Direto ao ponto

02:25 Manja do Assunto: conheça Everton Miguel, fotografado retirando óleo das praias no Nordeste;

08:20 Minha Vó Tá Certa? Peixe foge do óleo? Veja o que a oceanógrafa diz a respeito;

16:47 Momento Faraday explica o termo ”rugosidade”.

34:49 Ajuda aqui! Derramamento de óleo na costa brasileira deve ser tema nos próximos vestibulares;

35:48 Prêmio IgNobel: Provaram que Petróleo e Água se misturam;

Ciência no combate ao derramamento de óleo na costa brasileira
Apresentadores: Carla Menezes e Diego Kerber 

(Som de “bip”)

Diego Kerber: Carla, eu não estou vendo mais nada do óleo do Nordeste nos jornais. Como é que está lá na sua cidade, Carla? 
Carla Menezes: É, ontem eu vi um tweet de uma amiga minha que foi para a praia tomar banho de mar. Como a gente vai lá quase todo fim de semana, em Natal. E isso que aconteceu com ela. Ela foi a uma praia na região metropolitana, não era em Natal. Na hora em que saiu do mar, ela estava com os pés manchados. A amiga que estava com ela disse: ‘Vitória, seus pés estão manchados!’. Ela olhou e viu que era óleo.   
D: Nossa que absurdo! 
C: Pois é! E ela foi conversar com o pessoal que vende água de coco e refrigerante na praia. E falaram para ela que outras pessoas também estavam saindo do mar, naquela praia, com os pés manchados. 

D: Nossa. Por que as pessoas não estão mais falando disso? 

C: Eu não sei, mas a gente ainda tem muita coisa para falar! 

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Você está ouvindo Choque da Uva, a ciência no cotidiano!”)

D: Bom, galera, eu sei que vocês já estão acostumados com o formato do Choque da Uva, mas hoje os roteiristas ficaram malucos. Porque a gente vai mudar tudo. Tudo. Vai ser tudo muito diferente. Porque o episódio, em si, já é muito diferente. Inclusive, eu diria que ele é bem denso, tá? Com o perdão do trocadilho.
C: É porque desde o fim de agosto o Brasil está vivendo um dos piores desastres ambientais de história: um derramamento de óleo que já atinge praias de 11 Estados do País. Inclusive, meu Estado, o Ceará. E o Estado que eu morava, o Rio Grande do Norte. 
D: Ninguém sabe exatamente qual a origem dessas substância, apesar de algumas hipóteses que foram levantadas para explicar a coisa toda. 
C: E em meio a todo esse temor sobre o futuro do nosso ecossistema marítimo e a debates acalorados se o peixe foge do óleo ou não, buscamos entender a ciência por trás dos esforços para enfrentar este problemão 

D: E, claro, ouvimos a galera que está diretamente na luta para virar este jogo.

C: Eu sou Carla Menezes.

D: E eu sou Diego Kerber.

(Sobe a vinheta do quadro “Manja do assunto” e começa sonora de derrapagem )

C: Como o Diego já disse, hoje está tudo de cabeça para baixo. Então, antes da gente entrar nesse universo da ciência, acho que a gente deveria chamar logo nosso quadro Manja do Assunto. Afinal, o entrevistado de hoje é o menino que virou um símbolo da luta contra o desastre ambiental.  
D: Eu concordo, viu, Carla!? A nossa repórter Sandy Oliveira entrevistou o jovem Everton Miguel dos Anjos. Ele é o menino que foi fotografado saindo coberto de óleo de uma das praias atingidas pelo derramamento. O clique viralizou nas redes sociais. Explica para a gente, Sandy!

Sandy Oliveira: É isso, Diego. A gente achou o menino da foto. No auge da tragédia, o jovem Everton Miguel dos Anjos, de 13 anos, não pensou duas vezes antes de entrar no mar para ajudar a recolher aquele óleo que chegava na beira da Praia de Itapuama, em Cabo de Santo Agostinho, no litoral sul de Pernambuco.

S: E essa atitude rendeu uma das fotos mais emblemáticas da tragédia, feita pelo fotógrafo Léo Malafaia. Você provavelmente deve ter visto. O clique mostra o menino saindo do mar com os braços abertos e olhar cansado, enrolado em um saco plástico e coberto de óleo. 

S: Nós conversamos com ele e com a mãe dele, Ivaneide Maria, para entender o impacto da tragédia para quem depende do mar para sobreviver. 

(Trilha: chamada de ligação)

Everton Miguel: Oi! 

Sandy Oliveira: Oi, Everton, tudo bem?

Everton Miguel: Tudo!

S: Então, Everton, a gente viu sua foto. Achamos que foi uma atitude muito nobre a que você teve, de ajudar sua mãe. E eu queria que você falasse um pouquinho do que aconteceu naquele dia? 

Everton Miguel: Cheguei lá com meus amigos e vi a praia toda suja. Então, fiquei olhando. Quando meus amigos foram ajudar, eu também fui. Depois, fui para a Praia de Itapuama. Eu estava com uma bermuda jeans. Quando molha, fica folgada. Botei a malha de tomar banho de praia na cintura e amarrei. Eu estava pegando o óleo e estava me melando. Uma mulher mandou eu vestir alguma coisa. Peguei o saco e vesti. Era mais ou menos umas 2 horas da tarde. Eu cheguei na praia umas 10 horas, por aí. Foi na hora que o homem tirou a foto. Eu estava dentro da praia tirando o óleo e fui saindo da água. Ele estava tirando fotos, mas eu não sabeia. Ele não me mandou entrar na água para tirar a foto. 

S: Everton, por que você quis ajudar? 

Everton Miguel: Porque eu pensei no trabalho da minha mãe e pensei na natureza, em primeiro lugar. Eu fiquei sabendo que foi um navio da Grécia que derramou, mas ninguém sabe direito (levantada pelo governo, a hipótese não foi confirmada)

S: E como é o seu dia?

Everton Miguel: Eu vou para a escola de tarde. Nas sextas-feiras, quando eu saio às 17 horas, vou para a praia com a minha mãe e volto no domingo. Eu não estou mais tomando banho de praia, não. Fico mais jogando bola agora.

S: Qual foi a repercussão da foto na escola?

Everton Miguel: Tem gente que eu nem conheço e fala comigo.  A diretora disse que chorou muito quando viu minha foto. Tem muita gente me chamando de menino do óleo, um monte de coisa. Botaram um monte de nome em mim. A diretora fez uma oração na escada. A gente estava no pátio. Então, ela me chamou lá para cima e todo mundo começou a bater palmas.

S: O que você quer ser quando crescer?

Everton: Meu sonho é virar advogado ou ator. 

S: Qual a importância do meio ambiente para você?

Everton Miguel: Eu gosto muito de animais, eu tenho pena deles. E minha mãe trabalha com crustáceos, não sei falar esse nome. E eu gosto muito de animais.

S: Ivaneide, como foi no dia dessa foto? A senhora se recorda? 

Ivaneide: Foi em um feriado. Nós fomos abrir a barraca e, quando chegamos lá, estavam aquelas manchas de óleo. Todo mundo ajudou. Não foi nada proibido, ninguém avisou que não poderia entrar na água. Todo mundo foi voluntário. 

S: Como está a situação hoje? 

Ivaneide: Olha, o movimento não voltou ao que era. O povo fica com receio de comer peixe, caranguejo e camarão. Isso porque não tem como a gente que compra provar para eles que o peixe não teve contato com o óleo. A gente também não sabe, né? Prejudicou muito porque o movimento ficou muito fraco. De lá para cá, eu só fui somente um fim de semana e o lucro foi de R$ 150. 

S: Essa é a única fonte de renda da senhora? 

Ivaneide: É, viu? Essa é a única fonte de renda. E, assim, ninguém tem culpa. Ninguém sabe de onde veio o óleo, mas a gente fica muito prejudicado, né? Os trabalhadores que trabalham com essas coisas.  

S: Como a senhora ficou sabendo da foto? 

Ivaneide:  Foi uma menina que viu no Instagram. 

S: E o que a senhora achou daquela foto? 

Ivaneide: Achei admirável, né? A atitude dele de querer ajudar. De querer ajudar a natureza, né? Ele pensou também no meu trabalho, que vai fazer agora, no fim do ano, dois anos que trabalho lá. Tenho meu comércio. Assim, é admirável, né? Porque é um jovem de 13 anos. Ele teve a boa intenção. Ele quis ajudar e, graças a Deus, não aconteceu nada com ele. O pessoal disse que esse óleo pode fazer mal, mas até agora não aconteceu nada com ele e não vai acontecer não, né? Deus não vai permitir, porque ele não teve a má intenção. Ele foi na bondade, na vontade de querer ajudar.

(Toca a música de ‘Academia de Berlinda’ – Dorival. O refrão é o seguinte: “Minha vida é o mar. É o mar. Que sempre nos dá de comer. É o mar. Que sempre vai dar, quem vai dar!”)

(Entra a trilha sonora do quadro “Minha Vó tá Certa?”)

C: Obrigada, Sandy! Acho que todo mundo ficou emocionado com a história deste menino.
D: Com certeza, Carla. Eu fiquei bastante emocionado. E já que o programa está todo diferente hoje e estamos falando de conteúdos que viralizaram nas redes sociais, eu acho que é legal a gente aproveitar esse gancho para discutir uma pergunta que bombou por aí. Afinal, o peixe foge do óleo?

Jair Messias Bolsonaro: Agora, até o momento, a pesca tá sendo proibida lá no Nordeste ou não? 
Jorge Seif Júnior: De jeito nenhum, capitão. Muito pelo contrário. Lembrando ainda, o peixe é um bicho inteligente. Quando ele vê uma manta de óleo ali, capitão, ele foge, ele tem medo. 
Jair Messias Bolsonaro: Obviamente, de vez em quando fica uma tartaruga ali na mancha de óleo – para não falar que ninguém fica, né? Um peixe, um golfinho pode ficar, mas tudo bem.”

C: É, o mar não tá pra peixe mesmo, galera.  Esse diálogo que vocês acabaram de ouvir, e já devem ter escutado antes, foi protagonizado pelo secretário de Aquicultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, e o presidente Jair Bolsonaro durante uma live de Facebook.
D: É uma frase no mínimo curiosa. E a gente perguntou para Yara Novelli,  oceanógrafa e professora sênior da Universidade de São Paulo, se o peixe é tão inteligente assim pra fugir do óleo.

Yara Novelli: (risos) Não, não, não. Acontece assim: se nós vamos em uma festa junina e começamos a ver os fogos e aquele calor da fogueira, com mais fumaça da fogueira, você não vai se aproximar da fogueira, concorda? Você tem experiência e você, como ser humano, sabe instintivamente que precisa se afastar daquele calor. Quando os peixes e outros seres estão nadando e se aproximam, na sua viagem de todo dia e toda noite, de algo que tem produtos de dissolução, eles não vão na direção daquela água. Os peixes respiram, deixa eu dizer grosseiramente, engolindo água. Ao engolir água, eles retiram o oxigênio e eliminam o resto. Nesse processo fisiológico, fica registrado no indivíduo que aquela água está com alguma coisa diferente. Ele não segue naquela direção porque já teve esse alarme de que a água não está igual à que ele costuma usar. A tartaruga, por sua vez, afunda para procurar comida, comer algas. Quando ela sobe, o casco dela encosta no óleo que tava boiando. Aí, ela se contamina. Ela passa a ser um difusor de óleo secundário. Ela passa a carregar o próprio veneno incrustado na carapaça dela, onde o óleo continua se dissolvendo. E ela passa a inalar na hora que ela aflora e pega o ar lá em cima da superfície, mas tudo que ela come passa a ser ingerido também com produtos da decomposição do óleo.

(Toca uma trilha calma de transição)

D: Bom, esse foi o Minha Vó…, não! O Meu Secretário Está Certo. Acho que deu para perceber que, apesar de toda essa polêmica levantada pelo secretário, o tema desse episódio não é exatamente o mais divertido de todos.
C: No dia 30 de agosto, manchas de óleo começaram a aparecer no litoral brasileiro. Primeiro, em duas cidades da Paraíba, Conde e Pitimbu. Os dados são do Ibama, que é o órgão responsável por ações de preservação do nosso meio ambiente. 
D: Mas para vocês terem uma ideia, o monitoramento diário do Ibama diz que pelo menos 764 pontos foram afetados até o dia 24 de novembro.
C: E nem dá para prever quantas outras praias vão ser atingidas pelo óleo — infelizmente, enquanto você está aí ouvindo a gente, o número já pode ter aumentado.
D: Mas para tentar minimizar os danos e evitar novas tragédias do tipo, é necessário estudar o óleo coletado. Até mesmo porque dá, sim, para ter pistas de onde ele veio analisando espessura dele, por exemplo.
C: Mas isso a gente fala daqui a pouco, tá? Nesse episódio, a gente ajuda você a entender como dá para ter pistas de onde vem o óleo, o que dá para fazer com ele e como ele alterou nosso ecossistema.  

(Toca uma trilha calma de transição)

D: O pior de tudo é que, como a gente já disse na abertura do programa, a origem do óleo ainda é desconhecida.
C: A Polícia Federal e o Ministério Público do Rio Grande do Norte, que investigam a origem e a autoria do derramamento, apontaram o navio Boubolina, de uma empresa grega chamada Delta Tankers, como o principal suspeito de vazar o óleo no mar.
D: Tá, mas o que um navio grego tem a ver com a história? 
D: Segundo relatório, o navio atracou na Venezuela em 15 de julho e, três dias depois, começou  a seguir rumo à Oceania carregando 1 milhão de barris de petróleo cru.
C: O derramamento teria acontecido entre os dias 28 e 29 de julho, a cerca de 700 quilômetros da costa da Paraíba. 
D: É isso mesmo, mas a empresa acusada disse que não tinha nada a ver com o desastre. Em nota, divulgada depois das acusações, a Delta Tankers disse que “não há provas” de que o óleo vazou no seu caminho para Melaka, na Malásia. 
C: As dúvidas aumentaram ainda mais após o LAPIS entrar na história, mas não é aquele de escrever, não. É o Laboratório de Análise e Processamento de Imagens e Satélites, o Lapis, da Universidade Federal de Alagoas.
D: O laboratório anunciou recentemente a identificação via sistema de satélites de um outro navio que seria responsável pelo vazamento… E, conforme o instituto, não se trata do Boubolina. 
C: Em meio à discussão, o Choque da Uva conversou com Humberto Barbosa, o coordenador do Lapis, para entender como funciona a tecnologia que, segundo o pesquisador, pode detectar as manchas de óleo por satélite.
D: Então, vamos lá! O Lapis utiliza um sistema de satélites chamado Sentinel para monitorar manchas de óleo no mar.
C: Esse sistema é administrado pela Agência Espacial Europeia e fornece dados sobre áreas costeiras, vegetação, solo, umidade e muito mais. As imagens são captadas em blocos de 250 quilômetros de diâmetro.
D: Segundo Humberto, o Lapis usou uma tecnologia para realizar uma varredura por toda a costa brasileira, do Estado do Maranhão até o Rio de Janeiro.
C: Esta análise levou os pesquisadores a uma imagem registrada em 24 de julho que indica uma mancha significativa na costa do Rio Grande do Norte. O pesquisador diz que a mancha tinha características clássicas de derramamento de óleo.
D: E tudo isso só foi possível, graças à radiação: 

Humberto Barbosa: Esse satélite, quando a gente interpreta o sinal dele, ele emite um eco do sinal. Esse sinal vai interagir. É uma radiação de microondas e ele retorna para o sensor e olha o tempo na forma do eco. Eu vou fazer uma analogia para um leigo entender: o cara fica numa posição de frente, o cara é exposto a um tipo de radiação, que penetra nas peças de roupas dele e consegue captar a doença no pulmão dele. Então, essa seria uma forma muito grosseira de fazer uma analogia. O Sentinel vai mesmo na superfície. O que interessa é a superfície. Então, o que estava entre o sensor e a superfície, a atmosfera, nuvens, aerossóis, são invisíveis para ele. Ele só olha o que tem na superfície.

C: Em outras palavras, o satélite envia ondas de radiação que atravessam qualquer obstáculo entre ele e a superfície do mar. A água do mar, por exemplo, tem propriedades elétricas que ajudam o satélite a identificar as características daquela superfície. 
D: Com a ajuda do satélite, o pesquisador identificou uma rugosidade nas águas daquela mancha totalmente diferente da água dominante na região. Mas para tudo! O que ele quis dizer com rugosidade?

(VINHETA: Som de disco voltando, seguido de narração: “Momento Faraday!”)

C: Eu explico, Diego! A rugosidade se trata da medida das variações do relevo de uma superfície, ou seja, o satélite captou que a água do mar, naquela mancha, tinha um relevo diferente do padrão do local. 
D: O satélite não cravou, nesta primeira varredura, que aquilo ali era uma mancha de óleo, mas apenas que tinha características muito estranhas!
C: Em seguida, o trabalho foi eliminar ruídos da imagem e buscar elementos que afirmavam que aquilo poderia realmente ser um mancha de óleo.

Humberto Barbosa: Havia a localização de um navio e uma geometria muito associada a um derramamento de óleo. Qual o derramamento de óleo aquele lastro mostrava? Assim, só que a gente está falando de um caminho de 86 quilômetros de extensão, podendo ser superior a isso. Por que a faixa que o satélite é restrita a 250 quilômetros e o fenômeno estava acontecendo, em parte dele, fora disso. A gente foi lá e perguntou o que poderia estar causando isso. Seria fitoplâncton?  A profundidade do oceano interferiria nisso? Então, a gente descartou todos os ruídos que poderiam ser interpretados como um sinal, mas que na verdade eram ruídos. A gente descartou e viu que ali era um sinal forte de derramamento de óleo e havia um navio ou mais associados àquela área que tinha a possível mancha de óleo. Compartilhamos com alguns colegas europeus. Eles mandaram alguns documentos para aumentar ainda mais a nossa pesquisa de comparação com alguns que os sentinelas (ao redor do mundo) já tinham encontrado na Ásia e em outras regiões. Então, continuamos varrendo toda a costa leste do Nordeste brasileiro com as imagens até fechar a varredura. 

C: A partir dessa comparação com imagens de manchas de óleo de outros lugares do planeta, se estabeleceu um padrão. De acordo com o pesquisador, isso permitiu afirmar que aquilo realmente era uma mancha de óleo – comprovando também a eficácia do monitoramento por satélite.
D: E foi justamente nesse processo que foi encontrada uma nova mancha. Datada de 19 de julho e associada a uma nova embarcação suspeita. 
C: Com isso aí, o estudo do professor também eliminou a possibilidade de ser o Boubolina. As manchas do dia 24 e do dia 19 estavam associadas, mas elas não se relacionavam 
D: Depois disso, o pesquisador realizou uma segunda varredura, mais precisa, já considerando esses padrões para identificar anomalias. E foi justamente nesse processo que se encontrou uma nova mancha, datada de 19 de julho, associada a uma nova embarcação suspeita. 
C: Com isso, o estudo do professor também eliminou a possibilidade de ser o Boubolina. As manchas do dia 24 e do dia 19 estavam associadas, mas elas não se relacionavam com centenas de embarcações que passaram no local.

Humberto Barbosa: As duas manchas no sistema de inteligência internacional de localização de navios mostravam a ausência de navios, ou seja, os navios que estavam próximos ali não tinham uma ligação com transporte de óleo cru. Então, a gente viu que havia um gap, ou seja, as imagens do Sentinel localizavam a posição de um navio associado a uma possível mancha de óleo cru, porém o sistema de vigilância internacional, que é um sistema de vigilância independente, não detectava essas manchas associadas a um navio

D: No caso do Boubolina, por exemplo, o navio teria realmente passado pela costa brasileira, mas dois dias depois da mancha ter sido detectada pelo satélite, de acordo com o pesquisador. 
C: Com a imagem do dia 19 de julho em mãos, o Lapis comparou a foto com a imagem do dia 24. Foi aí que o laboratório realizou uma varredura da costa comparando as duas datas e associou os navios que podiam ter passado em toda a região do Caribe e na costa Norte e Nordeste do Brasil.

Humberto Barbosa: E daí foi que a gente chegou a 111 cargueiros que passaram em julho e agosto (naquele local). Um deles foi realmente o que mais se associou a anomalias que poderiam ter provocado aquela situação de derramamento.

(Toca a música de Nando Cordel, com o seguinte trecho: “Manchar o meu coração. Aos poucos querem matar. A fonte da vida, e o verde azul desse mar”) 

D: Essas informações foram descritas em um relatório parcial que foi entregue no último dia 22 de novembro ao Senado e à Polícia Federal. Agora, ele está sendo analisado pelas autoridades. 
C: As conclusões são parciais e, de acordo com Humberto, ainda são necessárias muitas pesquisas para identificar a verdadeira causa do desastre ambiental.
D: Inclusive, Carla, a discussão não para por aqui. O Choque também foi ouvir o Ibama sobre tudo isso. Conversamos com o Pedro Alberto Bignelli, Coordenador do Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais, o Cenima. 
C: Isso mesmo. Ele explicou para reportagem que o Ibama também utiliza sistemas de satélite para monitorar o surgimento de manchas de óleo na costa brasileira. 
D: Mas os satélites, sozinhos, não são conseguem qualificar uma mancha de óleo com total certeza. Em outras palavras, só a imagem do satélite não garante que a imagem de uma mancha seja exatamente uma mancha de óleo.
C: Até porque outros fatos podem, vamos dizer assim, enganar o satélite e produzir imagens parecidas. Por exemplo, a concentração de algas ou mesmo o rastro de uma embarcação. 
D: Mas que papo é esse? Ele explica:

Pedro Bignelli: Então, quando você detecta, você detecta uma feição suspeita de ser óleo. Para você chegar e dizer que é óleo, ou você vai lá e faz uma amostra e tem uma análise química dizendo que é óleo ou a gente aplica um equipamento que está à disposição do Ibama, que tem radar e outros princípios de sensoriamento remoto. Esses, sim, são capazes de qualificar o óleo. 

C: Claro que isso não descarta o monitoramento das possíveis manchas de óleo. Segundo Pedro, técnicos do Ibama fazem a comparação das imagens de uma possível mancha em diferentes datas para provar essa consistência. 
D: E, a partir, daí se trabalha com a hipótese, e não a certeza, de que aquilo é uma mancha de óleo, por mais que apresente características comuns ao derramamento dessa substância. 
C: Assim, o coordenador não arrisca dizer quem foi e não trabalha com a hipótese de ser o Boubolina. Sobre o navio grego, ele ainda afirmou algo surpreendente, se liga só:

Pedro Bignelli: Essa questão do Boubalina a gente nem discute. Primeiro, porque nós não confirmamos a feição. Inclusive, o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que também deve fornecer um parecer para subsidiar o nosso parecer aqui de que a feição que foi detectada como uma mancha de óleo, detectada ali no Boubolina, era clorofila. 

(Toca a música “Hagua”, de Seu Jorge, com o seguinte trecho: “Poluição, devastação, queimadas. Desequilíbrio mental. Desequilíbrio do meio ambiente. Segundo previsões dos cientistas”)

D: Mas calma lá. Não basta só identificar os possíveis focos e os culpados do vazamento. A gente precisa entender o que, afinal, é esse óleo. Por exemplo, você deve ter ouvido por aí que o óleo é da Venezuela. Mas como eles sabem disso?
C: É aí que entra a ciência, que tem um papel fundamental na análise dessas substâncias que estão manchando nossas praias. Aliás, Diego, essa análise também é muito importante para investigar justamente a origem do óleo.
D: Tá, vamo lá. Cada óleo, digamos assim, carrega uma assinatura na sua composição que indica a presença de algumas moléculas chamadas biomarcadores. E nessa análise há duas metodologias muito importantes.
C: Sim! Uma delas é a espectrometria de massas, que é a técnica usada para identificar moléculas por meio da medição da massa do produto e de sua estrutura química. A outra é a cromotografia a gás, que consiste em separar os compostos orgânicos por meio da vaporização.
D: Foi a partir de estudos da composição química do óleo que o governo identificou que os produtos que formam as manchas na costa brasileira são petróleo cru extra-pesado de origem venezuelana. 
C: Para entender todo esse universo, conversamos com Alberto Wisniewski Júnior, coordenador do Laboratório de Petróleo e Energia da Biomassa da Universidade Federal do Sergipe. 

Alberto Wisniewski Júnior: Estas características elas são muito intrínsecas de cada óleo. Então, elas são geralmente utilizadas dentro da química forense para você poder fazer a correlação de óleo com a origem no caso do vazamento. Se você tem um óleo que aparece como foi o caso desse que surgiu no nordeste brasileiro, você suspeita quem são as fontes, as possíveis fontes, você pode usar esse perfil de ver os marcadores para que você possa fazer uma correlação, ou seja, verificar se existe uma identificação destes perfis entre o óleo e a origem.  

D: Além disso, segundo o pesquisador, a densidade do óleo é determinante. Para medir isso, é utilizada uma escala chamada API que leva em conta justamente a densidade deste produto e propõe uma classificação de condensado (o mais leve) ao asfáltico (o mais pesado).
C: Esses parâmetros dizem respeito à “qualidade” do petróleo, porque quanto mais pesado ele é, mais biodegradado ele está. Mas também existem outros fatores muito importantes na composição. 
D: Segundo o Alberto, o óleo detectado no litoral brasileiro tem 1,7% de enxofre. E isso é importante porque o enxofre, junto com o grau API, é um  indicador considerado na comercialização do petróleo. 
C: Agora que eles têm essa informação, dá para fazer um filtro entre os possíveis campos de petróleo no planeta que produzem óleo com esse teor de enxofre. Assim, eles conseguem identificar sua provável origem. É como se o petróleo deixasse uma digital. 
D: Foi assim que as autoridades confirmaram que o óleo tem procedência venezuelana.

(Toca a música Canção do Mar, da banda Cólera, com o seguinte trecho: “Olho o céu, olho o sol. Olho pra frente é o mar. Faz um mês, aqui estou. Sempre na mesa do bar. Um velho me contou. Um velho pescador. Olha o que encontrei. Óleo eu encontrei. Óleo se espalhando aqui”)

C: Muito bem, já falamos sobre monitoramento via satélite das manchas de óleo, já falamos sobre a análise da substância… 
D: Mas o bacana dessa história toda, Carla, é descobrir que tem como dar uma solução pra todo esse óleo.
C: E uma dessas soluções foi encontrada lá na Universidade Federal da Bahia por um grupo de pesquisa liderado pela química Zenis Novais. E, olha que massa, eles desenvolveram um tipo de carvão feito com o óleo recolhido nas praias de Salvador. 
D: O grupo, na verdade, desen,volve um projeto chamado compostagem Francisco. Eles basicamente pegam os restos de alimentos do restaurante universitário, o nosso bom e velho bandejão, e colocam em uma composteira, uma caixa usada para decompor todo esse material.
C: Dessa mistura sai um fertilizante orgânico composto. A ideia é que ele seja usado para acelerar o processo de degradação de outros materiais orgânicos. 
D: Um outro nome é bioacelerador. Ele, basicamente, deixa mais rápida a decomposição orgânica.
C: Com toda a preocupação do grupo com as toneladas de óleo sendo detectadas na costa brasileira, eles resolveram testar o fertilizante no petróleo. E deu certo.
D: Ela explicou para a gente que o processo começa misturando o óleo com removedor de graxa e betume. Isso torna o óleo mais fluido e mais fácil de ser manuseado.
C: Essa mistura é levada para uma betoneira onde adicionam os bioaceleradores e um pouco de serragem. Como resultado, criam uma espécie de massa que pode ser usada para fazer asfalto ou blocos de construção.

Zenis Novais: A gente precisa de um estudo com mais prudência para falar de modo mais seguro que pode ser aplicado mesmo. Então, existe a possibilidade de ir para massa asfáltica. Esse material ainda tem um poder calorífico, então, também há a possibilidade de ir como combustível para fábrica de cimento. Para esse material que a gente obtém, o armazenamento é muito mais adequado e a toxicidade deste produto também é irrisória quando comparada com resíduo coletado nas praias. Enfim, a gente está no caminho correto. Então, a gente acredita que para a composição de massa asfáltica o potencial desse produto é grande.

C: Mas a capacidade de produção, porém, ainda é limitada. Mas é uma iniciativa para um trabalho que foi feito totalmente pelas mãos dos pesquisadores da faculdade.
D: A betoneira e todos os materiais foram comprados totalmente com dinheiro dos próprios pesquisadores. A ideia, agora, é juntar recursos para expandir a produção.

(Toca a música Panorama Ecológico, de Erasmo Carlos, com o seguinte trecho: “Lá vem a temporada de peixes. Trazendo garoupas suadas. Piranhas dormentes. Sardinhas inchadas. Trutas desiludidas. Tainhas abrutalhadas. Baleias entupidas. E lagostas afogadas. Barracudas deprimentes. E homens inteligentes”)

C: A gente ainda está na crista da onda quando se trata da intensidade do problema do derramamento. A gente ouviu nesse episódio pesquisadores preocupados em entender a dimensão dessa catástrofe e o que fazer com o material coletado.
D: Mas a gente também tem que se perguntar, Carla, se essas ações estão sendo feitas da melhor maneira. 
C: A gente volta a falar com a oceanógrafa e professora Yara Novelli, que alerta para a gente que, na verdade, a história poderia ter sido um pouco diferente.
D: É que não é uma história de hoje. Ela foi a perita judicial da primeira ação civil pública movida por dano ao meio ambiente, em 1983, há 36 anos.
C: Naquele ano, um oleoduto da Petrobrás estourou na região de Santos, no litoral de São Paulo. Vazaram 2.500 litros de óleo cru para a Bacia do Rio Iriri, atingindo uma área de mangue que, até hoje, não se recuperou.
D: É muita coisa! Comparando com os danos de hoje, o que impressiona a professora é a demora de autoridades em reconhecer o problema.

Yara Novelli: Eu continuo monitorando a área impactada por óleo em 1983 até os dias de hoje e o óleo continua lá, no sedimento. Isso é marcante. O que podemos comparar agora com essa situação do Nordeste é o total ou a total morosidade ou até omissão do governo federal em tomar providências. E os Estados, na realidade os municípios costeiros, muitos deles não estão aparelhados para enfrentar situações dessa magnitude. Esses municípios do Nordeste de pequeno porte, acostumados a lidar com pescadores, marisqueiras, catadores de caranguejo, de repente se veem obrigados a lidar com aquelas manchas de óleo que estão sujando as suas praias. O que eles sabem é que, se está sujo, tem de limpar. E como tem que limpar? Metem o trator na praia. Deixam os voluntários de mãos desprotegidas, pés descalços, se enfiarem naquele ambiente totalmente hostil ao ser humano e aos demais seres vivos. Na hora em que você tira a sua subsistência daqueles mariscos, daqueles caranguejos, você só vê a próxima refeição faltando, né? Eles se atiraram de corpo e alma. Coração, corpo, alma, tudo, para tentar segurar o invasor, que são as manchas.

(Toca a música Só de Tu, da Academia Berlinda, com o seguinte trecho: “Nadar contra as ondas. Nadar contra as ondas do mar. Nadar contra as ondas. Nadar contra as ondas. Nadar contra as ondas do ar”)

(Entra a vinheta do quadro “Ajuda aqui” e começa trilha calma.)

C: E para você que ainda tá na escola ou vai fazer alguma prova… A gente conversou com a Talita Delariva, professora de Biologia do cursinho e escola Poliedro, em Campinas. 
D: Ela falou que o derramamento de óleo na costa brasileira deve ser um dos principais temas explorados nos vestibulares do ano que vem. 
C: Se liga no que ela nos contou.

Talita Delariva: Das muitas formas que as questões podem aparecer, é preciso estar atento para aplicação de alguns conceitos, como o de bioacumulação e o da magnificação trófica, bem como também a interpretação de um gráfico ou uma pirâmide que mostre essas situações.

D: Só pra esclarecer: a bioacumulação descreve o processo pelo qual as substâncias e os compostos químicos são absorvidos pelos organismos.
C: E a magnificação trófica, eita palavra difícil, trata do acúmulo progressivo de substâncias tóxicas ao longo da cadeia alimentar. 
D: Ok, esse episódio foi dedicado ao trabalho de coletar do mar todo o óleo derramado. E é de conhecimento geral que óleo e água não se misturam. Certo?
C: Não é bem assim. E é disso que fala nosso Prêmio IgNobel de hoje. 

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Com vocês, Prêmio IgNobel”)

C: Em 2010, o prêmio IgNobel de Química foi dado para os engenheiros Eric Adams, Scott Socolofsky, Stephen Masutani e, acreditem, para a petroleira British Petroleum por terem provado que dá, sim, para misturar água e petróleo.
D: Explicando: em 20 de abril de 2010 aconteceu o maior desastre numa plataforma de óleo que ficava no Golfo do México, chamada Deepwater Horizon. A torre estava na fase final da perfuração de um poço e explodiu.
C: Foram pelo menos 780 milhões de litros de óleo jogados no mar durante três meses, segundo estimativa do governo dos Estados Unidos.
D: O que acontece é que esse grupo de pesquisadores liberou quantidades de óleo misturado com metano próximo do solo do mar, a mais ou menos 840 metros de profundidade.
C: Em vez de formar uma simples pluma que levaria o óleo diretamente para a superfície, a maior parte dele se misturou com água do mar e se transformou em camadas horizontais com água da mesma densidade.

(Trilha sonora de encerramento do podcast Choque da Uva)

C: E este foi o Choque da Uva, o novo podcast de ciência do Estadão que explica tudo o que cê tá a fim de saber/ Eu sou Carla Menezes/
D: E eu sou Diego Kerber/
C: Esse programa foi produzido pela 30ª Turma do Curso Estado de Jornalismo, os Focas do Estadão
C: O roteiro é de Brenda Zacharias e Victor Pinheiro. A edição ficou por conta de Mateus Figueiredo. 
D: A reportagem e produção são de Adriano Cirino, Brenda Zacharias, Marina Cardoso, Sandy Oliveira e Victor Pinheiro.
C: Aproveita e segue a gente nas redes sociais: somos o @choquedauvapod no Twitter, Instagram e Facebook./ Até a próxima! 
D: Tchau, tchau!