Direto ao ponto

6:11 “A minha cobrança de falta tinha um efeito meio raro”, conta Marcos Assunção

7:12 Fernando Meligeni: “Tênis é um esporte em que você precisa surpreender o adversário o tempo inteiro”

18:37 Minha Vó Tá Certa? Chutar no bico de enchimento da bola faz diferença?

21:10 Manja do Assunto: Arnaldo Cezar Coelho lembra das pérolas na TV

26:30 Ajuda Aqui! Efeito Magnus nas provas e vestibulares

27:40 Prêmio IgNobel: A tontura de atletas de lançamento de disco e de martelo

(Som de “bip” para indicar conversa de bastidores)

Rodrigo Sampaio: Jéssica, sabe uma coisa que a Física também não permite?
Jéssica Nakamura: Ai, meu Deus, vamos lá, Galvão Bueno. Fala.
R: Embarcar no metrô de São Paulo às 6 da tarde (risos).
J: Se for na Sé, ainda, não tem ciência que permita, né?
R: Pior ainda.
Rayssa Motta (produção): Tá bom, galera. Depois dessa, vamos gravar.

(VINHETA: Trilha sonora animada. Uma voz anuncia: “Você está ouvindo o Choque da Uva, a ciência do cotidiano!”)

(COMEÇA A TOCAR A MÚSICA “PAÍS DO FUTEBOL”, TEMA DA COPA DO MUNDO DE 2014, INTERPRETADA POR MC GUIMÊ E EMICIDA)

No flow / Por onde a gente passa é show / Fechou / E olha onde a gente chegou / Eu sou país do futebol, negô / Até gringo sambou / Tocou Neymar é gol

R: Fã ou não de esporte, todo mundo sabe que as grandes competições são repletas de momentos memoráveis. Afinal, quem não se lembra dos gols do Ronaldo na final da Copa de 2002? 
J: Provavelmente só quem não era nascido, Rodrigo. Ou quem, assim como eu, estava mais preocupado com a pipoca.
R: Tá bom, justo. O que é inegável é que vitórias e derrotas são capazes de movimentar paixões e ficam eternizadas na cabeça das pessoas. Não é à toa que o esporte faz sucesso na música, no cinema e até como enredo de novela.

(TOCA TRECHO DA MÚSICA “MEU LUGAR DIVINO”, DE ARLINDO CRUZ, TEMA DA NOVELA AVENIDA BRASIL, DA TV GLOBO, DE 2012)

É Divino / Lalaia / Bem perto de Madureira

J: Mas nem só de glórias vive o esporte. Em 2005, enquanto o São Paulo vencia a Copa Libertadores da América, um detalhe engraçado chamou atenção durante a finalíssima.
R: Depois de um empate por 1 a 1 no primeiro jogo contra o Athletico Paranaense, o tricolor venceu no Morumbi com uma goleada de 4 a 0. A transmissão da partida, feita pela Globo, ficou marcada não só pelo desempenho histórico do time paulista, que acabou sendo campeão mundial alguns meses depois, mas também por um momento icônico protagonizado por Galvão Bueno no finalzinho do segundo tempo. Quase que o Galvão se livrou dessa, hein?
J: O cenário era o seguinte: o São Paulo estava ganhando o jogo por 3 a 0 e o Furacão tentava diminuir a vantagem com um cruzamento que veio da direita, mas a jogada foi interrompida pelo bandeirinha. O narrador da TV Globo se irritou com a marcação da arbitragem e o episódio acabou virando o meme que você provavelmente já conhece. 

(ÁUDIO DA TRANSMISSÃO DA FINAL DA COPA LIBERTADORES DA AMÉRICA, EM 2005, NA TV GLOBO)

Galvão Bueno: Vem cruzamento, vem bola pra área. Bate muito forte na bola, mas ela não sai, não. [som de apito] O bandeira disse que saiu, disse que ela fez a volta por trás. Agora, de onde foi o cruzamento, para ela fazer a volta por trás, só se tivesse um elástico na bola para alguém puxar.

R: O comentarista de arbitragem Arnaldo Cezar Coelho, que participava da transmissão da partida, ainda tentou argumentar, mas Galvão insistiu sobre a trajetória do chute que, para ele, desafiava a ciência.

(VOLTA ÁUDIO DA TRANSMISSÃO)

Arnaldo Cezar Coelho: Mas o bandeira estava bem colocado e acertou. A bola saiu, sim, Galvão.

Galvão Bueno: Não é possível. A Física não permite!

R: Apesar de ter virado meme depois da reação no mínimo sincera, Galvão nos fez refletir: o que a ciência tem a dizer sobre esse lance?
J: Eu sou Jéssica Nakamura. 
R: E eu sou Rodrigo Sampaio. 
J: E o episódio de hoje é sobre o Efeito Magnus e as curvas da bola no esporte.

(AUMENTA O VOLUME DA MÚSICA “PAÍS DO FUTEBOL”)

Eu sou país do futebol, negô / Até gringo sambou / Tocou Neymar é gol

J: Do vôlei ao tênis, do beisebol ao futebol, as curvas e efeitos na bola têm papel decisivo em diferentes modalidades. Isso porque, além de encantarem os torcedores, eles mudam placares e contam uma série de histórias.
R: Por mais que não tenha sido o lance de um título, você já deve ter visto o famoso gol do Roberto Carlos contra a França em 1997, certo? E o que dizer dos slices de Roger Federer ou do saque Jornada nas Estrelas, do Bernard?
J: Pois é. Apesar de ter ficado famoso nas quadras, o que pouca gente sabe é que o Jornada, que ganhou esse nome por causa da série Star Trek, surgiu nas areias de Copacabana. 
R: Como bom malandro carioca que é, sabe o que o Bernard fazia, Jéssica? O cara se aproveitava do sol e do vento para ter vantagem sobre os adversários. Esperto ele, né?
J: Agora, na quadra é diferente, certo? Não tem o sol e o vento, mas tem os refletores do ginásio, que em determinado ponto faziam a bola sumir da visão do adversário. A jogada foi apresentada pela primeira vez nas quadras durante o Mundialito de Vôlei de 1982. O saque alto combinava força, giro e velocidade para confundir os adversários. A bola chegava a subir quase 30 metros de altura e descer do outro lado da quadra a 70 quilômetros por hora. 
R: Para que a jogada desse certo, ela também dependia da curva da bola na hora que ela caía. O próprio Bernard explicou pra gente a mecânica por trás do lance que sacudia a torcida e é reproduzido por atletas até hoje, mesmo que raramente.

Bernard Rajzman: Na praia é mais difícil, porque você tem de dosar a velocidade do vento. Ver para que lado ele está, para poder usufruir dessa situação, saber de que forma a bola vai cair. No ginásio, é mais fácil, porque não tem vento. O importante é ter uma altura e uma distância no fundo da quadra para executar o saque da melhor forma e ter uma maior incidência de acertos. Às vezes, você erra, você não acerta no ponto certo da bola… Até porque o esforço que você faz para bola subir tanto é muito grande, você tem de fazer um pêndulo com o braço, com toda a força do corpo. Às vezes, a bola não entrava no lugar que a gente queria. Mas, de forma geral, a incidência de acertos era muito maior. E era um show, de fato: 20 mil pessoas gritando jor-na-da, jor-na-da.

R: Mas e no futebol, Jéssica?
J: Então, no futebol, o chute forte foi o primeiro a ficar famoso. Lá na Copa do Mundo de 1938, essa já era a grande marca do atacante brasileiro Hércules de Miranda, o Dinamitador. Histórico artilheiro do Santos, outro jogador conhecido pela batida forte foi Pepe, o Canhão da Vila Belmiro.
R: Por outro lado, sobre os chutes com efeito, o registro mais antigo no futebol brasileiro é o Folha Seca, eternizado pelo meia Didi, ídolo do meu Botafogo que vestiu a camisa da Seleção nas Copas de 1958 e 1962.

(TOCAR TRECHO DA MÚSICA “FOLHAS SECAS”, DE BETH CARVALHO)

Quando eu piso em folhas secas / Caídas de uma Mangueira

R: A batida ganhou esse nome porque o efeito lembrava a trajetória de uma folha quando cai da árvore, oscilando de um lado para o outro. Mais para frente, vieram Nelinho, Eder, Rivellino, Zico…
J: Marcelinho Carioca, Rogério Ceni, Roberto Carlos… 
R: Além de vários outros jogadores famosos pela batida na bola.

(ÁUDIO DE NARRAÇÃO DE GOL DE FALTA DE RONALDINHO GAÚCHO, PELA SELEÇÃO BRASILEIRA, EM JOGO CONTRA A INGLATERRA NA COPA DO MUNDO DE 2002, TRANSMITIDO PELA TV GLOBO)

Galvão Bueno: Ronaldinho, Gilberto Silva e Rivaldo. Ronaldinho Gaúcho cobrou direto pro gol… Gooooool! É do Brasil! Que golaço!

J: Pintados e repintados no imaginário popular, os grandes cobradores de falta são como lendas no futebol, o que faz com que muitos tenham virado ídolos de seus clubes. Mas qual é a mágica por trás desses nomes?
R: O Choque da Uva conversou com Marcos Assunção, ex-jogador de Santos e Palmeiras que era fera na bola parada, para tentar entender qual é o segredo de um chute com curva.

Marcos Assunção: A minha cobrança de falta tinha um efeito meio raro. Era um movimento em que a bola subia e caía muito rapidamente. A nossa bola — minha, do Juninho Pernambucano, do Marcelinho Carioca — ia com efeito, girando para cima e para baixo. E com os outros batedores, ela ia girando lateralmente para fazer esse efeito. Na maioria dos cobradores, ela fazia, sim, uma curva. A nossa, não: ela subia e caía. Era um efeito muito raro. Não me pergunte o que eu fazia isso que eu não sei.

J: No tênis, a aplicação tática dos efeitos é capaz de definir uma partida. Foi assim que o campeão pan-americano Fernando Meligeni venceu Pete Sampras, então número 1 do mundo, no Torneio de Roma em 1999. 
R: Olha aí o que o Meligeni contou pra gente!

Fernando Meligeni: É importante, quando a gente fala sobre efeitos, tentar também entender em que situação você está no jogo para você usar esse efeito da melhor maneira possível. Às vezes, um erro de escolha faz com que você fique mais vulnerável, mais defensivo ou exagere numa bola e acabe errando numa bola que não precisava. Então, essa escolha é fundamental. É ruim quando você acaba jogando o mesmo efeito o tempo inteiro, porque o adversário pega o tempo da bola, entende como você vai jogar, se posiciona mais fácil dentro da quadra e, a partir daí, você não traz surpresa para ele. O tênis é um esporte em você tem de estar surpreendendo o seu adversário o tempo inteiro. A troca de efeitos e de velocidade de bola faz com que o adversário acabe errando mais do que normal.

(TOCA TRECHO DA MÚSICA “AS CURVAS DA ESTRADA DE SANTOS”, DE ROBERTO CARLOS)

As curvas se acabam / E na estrada de Santos / Eu não vou mais passar

R: Mesmo que os efeitos da bola sejam estratégicos no tênis e em vários outros esportes, no beisebol eles são ainda mais importantes. Isso porque, caso a curva da bola não existisse, esse esporte não seria metade do que é. Tanto que o arremessador, atleta que coloca a bola em jogo, é a figura mais importante do time.
J: Para tentar entender melhor essa dinâmica, conversamos com o jornalista Ubiratan Leal, um dos principais comentaristas do esporte no País.

Ubiratan Leal: Fala pessoal do Choque da Uva! Aqui quem fala é o Ubiratan Leal, da ESPN, do Desimpedidos. E estou aqui para falar um pouco da Física do beisebol, dos arremessos do beisebol. O arremessador, quando coloca a bola em jogo, ele define se ele vai mandar uma bola rápida ou mais lenta, com efeito para baixo, para o lado, ou uma bola que vai reta. Uma bola que faz efeito no final ou faz mais efeito mais constante durante toda a trajetória. E a curva da bola é muito importante porque, a partir desta curva, ou da não existência desta curva, é que ele vai tentar enganar o rebatedor. O rebatedor está lá preparado para rebater e vai vir uma bola. Ele não sabe se a bola vai vir reta, se vai fazer uma curva para baixo, para um lado ou para o outro. E ele não tem tempo de ficar olhando a bola. A bola chega em décimos de segundo, alguma coisa entre 0,3 e 0,4 segundo.

R: Vale destacar que o arremessador tem um desgaste absurdo. Por ser muito exigido, ele não consegue jogar todas as partidas. Se joga uma, tem de descansar quatro dias, que geralmente equivale a quatro jogos na temporada regular.
J: É um jogador especial, que tem de ter muito cuidado para não se lesionar, porque ele precisa torcer o braço no final do movimento. Mas só se preservar não é o suficiente, também é necessário saber variar os efeitos.

Ubiratan Leal: Todo arremessador profissional que quer ter uma carreira mínima, além de saber arremessar uma bola reta, ele tem de saber pelo menos arremessar um ou dois tipos de bolas de efeito. Para baixo, para o lado, algum tipo assim, porque isso é fundamental para conseguir enganar o rebatedor. Se você jogar só a bola reta, que é a mais fácil, aí fica muito fácil para o rebatedor. Ele sabe que a bola não vai tentar enganar, a bola não vai fugir do bastão.

R: Para saber como é possível colocar tantos efeitos diferentes na bola… 
J: E para saber se o Galvão estava certo… 
R: Conversamos com o professor Sérgio Augusto Cunha, da Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp. Ele nos atendeu por telefone, diretamente da:

(ÁUDIO DE QUADRO DO PROGRAMA DO FAUSTÃO, DA TV GLOBO)

Faustão: Dica número 1, é um país da Europa.

R: Holanda. 
J: Afinal, como é possível que a bola de futebol faça uma curva em pleno ar? Será mesmo que a física não permite?

Prof. Sérgio Cunha: Essa curva se dá pela diferença de pressão na hora que dá o giro nessa bola, o chamado Efeito Magnus.

R: Opa! Peraí que agora chegou a hora do….

(VINHETA DO QUADRO “MOMENTO FARADAY”)

R: E o que é o Momento Faraday, Jéssica?
J: Pois é, Rodrigo. O Momento Faraday é aquela hora em que a gente para tudo para explicar alguns conceitos ou termos desconhecidos para os nossos ouvintes. O de hoje é justamente sobre o fenômeno que dá nome ao nosso episódio, que é o Efeito Magnus. Sérgio, explica aí pra gente o que é exatamente o Efeito Magnus.

Prof. Sérgio Cunha: Conforme a bola vai se movimentando e está rodando, ela gira o ar que está à sua volta. Essa rotação muda a velocidade das partículas que estão em volta da bola e cria diferenças de pressão, o que faz com que as bolas façam curvas para esquerda, para a direita, para baixo, para cima, para todos os lados. A hora em que ela aumenta a velocidade de um lado e diminui do outro, em função do vento relativo, ela faz com que a maior pressão empurre a bola para o lado da menor pressão.

(TOCA TRILHA DO “PIÃO DA CASA PRÓPRIA”, DO PROGRAMA DO SILVIO SANTOS, NO SBT)

R: Na verdade, é menos complicado do que parece. O Efeito Magnus pode ser pensado a partir da Terceira Lei de Newton: para cada ação, existe uma reação. Quando a bola voa, ela joga o ar para o lado. Só que o fato de ela estar rodando em determinado sentido faz com que esse ar passe mais pra um lado do que pro outro.
J: Pegou a ideia? A bola empurra o ar, mas o ar também empurra a bola, no sentido contrário. Como a força é maior de um lado do que do outro, a trajetória muda, formando um arco. O efeito leva esse nome por causa do físico alemão Heinrich Magnus, que lá no século 19 demonstrou, pela primeira vez, que a passagem de um cilindro em rotação por um fluido gera uma força.
R: Para quem quiser deitar naquela pelada do final de semana, lá vai a dica. Para dar curva pra esquerda, tem de bater de raspão no lado direito da bola, que assim ela gira no sentido contrário ao do relógio. Para botar o efeito para a direita, então, tem de chutar na parte esquerda, porque aí ela sai rodando no sentido horário.

(ÁUDIO DO EX-JOGADOR DE FUTEBOL ROMÁRIO)

Romário: Quando eu nasci, papai do céu apontou o dedo e falou: Esse é o cara.

J: E também dá para jogar com a gravidade, o que é bem comum no tênis. Bater com a raquete na parte de baixo da bola faz com que ela gire para trás e demore mais tempo pra cair. É o chamado backspin ou slice. O efeito contrário é o top spin, quando o tenista bate na parte de cima da bola e faz ela cair mais rápido.
R: A história é um pouco diferente quando o assunto é aquela cobrança de falta clássica do Cristiano Ronaldo, que faz a bola sair forte e com pouca rotação. Mesmo assim, ela vai e volta no ar: um pesadelo para o goleiro. 
J: E por falar em pesadelo…

(ÁUDIO DO LOCUTOR CID MOREIRA)

Cid Moreira: Jabulaaaaaani.

J: Esse chute do CR7 também ajuda a explicar por que a Jabulani, bola oficial da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, fazia tanto ziguezague. Professor Sérgio, qual a explicação para o chute do gajo?

Prof. Sérgio Cunha: O Cristiano Ronaldo, quando chuta, praticamente não coloca rotação na bola, apenas translação. Essa bola vai voar, ela vai ter a sua trajetória inicialmente dentro do regime laminar. Em certo momento, ela entra num regime turbulento. É como um avião que a gente volta e meia pega e enfrenta turbulências. Na hora em que entra nesse regime turbulento, ela perde um pouco a sua predição de movimento, fica mais instável. E é isso que acontecia de verdade com a Jabulani.

(ÁUDIO DE ANDRÉ HENNING, DO ESPORTE INTERATIVO, NARRANDO GOL DE FALTA DE CRISTIANO RONALDO NA LIGA DOS CAMPEÕES DA EUROPA)

André Henning: Quem sabe na bola parada. Cristiano Ronaldo. Gooool!

J: Então, mesmo sem a rotação da bola e o Efeito Magnus, é possível que a bola mude de direção em função dessas turbulências que aparecem quando o ar “tropeça” pelas imperfeições da bola a altas velocidades. Agora tudo faz sentido!
R: Pode até parecer estranho, mas sabe qual era o problema da Jabulani? Ela era muito lisa, tinha pouca costura, pouco gomo. Quando a bola é cheia dessas imperfeições, como no caso dos buraquinhos da bola de golfe, a turbulência aparece de todos os lados, e uma força acaba compensando a outra. Mas no caso da Jabulani, as turbulências eram mais raras e muitas vezes ocorriam em poucos pontos da bola. Quando ela era “empurrada” para um lado, não tinha turbulência do outro para compensar.
J: Em princípio, o Efeito Magnus age em qualquer bola que rode pelo ar. O que muda é o quanto o fenômeno altera de fato a trajetória da bola. Quanto mais rápida a rotação, maior a força de Magnus. E a massa do objeto também é importante. É mais fácil botar curva numa bola de tênis do que numa de basquete. 
R: Até a altitude do campo pode atrapalhar aquele chute ou arremesso treinado exaustivamente pelos atletas. O professor Sérgio explica.

Prof. Sérgio Cunha: As pessoas falam que, quando você joga na altitude, a velocidade da bola é muito maior. Ela é maior porque, da mesma forma que o avião, o drone que vai voar na altitude, a bola tem menos resistência do ar, que é mais rarefeito. Ela realmente diminui menos a sua velocidade na altitude, mas não é uma coisa assustadora — no sentido de que ela vai ter os mesmos componentes nas forças do Efeito Magnus, só que diminuído pela restrição da quantidade de moléculas que tem no ar rarefeito da altitude.

J: Bom, seja qual for o esporte, a ideia dos jogadores é basicamente a mesma: tirar vantagem dos efeitos e variações. Não é professor?

Prof. Sérgio Cunha: A ideia é exatamente a mesma: você aplicar essas rotações na bola para que o Efeito Magnus jogue a seu favor, dificultando para o adversário. Cada uma dessas técnicas têm um Efeito Magnus, seja esse eixo de rotação por top spin, backspin, chute de curva ou qualquer modalidade, como beisebol e o próprio basquete. Todos os esportes com bola têm esse efeito. A própria bola do futebol americano e do rugby também têm esse efeito. Só que é diferente, porque não são esféricas. Então quando a bola tem uma esfericidade muito boa, quando ela praticamente não tem deformação, fica mais fácil aplicar esses efeitos para atrapalhar o adversário.

(TOCA A MÚSICA “FIO MARAVILHA”, DE JORGE BEN JOR)

Fio Maravilha, nós gostamos de você / Fio Maravilha, faz mais um pra a gente ver

J: Bom, a gente já entendeu o que é o Efeito Magnus e como a bola pode fazer as curvas mais improváveis. Agora, o futebol é recheado de outros mitos e superstições. Anos atrás, Nelson Rodrigues — que não podia ficar de fora desse episódio — escrevia que nesse esporte há “um toque evidentíssimo do sobrenatural”. As crendices convencem até os jogadores profissionais. Chegou a hora do nosso quadro: Minha Vó Tá Certa?.

(TRILHA SONORA DO QUADRO “MINHA VÓ TÁ CERTA?”)

R: Ídolo do Corinthians, o craque Neto, hoje comentarista de futebol (sobe áudio do comentarista Neto gritando: “Eu não jogo mais!”), prestava muita atenção na bola antes de bater a falta. Ele acreditava que chutar no bico de enchimento da redonda tinha alguma influência no resultado do chute. Mas, afinal, isso faz alguma diferença? O professor Sérgio Cunha responde.

Prof. Sérgio Cunha: Olha, quando eu comecei a jogar futebol, muitos anos atrás, na rua, nos clubes, amadoristicamente, as bolas eram construídas de forma diferente. Quando a gente tinha uma bola de capotão, que era de couro, tinha de passar sebo de animal para continuar jogando na rua. Ela não era uma bola totalmente esférica, como são produzidas hoje. Hoje as bolas são produzidas, muitas vezes, com materiais sintéticos, de resiliência muito grande. Quando você chuta, ela rapidamente volta ao seu formato esférico. Exatamente para que você possa ter o mais adequado possível essa técnica aplicada do chute na bola. Hoje em dia, as bolas são muito equilibradas em termos de distribuição de massas. No final da década de 1960, começo da década de 1970, foi lançada uma bola chamada dente de leite. Ela tinha uma característica: era feita de plástico, com o tamanho e o peso da bola oficial, só que a câmara dentro dela era solta. Então, na hora que você chutava que nem o Roberto Carlos naquela bola, ela fazia a curva para o lado contrário, porque essa câmara se deslocava. Naquele momento, talvez fizesse sentido chutar no bico, chutar fora do bico. Mas hoje, técnica e cientificamente, eu não vejo nenhuma explicação para isso a não ser as crenças do atleta na hora de fazer o chute.

J: Depois de toda essa explicação científica, está faltando agora só a testemunha ocular desse grande meme que inspirou este episódio do Choque da Uva. 
R: Verdade. Mas o nosso repórter Samuel Lima conversou com um convidado muito especial e nos conta agora.

(VINHETA DO QUADRO “MANJA DO ASSUNTO” SEGUIDA DE TRILHA QUE COMBINA PIANO E SAMBA)

Samuel Lima (repórter): Arnaldo Cezar Coelho foi árbitro profissional de futebol entre os anos de 1965 a 1988. Foi o primeiro brasileiro a apitar uma final de Copa do Mundo, em 1982, entre Itália e Alemanha. Logo na sequência, virou comentarista da TV Globo, onde ficou por 29 anos, formando uma parceria inesquecível com o narrador Galvão Bueno. Arnaldo, você faz parte de um episódio bem famoso na internet, que é uma pequena discussão com o Galvão Bueno durante a transmissão da final da Libertadores de 2005. O que você pode nos contar sobre esse episódio?

Arnaldo Cezar Coelho: Essa história de lei da Física eu não entendo. O que eu entendo é que no futebol a bola é redonda e, da forma como o jogador bate na bola, essa bola dá um efeito. Por exemplo, se você bater com a parte interna do pé, a bola faz uma curva. Se você bater com a parte externa do pé, a bola faz outro tipo de curva. No lance que está se discutindo, a bola estava no alto, fez uma curva, saiu e, ao quicar, ela mudou de direção. Isto é, ela pode voltar para o campo, e foi o que aconteceu. Então, eu repito: de Física eu não entendo, mas futebol, toque de bola e efeito sempre existiram. Vários jogadores se caracterizaram por bater faltas com efeito. Por exemplo, o Marcelinho, do Corinthians, batia com efeito; o Zico, do Flamengo, batia com efeito; e, muitos anos atrás, um jogador chamado Didi batia falta e apelidaram ele de Folha Seca, por que ele batia, a bola subia e caía atrás do gol. Portanto, o efeito faz parte do jogo.

Samuel: Lá quando você apitava, era mais ou menos comum o chute com efeito no futebol? Por exemplo, o árbitro tinha de ficar atento no escanteio para ver se a bola não ia fazer a curva por fora do campo?

Arnaldo: Todo momento que tinha um tiro de canto, por exemplo, pela direita, o assistente tinha que ficar atento. Porque, quando ele batia com o pé direito, a bola podia sair no ar e voltar a campo, e ele levantava a bandeira. A mesma coisa do lado esquerdo: se um jogador lá na ponta esquerda bate com o pé esquerdo, fatalmente essa bola pode sair e voltar. É muito comum isso acontecer. E isso não é física não, isso é a visão do assistente que está na linha do gol.

Samuel: Essa história de 2005 não é única discussão no ar entre você e o Galvão, né? Alguma interação era combinada, que nem o bordão “Pode isso, Arnaldo”?

Arnaldo: Nós nunca combinamos essa interação que você diz. Era uma coisa espontânea: o “Pode isso, Arnaldo”, quando eu dizia “A regra é clara”, quando ele dizia “Esse é um assunto para o Arnaldo Cezar Coelho”. Isso era uma parceria espontânea, que saía ao longo da transmissão. Nunca foi combinado briga nenhuma. A gente discutia às vezes, ponderava no ar determinados lance. Eu podia dizer que tinha sido falta e, na opinião dele, não seria falta, ele até resmungava no ar. Isso fazia parte da transmissão e da empatia que a gente tinha um pelo outro. E tem até hoje, porque até hoje a gente se fala e até hoje a gente discute lances, formas de transmissão. Até hoje, a gente bate papo.

(ÁUDIO DE DESPEDIDA DE ARNALDO CEZAR COELHO NO PROGRAMA “BEM, AMIGOS!”, DO SPORTV)

Galvão Bueno: Fomos sempre muito parceiros! Brigamos muito também, né?
Arnaldo: Faz parte, né
Galvão: Brigamos, não. Discutimos.
Arnaldo: É, mas todo relacionamento tem tapas e beijos.
Galvão: É, até em casamento tem.
Arnaldo: Exatamente.

Samuel: Arnaldo, você deixou os microfones em dezembro de 2018. O que tem feito? Como anda a aposentadoria? Tem saudade de comentar os jogos e da parceria com o Galvão? Ainda assiste às partidas na TV, vai ao estádio?

Arnaldo: Saudades, é claro que a gente tem. Mas eu me preparei para parar. Saber parar é muito difícil. Depois disso, eu pude assistir na Europa à final da Liga dos Campeões. Eu pude tratar da saúde, coisa que eu não tinha tempo. E estou assistindo aos jogos pela televisão, menos agora do que antes, porque antes eu assistia para preparar os programas A Regra é Clara e Bem, amigos!. Hoje, assisto por assistir, mas estou me divertindo com futebol. Eu nunca vou deixar de assistir ao futebol.

Samuel: Essa foi a entrevista de Arnaldo Cezar Coelho para o nosso podcast. Muito obrigado, Arnaldo, por conversar com a gente!

Arnaldo: Aos amigos do programa Choque da Uva, um abraço e até a próxima!

(TOCA TRECHO DA MÚSICA “PODE ISSO, ARNALDO?”, INTERPRETADA PELO ARTISTA BARUK)

Pode isso, Arnaldo? / Não pode, não pode / Não pode, não / Não pode, não / Pode isso, Arnaldo? / Não pode, não pode / A regra é clara: não pode, não

R: Pois é, galera. Ouvir o Choque da Uva também é um jeito de aprender mais sobre ciência. Vale a pena até pesquisar sobre o Efeito Magnus, mas cuidado para não cair em fake news.
J: De vez em quando, esse conceito aparece em provas e vestibulares por aí. Então, fique ligado! Quem nos conta é o professor de Física do Centro Educacional Pioneiro, de São Paulo, Oscar Kudo.

(VINHETA DO QUADRO “AJUDA AQUI” SEGUIDA DE TRILHA CALMA)

Prof. Oscar Kudo: Olá, Rodrigo, Jéssica e a todos os ouvintes do podcast. O Efeito Magnus é estudado em Física e é o fenômeno pelo qual a rotação de um objeto altera sua trajetória em um fluido que pode ser líquido ou gasoso — o ar, por exemplo. É possível introduzir os conceitos relacionados ao Efeito Magnus em avaliações do Ensino Médio, do Enem ou dos vestibulares. Como é um tema que não é tratado exaustivamente no curso do Ensino Médio, a preocupação deve se voltar mais para os aspectos conceituais, ao raciocínio lógico, sem a cobrança de quantificação de grandezas através de fórmulas e cálculos matemáticos. Um abraço a todos!

J: Valeu, Oscar! E, como sempre, no final do nosso episódio, nós temos o Prêmio IgNobel.

(VINHETA: COM VOCÊS, PRÊMIO IGNOBEL)

(TRILHA ANIMADA COM GUITARRAS, LINHAS DE BAIXO E BATERIA)

R: Hoje, quem separou a pesquisa foi a Jéssica. O que você manda?
J: Então, Rodrigo. O que você acha: os atletas de lançamento de disco e de martelo saem ou não tontos depois de uma série de arremessos?
R: Ah, eu acho que sim. Você fica lá, rodopiando um negócio pesado durante seis turnos… É provável que sim.
J: Pois é! Uma pesquisa da França se debruçou sobre esse tema e, para nossa surpresa, os atletas de martelo não relatam tontura ou enjoo depois da competição. Mas o mesmo não acontece com quem lança discos.
R: Tá, mas por que isso?
J: A explicação está na postura na hora do arremesso. Os pesquisadores gravaram os atletas e notaram que a postura daqueles que lançam martelo dá maior estabilidade para a cabeça. Parece que, para lançar martelo, o corpo fica mais ereto no momento da rotação, o que permite que a parte superior do corpo se movimente menos. Já quem lança discos tem uma maior perturbação do sistema vestibular. Não confundir com aquela prova que a gente faz.
R: Pode deixar, não vou confundir.
J: O sistema vestibular é aquele que fica dentro do nosso ouvido e é responsável pelo nosso equilíbrio. Os cientistas notaram ainda que os arremessadores de martelo também conseguem manter um ponto fixo na visão, que contribui para a sua estabilidade corporal.
R: Isso tudo é muito doido, mas eu só queria entender um negócio: por que estudaram isso mesmo?
J: Ah, vamos precisar de outra pesquisa para entender.

(MUDA PARA TRILHA DE ENCERRAMENTO)

R: E este foi o Choque da Uva, o novo podcast de ciência do Estadão que explica tudo o que você está a fim de saber.
J: Eu sou Jéssica Nakamura.
R: E eu sou Rodrigo Sampaio.
J: O roteiro ficou por conta da Rayssa Motta; a edição é do Ítalo Lo Re; e a reportagem, de Samuel Lima.
R: A produção é de Samuel Costa, Luiz Carlos Pavão e Léo Martins, com um pitaco ou outro de Mateus Figueiredo. 
J: Consultamos ainda o comentarista esportivo Celso Unzelte e o professor Carlos Eduardo Aguiar, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
R: Aproveita e segue a gente nas redes sociais. Somos o @choquedauvapod no Twitter, Instagram e Facebook.
J: Lembrando que esse é um projeto da 30ª turma do Curso Estado de Jornalismo. Até o nosso próximo episódio. Tchau!
R: Até lá! Tchau, tchau!