Direto ao ponto

06:44 Para fisiologista, ”herança genética é soberana em relação a qualquer influência científica ou tecnológica”

9:50 ”A cerejinha do bolo é a suplementação”, diz nutricionista da Seleção Feminina de futebol

18:32 Minha Vó Tá Certa? Bolt e o inhame

20:44 Manja do Assunto: Cesar Cielo e suas conquistas

26:19 Ajuda Aqui! Sistemas cardiovascular e respiratório

29:02 Prêmio IgNobel: Banco de sêmen de gênios

Superatletas: genética x tecnologia
Apresentadores: Mariana Hallal e Guilherme Bianchini

(Som de “bip”)

Mariana Hallal: Guilherme, você já deve ter percebido que eu não tenho um porte muito atlético, mas eu já tentei ser atleta.
Guilherme Bianchini: Deu para perceber, já.
M: Uma vez, quando eu estava na quarta série, eu decidi fazer vôlei, porque todas as minhas amigas faziam.
G: Com esse tamanho todo? (Mariana mede 1,60m)
M: Com esse tamanho todo. E eu era menor! Eu queria fazer vôlei porque todas as minhas amigas faziam e eu achava uma coisa muito legal. Aí cheguei lá no time de vôlei, e eu era muito ruim: não tinha força pra sacar, eu não conseguia fazer basicamente nenhum dos movimentos que elas pediam, eu sempre sobrava quando era exercício de dupla… E aí teve um fatídico dia em que organizaram uma excursão para jogar em outra cidade, e eu fui excluída: fui a única aluna que não foi convidada para ir na excursão.
G: E foi assim que o vôlei perdeu um grande talento.

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Você está ouvindo Choque da Uva, a ciência no cotidiano!”)

M: Eu sou a Mariana Hallal.
G: E eu sou o Guilherme Bianchini. E hoje nós vamos falar sobre os superatletas.

(Entra o áudio da música “Carruagem de Fogo”, escrita por Colin Welland, e que é tema dos Jogos Olímpicos.)

G: Tem gente que é referência absoluta no esporte que pratica: Marta, Michael Phelps, Maurren Maggi, Messi, Simone Biles e Usain Bolt, claro.
M: Você falou por nove segundos? Nesse tempo, o Bolt já teria batido o recorde mundial dos 100 metros rasos. Ele é um dos principais exemplos de superatletas da nossa geração.
G: Esses esportistas conquistam medalhas e torcidas no mundo inteiro e fazem a gente se perguntar: como se forma um atleta desse nível? 
M: Olha, Guilherme, para mim é talento nato: você nasce com isso e não tem jeito. Olha o Messi…  
G: Está me zoando, né? Olha quantos gols tem o Cristiano Ronaldo! O homem é uma máquina: máquina pelo esforço e dedicação dele em tudo o que é treino!

(Entra áudio de homem gritando, que ficou popular em aplicativos de mensagem)
É glorioso! O homem! Uma máquina! Uma besta enjaulada com ódio! Ele não para!

M: Já temos 19 segundos? A essa altura, o Bolt já venceu a prova de 200 metros rasos.
G: Ah, agora espera aí que eu vou continuar na defesa do Cristiano Ronaldo!
M: Vamos deixar isso para lá! A gente quer falar mais sobre aqueles que são tão bons no esporte em que atuam que parecem que nem pertencem ao planeta Terra. 
G: Como por exemplo, o Cristiano Ronaldo!
M: O Usain Bolt tem o biotipo perfeito para corridas de curta duração. Seu 1,95 metro de altura, distribuído em pernas compridas, faz com que ele precise dar menos passos para completar a prova.
G: Isso aliado a muita prática!  
M: Esse biotipo ajudou Bolt a subir oito vezes no topo do pódio olímpico no período entre 2008 e 2016.  
G: Outra atleta que impressiona pelo número de pódios é a ginasta Simone Biles. Ela tem mais prêmios do que idade: com 22 anos, já levou 25 medalhas para casa. Isso faz dela a ginasta mais premiada do mundo. E você, Mariana, com 22 anos, o que você já conseguiu, hein?
M: Eu, com 22 anos, só tenho um diploma! E quem também coleciona recordes é o nadador Michael Phelps: ele tem 37 recordes mundiais no esporte e é o maior medalhista olímpico de todos os tempos. 

(Entra áudio de narração de Galvão Bueno durante Olimpíadas de Pequim, em 2008)
Só um gênio para ganhar essa prova! Michael Phelps, braçada com braçada! Milorad Čavić (nadador sérvio)! Vai perder, vai ganhar, vai perder, vai ganhar, perdeu! Ganhouuuuu! Michaeeeeeeeeel Pheeeelps dá batida de mão!

M: Pessoas assim fascinam e abrem o debate. 
G: Todo esse sucesso pode ser construído ou é genético? 

(Encerra “Carruagem de Fogo” e entra música tema dos filmes de Rocky Balboa, “Gonna Fly Now”)

G: Muitos atletas de ponta se consagraram pelo esforço e pela dedicação.
M: Mas também têm aqueles que ganharam na loteria genética e vieram com o corpo pronto para quebrar recordes. Segundo os especialistas com quem a gente conversou, o potencial genético é o fator determinante para a formação do superatleta. A capacidade aeróbica, o perfil da fibra muscular e até as enzimas que trabalham o oxigênio dentro das células influenciam no potencial do esportista. 
G: Associado a isso, há muito trabalho de treinamento e de nutrição. 
M: É através da alimentação que o atleta encontra nutrientes que potencializam o seu biotipo e melhoram o desempenho.
G: Um exemplo disso é o próprio Cristiano Ronaldo, como eu estava dizendo (risos). Além de ser extremamente dedicado aos exercícios físicos, o atacante português usa o que tem de mais moderno na Medicina para melhorar o condicionamento físico. A dieta dele, por exemplo, foi feita a partir de um teste genético.
M: Teste genético, como assim?
G: Então, especialistas analisaram o DNA do jogador para identificar as características dele. A partir disso, foi montado um programa alimentar personalizado. O objetivo é reduzir a massa muscular do jogador aos poucos, já pensando no futuro. Assim, ele consegue manter a velocidade e o rendimento e esticar a carreira por mais tempo.
M: Realmente, é um robozão! Nós já vimos que só a tecnologia não é capaz de formar um superatleta. Mas, se ela for aliada aos fatores genéticos, as inovações contribuem muito para melhorar a performance. Um exemplo disso são os avanços científicos que não mexem diretamente com o corpo ali do esportista, mas que fazem a diferença na hora da competição. 
G: É o caso dos supermaiôs. A roupa da marca Speedo foi desenvolvida em parceria com a Nasa, a agência espacial norte-americana. O traje surgiu lá em 2008, na época das Olimpíadas de Pequim. O maiô tecnológico era fabricado em tecido ultraleve, sem costuras e com estabilizadores. Ele proporcionava menor atrito com a água e melhor desempenho aos atletas.
M: É, e o surgimento de algo assim iniciou um debate sobre o uso de roupas especiais no esporte: até que ponto isso é justo? Um ano depois, a Federação Internacional de Natação criou parâmetros para os trajes e proibiu o uso desses supermaiôs. 
G: Outro superatleta que passou por um caso semelhante foi o queniano Eliud Kipchoge. Ele foi o primeiro maratonista a completar os 42 quilômetros da prova em menos de duas horas.
M: Mas isso também rende pano pra manga: a Federação de Atletismo investiga o tênis usado pelo Kipchoge. A linha de calçados da Nike rendeu uma vantagem para os atletas que usaram. E, depois de o queniano romper a barreira de duas horas, a possibilidade da vantagem em relação aos demais tá em análise.
G: É, essas histórias chegaram a ficar marcadas como dopings tecnológicos. O doping é o uso de substâncias que podem alterar a resposta do corpo frente a um estímulo. Uma resolução de 1967 do Comitê Olímpico Internacional dividiu essas substâncias em cinco categorias: são os narcóticos, os anabolizantes, os estimulantes, os diuréticos e os hormônios.
M: Quando o atleta usa essas coisas, o objetivo dele é potencializar o rendimento, a força, a agilidade ou até perder peso. Nas competições oficiais, como as Olimpíadas, os atletas se submetem a um exame para comprovar que não fizeram uso dessas substâncias proibidas. 
G: E é importante dizer também que existe uma diferença entre doping e suplementação. Têm atletas que não conseguem amenizar a deficiência de substâncias só com a alimentação ou com exercícios, então eles precisam recorrer à suplementação. 
M: E para deixar tudo isso mais claro, a gente conversou com especialistas que trabalham com esses atletas ou que estudam o assunto. 

(Fim da música “Gonna Fly Now” e início de trilha sonora do episódio)

M: Nem todo avanço científico e tecnológico é capaz de superar a força da genética. Os especialistas concordam que o grande determinante para a formação de um superatleta é mesmo o seu DNA. 
G: Nós conversamos com o Turíbio Barros, que é doutor em Fisiologia do Esporte e do Exercício, para entender melhor isso.

Turíbio Barros: Existe um quadro genético ideal para cada modalidade. Por exemplo, o Usain Bolt tem um perfil genético especificamente designado para ter uma enorme velocidade, potência e força de membros inferiores. Ele nunca seria um grande corredor de maratona. Por outro lado, o atleta queniano (Eliud Kipchoge) que correu a maratona em menos de duas horas tem um perfil genético exatamente inverso do Usain Bolt: ele tem predominância de células de contração lenta no músculo e é geneticamente concebido para ser um grande atleta de corridas de longa distância. Ou seja, existe o perfil para cada modalidade esportiva. Essa herança genética é soberana em relação a qualquer influência científica ou tecnológica.

G: É, Mariana, eu acho que você realmente não tem mais chances de virar uma super jogadora de vôlei (risos). É, mas não basta ganhar na loteria genética para virar um superatleta. Além de nascer com o código genético adequado, é preciso muita dedicação aos treinos. 
M: Em alguns casos, aprender a técnica é tão importante quanto ter o DNA certo. 

Turíbio Barros: Algumas modalidades esportivas têm uma enorme predominância da herança genética por depender exclusivamente do desempenho físico do atleta. Por outro lado, existem algumas modalidades em que o aprendizado e a técnica predominam, às vezes, até sobre o potencial físico. É o caso, por exemplo, do salto com vara. Mas sempre vai existir, também por trás, um potencial genético adequado para cada uma dessas modalidades.  

G: Já tem gente estudando forma até de potencializar esse código genético para melhorar o desempenho dos atletas. 
M: Quem explica melhor é o Turíbio.

Turíbio Barros: Hoje, ainda parece estar muito distante, mas existe uma grande controvérsia a respeito da eventual possibilidade de se alterar esses genes, de se alterar o código genético. Esse é o tipo de providência que chega a ser até assustador, porque, num futuro não muito distante, muito provavelmente nós vamos ter atletas concebidos geneticamente.

G: Além das qualidades natas, os fatores externos podem ajudar a melhorar a performance dos atletas. Para a nutricionista da Seleção Brasileira Feminina de Futebol, a Mildre Souza, a alimentação interfere no desempenho dos esportistas e auxilia na formação de um superatleta.

Mildre Souza: É claro que a alimentação interfere no desempenho desses atletas. Tudo aquilo que qualquer atleta (disputa), desde aquele que está começando a carreira até o medalhista olímpico, vai sofrer influência da dieta consumida no dia a dia. Até porque não é a dieta na hora da competição ou naquele mês de preparo, na semana de preparo, que vai influenciar somente nesse processo. É a influência de quase toda uma vida, de todo um preparo enquanto atleta. É uma influência sofrida pelo consumo de nutrientes, de macro e de micronutrientes, de proteínas, gorduras e carboidratos, vitaminas e minerais. 

M: Assim como os treinos, a dieta varia de atleta para atleta. Os alimentos indicados a cada esportista mudam de acordo com a modalidade que eles praticam, com o sexo, com características físicas e com as deficiências nutricionais de cada um. 
G: Ficou curioso pra saber como é montado e o que tem no cardápio dos jogadores de futebol? A Mildre conta para a gente:

Mildre Souza: É assim que funciona: todos os atletas recebem uma orientação nutricional individualizada, personalizada. Todos os atletas sabem quais são suas necessidades, pois elas são baseadas em cálculos que fazemos para suprir as necessidades nutricionais daquele indivíduo: homem ou mulher, idade, altura, peso, características de posição em que joga. Existem características diferentes para as várias posições do campo. Mas é muito comum e corriqueiro a gente respeitar o cardápio do brasileiro, que é sempre baseado em arroz, feijão, uma fonte de proteína, de preferência magra. Pode ser peixe, frango ou até uma carne magra, sendo que a carne é a preferência, especialmente no futebol. Também damos preferência para frutos do mar regionais, especialmente os peixes e, obviamente, uma variedade muito maior de frutas, legumes e verduras.

(Entra a música “É uma Partida de Futebol”, da banda Skank)
Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer o gol
Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?
(Encerra a música e volta para trilha sonora do episódio)

M: A fase do campeonato em que o jogador se encontra é outro fator que influencia na dieta. Existem, por exemplo, nutrientes essenciais que devem ser consumidos no período de recuperação entre uma partida e outra.
G: O uso de suplementos alimentares também é individualizado conforme as necessidades de cada atleta.

Mildre Souza: A suplementação sozinha não consegue fazer com que o atleta atinja seus melhores níveis se ele não cuida da sua alimentação no dia a dia. Essas necessidades vão sendo modificadas ao longo do calendário, ao longo do ano competitivo, e ao longo daquilo que o atleta vai apresentando de necessidade: se ele precisa ganhar mais massa muscular naquele período, se ele precisa perder alguma coisa de peso. Especialmente se ele precisa se recuperar de uma competição para a outra. E, como eu costumo brincar sempre com meus atletas, a cerejinha do bolo é a suplementação.

(Fim da trilha sonora)

M: Oh, Guilherme, eu fiquei com uma dúvida aqui: a Mildre falou de suplementação, mas qual é o limite até ser considerado doping? 
G: Pois é Mariana, como diria o monstro Léo Stronda: “No pós-treino minha shakeira ‘tá como? (Mariana canta junto) Sempre lotada. É whey, malto, gluta e outras parada”. (Risos)

(Entra música “Bonde da Maromba”, do Bonde da Stronda)
Léo Stronda: (…) e outras parada
Duas em duas horas não deixo pra depois

G: Não me pergunte o que são “outras parada”, mas posso te dizer que existem substâncias de uso permitido aos atletas. 

(Fim da música “Bonde da Maromba”)

G: Elas servem para amenizar alguma deficiência que não é superada nos treinos ou na alimentação.
M: Quem explica isso melhor é o endocrinologista Clayton Macedo. Ele é especialista em Medicina do Exercício e do Esporte:

(Entra nova trilha sonora)

Clayton Macedo: Na realidade, a suplementação no esporte, deve suplementar – como o próprio nome diz – o que a alimentação não consegue suprir. Bem orientado, o paciente pode ser beneficiado com o uso desses suplementos alimentares, quando bem indicados. Lembrando sempre que nós estamos falando de alto rendimento: mesmo com muitos suplementos, o benefício é pequeno. Mas, às vezes, um ganho de performance pequeno, em torno de 1% a 3%, já pode ser o suficiente para esse atleta mudar a posição do pódio ou ganhar a sua medalha. 

(Entra a música “We are the champions”, da banda Queen)
We are the champions, my friends
And we’ll keep on fighting
‘Til the end
(Tradução: Nós somos os campeões, meus amigos / E nós continuaremos lutando / Até o fim)

G: Já vimos que o DNA é determinante na formação de um superatleta. E cada modalidade esportiva pede características genéticas específicas. 
M: A endocrinologia vem estudando a influência de fatores ambientais e alimentares que não alteram a sequência do DNA, mas que mudam algumas características e dão algumas vantagens em relação aos outros. O doutor Clayton explica isso melhor para gente:

(Fim da música “We are the champions” e volta a trilha sonora)

Clayton Macedo: O indivíduo já tem, geneticamente, uma predisposição para desenvolver um determinado tipo de esporte, uma determinada modalidade esportiva: isso a gente vê que tem a ver com raça, componente familiar, estatura, biotipo. E tudo isso é determinado geneticamente. Obviamente, o treinamento e alimentação são extremamente importantes, mas a genética é o grande determinante. Hoje, o que a gente tem visto bastante é a influência de fenômenos epigenéticos.

(VINHETA: Som de disco voltando, seguido de narração: “Momento Faraday!”)

Clayton Macedo: A epigenética é uma ciência que determina o quanto outros fatores que não exatamente o que está no DNA, no código genético do paciente, podem influenciar a síntese das proteínas mediadas pela regulação gênica. Então, por exemplo, alimentação intra-útero, temperatura, perfil de treinamento, exposição a agentes tóxicos, cigarro ou álcool, tudo isso aí pode transformar o gene e isso inclusive pode ser transmitido para a geração seguinte. Esses fenômenos epigenéticos acabam influenciando. Por exemplo, no caso de um atleta que teve uma deficiência nutricional intra-útero ou durante a primeira infância ou adolescência, essa deficiência pode se perpetuar e se manifestar inclusive em outra geração e atrapalhar o seu rendimento. 

G: Além da genética e da alimentação, outro fator é crucial para o nascimento de um superatleta: a estrutura que lhe é oferecida e a cultura esportiva do lugar onde vive influenciam no resultado final desses esportistas.

M: A professora do Departamento de Ciências do Esporte da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e líder do Grupo de Pesquisa em Ginástica, Laurita Schiavon, explica a relevância desses fatores.

Laurita Schiavon: O esporte de alto rendimento sempre vai envolver os sistemas organizacional, econômico e político, o que é muito complexo.  A autora holandesa Veerle De Bosscher, que pesquisa a questão do sucesso esportivo, num modelo que se chama Spliss, fala de políticas de esportes que influenciam no desenvolvimento do sucesso esportivo internacional. Ela divide isso em três níveis: macronível, que seria um contexto mais social, cultural, onde a pessoa vive; um mesonível, que seriam os fatores que podem ser influenciados por políticas esportivas; e o micronível, no qual entraria característica do atleta, dos pais, dos treinadores, algumas variáveis que podem ser controladas, como treino, e outras que não, como a genética, por exemplo.

(Entra a trilha sonora do quadro “Minha Vó tá Certa?”)

G: Mariana, eu já vi algumas entrevistas em que o pai do Bolt falava que o segredo para o desempenho dele era comer inhame.
M: Inhame? Eu já ouvi falar na batata-doce, mas inhame para mim é novidade. Será que isso realmente ajuda a ser mais rápido? Nós aproveitamos pra perguntar pra Mildre, que é nutricionista, se isso é verdade ou se não é.
G: A resposta a gente confere agora no quadro “Minha Vó tá Certa?”

Mildre Souza: O inhame é um tubérculo, uma fonte de carboidrato. Só que, particularmente, ele tem uma característica superbacana, que pode ter contribuído muito para a performance do Usain Bolt:  um índice glicêmico baixo e uma carga glicêmica baixa. O que significa isso? Ele consumia esse alimento e tinha uma fonte de energia para ser consumida ao longo da atividade dele. Ele consumia o inhame e era como se tivesse sempre sendo alimentado durante a sua atividade. Ele estava sempre sendo nutrido: a glicose correndo no seu sangue e nutrindo as células ao longo dessa atividade. Então, é uma excelente fonte de carboidrato para ele, que precisava ficar horas treinando, porque o tempo da corrida é sempre medido em segundos, mas o tempo de treinamento é um dia inteiro. Claro que isso estaria associado à genética dele e ao treinamento, mas, sim, o inhame contribuiu de uma maneira positiva para o Usain Bolt ser quem ele é hoje. Só vamos tomar cuidado porque ele é uma fonte de carboidrato e significa também que é uma fonte de calorias maior. Então, voltando e referendando sempre: toda dieta, todo plano alimentar, especialmente dos atletas, precisa previamente ser calculado pelos nutricionistas, para  saber a quantidade adequada de nutrientes que você deve estar ingerindo. 

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Manja do assunto!”)

M: E esse finalzinho de episódio tem uma participação superespecial de um superatleta. A repórter Marina Aragão conversou com o nadador César Cielo para entender como se formou esse fenômeno das piscinas.
G: É, ele ganhou uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Pequim em 2008. Aquele momento foi inesquecível para qualquer brasileiro que tava vendo. O César é um dos maiores medalhistas de natação do Brasil. O papo foi muito legal, confira aí:

(Som de chamada de vídeo no aplicativo Skype)

Marina Aragão (repórter): Fala, pessoal! Eu estou aqui por Skype com o César Cielo e hoje a gente vai bater um papo sobre os superatletas.

(Narrador esportivo Milton Leite: Cielo vem liderando, vai batendo a frente! Cééésar Cieeelo! César Cielo é tricampeão do mundo! Uma prova espetacular!
(Entra trilha sonora animada)

Marina Aragão: César, você bateu vários recordes ao longo da sua carreira na natação. Você se considera um atleta diferenciado por causa disso?

César Cielo: Eu nunca me vi como um talento diferenciado. Eu sabia que tinha algumas coisas que eu fazia bem, algumas coisas que eu tinha uma facilidade maior do que meus amigos, mas eu via muitas coisas que meus amigos faziam muito melhor do que eu. E isso me irritava, cara, isso me deixava meio bravo da vida. A minha diferença, eu acho, é que um dos meus grandes trunfos foi sempre me dedicar a ponto de fazer aquela coisa tão bem quanto aquela pessoa fazia naturalmente, ou melhor. Então podia ser que algumas coisas levassem quatro, cinco, seis meses para eu conseguir fazer tão bem quanto aquela pessoa fazia, mas eu não desistia até conseguir fazer. Eu sempre tive na cabeça que se algo foi feito por uma pessoa pode ser feito por outras também.  No final das contas, o campeão não é aquele que supera a derrota, é aquele que supera monotonia: a monotonia do dia a dia dos treinos é um inferno! É uma dificuldade inexplicável, e eu vou falar para você que acho que a natação deve ser um dos maiores desafios aí dos esportes olímpicos, porque a gente não tem música, a gente não conversa com ninguém… Ganhar dessa chatice diária aí: eu acho que é o maior trunfo do nadador de alto rendimento. É aprender a lidar com essa rotina diária de chatice, repetição incansável, e mesmo assim ter na cabeça que é desse jeito que você vai chegar onde você quer chegar.

Marina Aragão: Mas, Cielo, agora eu fiquei curiosa: conta como é essa rotina diária?

César Cielo: Olha, tem algumas coisas na natação que são mais culturais do que aplicáveis. Até hoje eu não sei porque a gente acorda tão cedo para cair na piscina. É meio que cultural nosso cair na piscina às 6 horas da manhã, às 5h30 da manhã. E essa é uma das partes da rotina de que eu menos gosto. São duas coisas que realmente me desafiavam o tempo todo: uma era dormir cedo, a segunda era acordar cedo, e terceira, a água fria. E a parte de dor, né. A gente tá o tempo inteiro brigando com a dor. Acho que esse é um dos outros desafios do esporte de performance, no qual o tempo inteiro você tá adaptando o seu corpo para aquilo que você quer fazer. Então você precisa daquela repetição, para o corpo sentir aquilo e se adaptar àquele cenário. Um final de prova que vai ser um final de prova dolorido, que vai ter muita acidose no corpo: a gente precisa recriar esse cenário no treino. E esse cenário é aquele que a gente termina o treino vomitando ou o cara fica rolando do lado da piscina 10, 15 minutos até ele normalizar. 

Marina Aragão: César, a gente também conversou com alguns especialistas para entender um pouco mais sobre os superatletas e eles falaram que, para além do treinamento, existe uma parte genética que é muito importante, como se fosse um talento nato. Você já chegou a receber algum diagnóstico dos médicos que te acompanham sobre isso?

César Cielo: Já. E eu vou falar para vocês que eu estraguei a maioria das pesquisas que eu fiz (risos). A maioria delas, acreditem ou não, volta com o resultado de que eu sou um atleta de provas de fundo. Dificilmente alguém virou para mim com exames genéticos e pesquisas e cravou que eu era um velocista. Então, eu fiz alguns acompanhamentos. Mas eu acho que o acompanhamento mais importante que eu fiz foi dentro da minha casa: meu pai é pediatra e a minha mãe é professora em treinamento esportivo, e a gente acompanhou meu crescimento. A gente viu que as epífises ainda estavam abertas nos exames que eu fazia, a gente ainda não tinha liberado a musculação. Então, eu consegui o crescimento que eu precisaria ter. Eu comecei a fazer musculação com 17 anos de idade. Esse acho que foi um dos acompanhamentos mais importantes que eu fiz para chegar na altura correta. É muito comum você ver hoje atletas de 14, de 15 anos já pegando pesado na musculação. Mas com relação à essa parte genética, eu tenho bastante resultado. Tem até um cientista que me acompanha hoje, e a gente faz um acompanhamento superlegal. No último teste que a gente fez junto, que chama dermatoglifia, acho que foi um dos testes mais legais que eu fiz até hoje: é onde ele vê as suas capacidades genéticas pela digital. É um trabalho da União Soviética, que vem desde os anos 1950. Eles vêm fazendo um cruzamento de dados, de um banco de dados que foi criado lá na União Soviética. Mas foi uma das pesquisas que eu fiz que mais deu certo. Esse, sim, acusou que eu sou um velocista, com uma coordenação motora legal. E usando essa base de dados que a gente tem, estamos buscando o próximo talento da natação brasileira. 

Marina Aragão: César, muito obrigada pela conversa!

César Cielo: Obrigado a vocês, gente! Que isso!

(Encerra trilha sonora animada e entra música “Waka Waka”, de Shakira)
Tsamina mina eh eh
Waka waka eh eh
Tsamina mina zangalewa
This time for Africa
(Tradução: Tsamina mina eh eh / todos juntos eh eh /Tsamina mina zangalewa / Anawa aa / Dessa vez é pela África)

M: Essa coisa aí de células,  de oxigenação, de genética… Isso está me lembrando as aulas de Biologia da escola. 
G: E esses conteúdos podem ser cobrados no vestibular. Para ajudar, nós chamamos o professor Thiago Madrigrano, do curso Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e da escola bilíngue Pueri Domus. Ele vai explicar como esses assuntos são abordados nas provas.

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Ajuda aqui!”)

Thiago Madrigrano: Pensando sobre os superatletas, um aspecto da Biologia que pode ser utilizado como pano de fundo para trabalhar conteúdos relacionados aos grandes vestibulares seria a fisiologia cardiovascular e respiratória. Os indivíduos tidos como superatletas, quando comparados com atletas normais ou com pessoas não atletas, eles apresentam características bem distintas. Uma delas é o ritmo cardíaco: a frequência cardíaca dessas pessoas tende a ser menor do que os demais atletas. Isso chama a atenção, porque o ritmo cardíaco costuma ser uma referência de desempenho do nosso corpo na hora de fazer uma atividade física. E saber que eles têm um ritmo cardíaco, uma frequência cardíaca levemente menor que os demais pode parecer conflituoso, mas na verdade não é: um coração, quando está em uma situação de extremo estresse, acaba tendo um ritmo cardíaco muito alto, e quando ele atinge elevados números de frequência, geralmente sentimos um cansaço muito grande. O fato de esses superatletas terem um ritmo cardíaco inferior ao dos demais atletas faz com que eles sintam menos cansaço a longo prazo e, obviamente, consigam desempenhar as suas atividades físicas por um tempo maior ou até mesmo com uma intensidade maior. Isso tudo está relacionado a como o corpo deles consegue distribuir oxigênio. E esse aspecto é muito importante pensando em vestibulares. O oxigênio é um gás necessário principalmente pensando em exercício para as fibras musculares conseguirem desempenhar as suas atividades, a sua função, que está relacionado muito a conversão de energia química em energia cinética. Enfim, essas são as principais características aí que, de repente, a gente podia trabalhar como pano de fundo para os vestibulares, pensando um pouquinho em Biologia. Então, é isso. Um abraço, tchau, tchau!

G: E agora, vamos ao prêmio mais inesperado da ciência mundial!

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Com vocês, Prêmio IgNobel”)

M: Tchantchanranran! O prêmio IgNobel de hoje é um tanto polêmico. Em 1980, o eugenista Robert Klark Graham criou um “Banco para Seleção Embrionária”. 
G: É, a intenção dele era obter esperma apenas de atletas olímpicos e pessoas laureadas com o Nobel. Os principais objetivos do Graham eram o aprimoramento genético da população humana e a criação de gênios pré-concebidos. 
M: O banco servia para aumentar o número de indivíduos “aptos” em uma população pela criação seletiva. 
G: Pelo que vimos no episódio de hoje, a ideia dele é cientificamente válida. Mas, pensando em ética, é um projeto bem contraditório. E de tão bizarro, foi parar no Prêmio IgNobel.

(Trilha sonora de encerramento do podcast Choque da Uva)

G: E este foi o Choque da Uva, o novo podcast de ciência que explica tudo o que você está a fim de saber. Eu sou o Guilherme Bianchini. 
M: E eu sou a Mariana Hallal. O roteiro é meu, Mariana Hallal, da Marina Aragão e do Levy Teles. 
G: A produção é de Luísa Laval, Heloísa Scognamiglio e Adriano Cirino. 
M: A edição ficou por conta do Bruno Nomura. 
G: Você pode nos encontrar nas redes sociais: nós somos o @choquedauvapod no Twitter, Instagram e Facebook. 
M: Esse é um produto da 30º turma do Curso Estado de Jornalismo. A gente se encontra no próximo episódio. Até lá! 
G: Tchau, tchau!

(Encerramento da trilha sonora)