Quando ela chegou, eu não estava desmaiado porque eu lembro de poucos flashes. E eu me lembro que o cara me segurava pela camisa, o pescador. Quando ela chegou, ela entendeu o que tinha acontecido e me levou rapidamente para o hospital.
Isaac: Para a gente que escuta falar sobre isso, causa uma curiosidade de tentar entender como é levar um choque tão forte. Às vezes, a gente leva na tomada, mas de uma voltagem pequena. Você lembra dessa situação? O que você consegue lembrar desse dia?
Sérgio: Olha, eu não recomendo, viu? (risos). Não é legal. Eu lembro muito pouco, porque foi um choque muito grande, mesmo. Mas eu lembro de ser tão forte que foi como se você estivesse recebendo uma câimbra em todos os seus músculos. Imagina uma câimbra, só que é uma câimbra nos músculos inteiros, do corpo inteiro. Todos os seus músculos, ao mesmo tempo, travados. É horrível, é horrível. E eu vejo aquelas armas não letais que a polícia usa e fico imaginando: nossa, tomar um choque desses deve ser letal pra caramba. Imagina, deve doer muito.
Isaac: Fazendo uma piadinha bem ruim com o tema do episódio, você já era uma criança mais elétrica, mais agitada? Como é que foi isso, como você foi parar no teatro?
Sérgio: Eu era uma criança já elétrica, já agitada. Eu adorava falar, eu sempre adorei a comunicação. Eu lembro de, criança, passar o dia inteiro assistindo ao horário político obrigatório, porque eu adorava. Então, quando eu tive essa experiência, eu fui, depois de um tempo, gravar algumas simulações para os jornais, como se eu tivesse tomando choque. E aí, quando eu assisti aquilo na TV, fiquei amarradaço em estar recriando aquele momento. Cheguei para a minha mãe e falei: “Mãe, eu queria aparecer na televisão de novo, mas eu não queria aparecer como acidentado, eu queria aparecer como ator”. E eu tinha 5 anos de idade. Minha mãe achou muito engraçado uma criança chegar e falar isso. E aí me levou num teste que na época a Globo fazia, que nem faz mais dessa forma, mas que era um teste daqueles que tinham, sei lá, acho que 5 mil crianças na porta do Recursos Humanos da Globo, que nem era o Projac. Depois de ficar o dia inteiro na fila, eu entrei para conversar com uma produtora. E era a Malu Fontenelle, que é uma produtora de elenco da Globo que está até hoje lá e tal. Ela me descobriu. Quando eu conversei com ela, ela já falou, saiu e conversou com minha mãe: “Esse menino é muito inteligente. Ele sabe falar muito bem. Eu quero que ele venha aqui fazer um teste”. E aí eu fui, na semana seguinte, fazer um teste. Eu não sabia nem ler ainda. Tive que decorar o texto como os atores de Shakespeare faziam. Alguém falando no meu ouvido. Minha mãe falando no meu ouvido, porque eu não sabia ler. E fui, fiz o primeiro teste e, logo assim, já assinei meu primeiro contrato com a Globo. Fiquei muito tempo contratado. E foi isso. Deu alguma coisa errada aqui dentro e eu resolvi ser ator.
Isaac: (risos). Ligou uma chave aí.
Sérgio: Ligou uma chave aqui.
Isaac: Obrigado, Sérgio, pela participação no Choque da Uva.
Sérgio: Eu que agradeço. Até a próxima. Valeu, galera!
(TRANSIÇÃO DE TRILHA SONORA)
G: E chegou o momento do nosso quadro Minha Vó Tá Certa?
M: Em todo episódio, a gente vai tirar algumas dúvidas e descobrir se é mito ou se é verdade aquilo que a gente ouvia da nossa vó. É quase um fact-checking.
G: (risos) Então, vamos lá. Professor, uma coisa que eu ouvia muito dos meus avós e dos meus pais é que eu preciso tirar os aparelhos da tomada quando está chovendo. Isso é verdade mesmo? Eu preciso mesmo tirar a TV ou o rádio da tomada, por exemplo?
Cláudio Furukawa: O perigoso é você ficar perto de fios condutores, perto de tomada, né? Porque pode ocorrer de cair um raio, alguma coisa, perto da rede elétrica, né? E cair um raio, por exemplo, no fio e esse fio for direto para a sua casa, parte dessa corrente vai para a tomada. Então, você pode queimar aparelhos, pode queimar o carregador do celular, pode explodir. Então, quer dizer, o perigo é a corrente elétrica passar perto de você.
M: Tu vê só: então, esse negócio aí de usar celular enquanto ele está na tomada é realmente perigoso mesmo.
G: Pô, eu faço isso direto.
M: Bah. E eu também, né? E usar o celular fora da tomada quando está trovejando? Tem algum problema, professor?
Cláudio Furukawa: O celular não tem como. O celular, ele emite, ele manda ondas eletromagnéticas, mas é muito pequena essa quantidade de energia que você manda é muito pequenininha. Não seria causa para levar um choque. Até a televisão, a geladeira, é bom você tirar da tomada, porque às vezes a corrente elétrica flui através do fio mesmo, e a nossa rede elétrica lá é grande, pode cair um raio ali no meio de uma rede.
G: Outra história que eu ouvia bastante é que usar chinelo de borracha quando se toma banho evita que a pessoa leve choque caso o chuveiro elétrico dê algum problema. Isso é verdade?
Cláudio Furukawa: Como eu falei, a água normal tem muitos íons, né? A água acaba sendo um bom condutor de eletricidade, na verdade. Então, se você tiver no chuveiro e, de repente, acontecer de ter uma descarga ali, você vai levar choque, porque a água, inclusive, ela é boa condutora de eletricidade. Geralmente, acontecia isso porque o encanamento da casa era de ferro. Antigamente, era de ferro. Hoje em dia, é mais de plástico. Mas muitas vezes a pessoa ia abrir a torneira lá do chuveiro e levava choque. Porque muitas vezes não tinha um bom aterramento. Então, muitas vezes a eletricidade vinha através da água. Então, hoje em dia não tem muito esse problema porque o encanamento é de plástico. Mas se a pessoa estiver levando uma descarga e se ela tiver molhada, a descarga vai ser bem maior. A corrente elétrica vai ser maior, porque a resistência vai ser menor. Agora, outro perigo… A sandália, no caso, não vai servir para nada, porque vai molhar também. Teu pé não pode estar úmido também.
M: E aquela história de ficar na frente do espelho quando tá trovejando, tem algum problema?
Cláudio Furukawa: Isso não tem nenhuma explicação. (risos). Quer dizer, não tem nada de perigo nisso. Tá certo que o espelho, se você andar com o espelho na rua, por exemplo, num dia de tempestade. Se você andar com ele na cabeça, um espelho, é perigoso porque o espelho tem, atrás dele, óxido de prata. Porque óxido de prata é que faz a reflexão. É um metal. Então se você andar com um metal na cabeça, ele pode conduzir eletricidade. Pode servir de pára-raio. Nessas condições, sim, é perigoso. Mas se ele tá dentro de casa, não tem perigo nenhum.
M: Boa, professor. Valeu aí pelas explicações!
G: Obrigado, professor. Tchau, tchau.
VINHETA: AJUDA AQUI!
G: E para os nossos vestibulandos e vestibulandas de plantão, nós temos um momento especial para vocês no nosso programa. É o quadro Ajuda Aqui!
M: Em todo episódio, a gente vai contar com a participação de um professor para explicar como cada assunto pode cair nas provas. E para falar de eletricidade, nós convidamos o professor de Física do Poliedro Vitor Ricci. Ajuda aí, professor!
Vitor Ricci: E aí, pessoas, tudo bem? Eu estou passando para deixar algumas dicas para você que vai encarar os vestibulares neste fim de ano e está sendo assombrado por um assunto: elétrica. Vamos ser sinceros: até mesmo para os estudante que gostam de Física, elétrica não costuma ser a parte favorita da disciplina. Preste atenção nessas dicas de como esse ramo da Física pode cair nas suas provas. Número 1: As questões de elétrica abordam circuitos elétricos. Para esse tipo de questão, você precisa conhecer os dispositivos. E aí a gente está falando de resistores, geradores, receptores e capacitores. E as formas de associação: série e paralelo. Aqui, só a teoria não vai resolver. Você precisa praticar. Treine com circuitos pequenos mais simples e, aos poucos, você vai indo para problemas maiores. Número 2: Algumas equações são clássicas. E aí a gente está falando da 1ª Lei de Ohm, U = R.I, que resolve 99% dos problemas de circuitos elétricos. Outra equação importante é da potência: P = U.I. Número 3: Eletrostática. E aí eu vou abrir meu coração com vocês: até eu não sou muito fã dessa parte. Eletrostática é um conjunto de equações que precisam ser memorizadas, acompanhado de muita, mas muita, geometria. Para sua alegria, esse conteúdo acaba sendo pouco cobrado nos vestibulares. Se você tiver de priorizar seu tempo de estudos, foque em circuitos elétricos. Agora, se você tá apostando na Fuvest, dê um carinho especial para a eletrostática. Número 4 e finalizando: Eletromagnetismo. Normalmente, as primeiras fases cobram questões qualitativas sobre esse tema, principalmente abordando o fenômeno de indução eletromagnética. Nas segundas fases, faz muito tempo que não aparecem questões de eletromag. A preferência acaba sendo pelos circuitos elétricos. Espero que esse raio X sobre elétrica possa ajudar você nessa maratona de provas. Se aparecer alguma questão desse assunto, não faça cara feia, não. Leia o exercício com calma, puxe da memória o que você estudou durante o ano que vai dar tudo certo. E se você quiser mais dicas, me siga lá no Instagram: @ricci.professor. Boa prova, pessoas.
M: Tá aí, agora o pessoal não pode mais reclamar de cola, né?
G: É. Se não for na hora da prova, tá valendo.
M: A gente está chegando ao fim do nosso programa, mas antes de ir embora ainda dá tempo de mais um quadro.
VINHETA: COM VOCÊS, PRÊMIO IGNOBEL
G: E chegou a hora do nosso grande Prêmio Ignobel. Em todo encerramento do nosso podcast, vamos terminar comentando uma pesquisa inusitada que recebeu, de fato, um Prêmio Ignobel.
M: Como o próprio nome sugere, o Ignobel faz referência ao prêmio Nobel e é uma espécie de Framboesa de Ouro da Ciência. Desde 1991, pesquisas e experimentos inusitados são premiados em uma cerimônia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. É uma brincadeira que o pessoal leva muito a sério.
G: E o Ignobel de hoje vai para um artigo de Medicina publicado em 1991, na Annals of Emergency Medicine.
M: Tá com o inglês em dia, hein?
G: É uma revista acadêmica do Colégio Americano de Médicos de Emergência, no Texas. O artigo descreve a ineficácia no uso de choques elétricos como forma de tratamento para picadas de cobra. Por que será que não deu certo, né?
M: O relatório, feito pelos médicos Richard Dart e Richard Gustafson…
G: Preciso te indicar para o meu curso de inglês, hein?
M: (risos) … observou o caso de um paciente de 28 anos que foi mordido acima do lábio por sua serpente de estimação. De acordo com o trabalho, o homem sentiu queimação e inchaço no rosto minutos após a picada. Foi daí que ele lembrou que tinha lido em uma revista sobre atividades ao ar livre que sugeria o uso de choques elétricos como forma de evitar envenenamento.
G: É. Com a ajuda de um colega, o homem colocou o cabo de vela da ignição do carro – para quem não sabe, é um fio elétrico do carro – em cima do lábio enquanto o amigo dava partida no veículo.
M: O que pode dar errado?
G: Resultado: o cidadão tomou um choque tão grande que foi encontrado pelos bombeiros inconsciente, em uma poça das próprias fezes. Para piorar, o rapaz ainda precisou de uma cirurgia de reconstrução do lábio.
M: O artigo ainda destaca que médicos do Equador costumavam usar choques elétricos para tratar indígenas de mordidas de cobra. Mas isso era feito cerca de cem anos antes da publicação.
G: A dúvida que fica: precisava mesmo de um artigo para dizer que esse negócio não funciona?
M: Então, você já sabe. Se for mordido por uma cobra, vá ao médico.
G: Ou não crie uma cobra.
TERMINA TRILHA
(TRILHA OFICIAL DO PROGRAMA)
G: E este foi o Choque da Uva, o novo podcast de ciência que explica tudo o que você está a fim de saber de uma maneira diferente.
M: Eu sou Mariana Hallal.
G: E eu sou Guilherme Bianchini. Este programa é feito pela 30ª turma do Curso Estado de Jornalismo, os focas aqui do Estadão.
G: O roteiro deste episódio foi do Felipe Goldenberg e do Rodrigo Sampaio. Eles também fizeram a produção junto com Isaac de Oliveira, Marcela Coelho, Milena Teixeira e Samuel Lima. A edição de som ficou por conta, também, do Felipe Goldenberg. E a edição do episódio foi feita por Carla Miranda e Luiz Fernando Teixeira.
M: Aproveita e segue a gente nas redes sociais: nós somos o @choquedauvapod no Twitter, no Instagram, no Facebook e no YouTube.
G: Lembrando que a gente tem novos episódios no site do Estadão e também no seu player de podcasts favorito. Até lá!
M: Tchau, tchau!