Direto ao ponto
10:15 ”O componente guerreiro faz parte do gênero humano”, diz Roberto Godoy
13:25 A Segunda Guerra Mundial é a guerra dos físicos
18:51 Manja do Assunto: João Barone e seus livros sobre a Segunda Guerra Mundial
26:37 Minha Vó Tá Certa? Como descolar os dedos após o uso da supercola
28:21 Ajuda Aqui! Conhecimento e guerra
32:44 Prêmio IgNobel: Fuzileiros com prisão de ventre e guerra dos emus
Carla Menezes: Diego, o que você faz enquanto escuta podcast?
Diego Kerber: Geralmente, eu estou fazendo alguma coisa bem chata…estou tomando banho, lavando louça, vindo para cá. Até porque é ônibus é bem chato.
C: Geralmente, eu escuto quando estou fazendo algum jantar em casa, que não vai ser nada elaborado, vai ser um macarrão instantâneo.
D: Sim. Aliás, eu tinha visto em algum lugar, não lembro exatamente onde. Sabia que o cara que inventou o macarrão instantâneo, no Japão, ganhou uma das medalhas mais importantes de lá.
C: Eu acho que ele deveria ganhar todas as medalhas do mundo, porque ele acaba me salvando todo dia.
[Vinheta: Você está ouvindo: Choque da Uva, a ciência no cotidiano]
C: Eu sou Carla Menezes
D: E eu sou Diego Kerber
C: E esse é o Choque da Uva, o novo podcast que vai falar sobre ciência de uma maneira diferente. Nós também estamos nas redes sociais: @choquedauvapod no Twitter, Instagram, Facebook e Youtube.
[Entra “A Canção do Senhor da Guerra” – Legião Urbana]
Mas explicam novamente
Que a guerra gera empregos
Aumenta a produção
Uma guerra sempre avança
A tecnologia
Mesmo sendo guerra santa
Quente, morna ou fria
Pra que exportar comida?
Se as armas dão mais lucros
Na exportação
C: Então, vai aí uma dica: faça que nem eu e bote um macarrão instantâneo aí na panela enquanto a gente te conta uma história.
D: Exatamente. Bom, no fim dos anos 1940, o Japão estava destruído pela Segunda Guerra Mundial. Isso a gente sabe, né?
C: É. O país estava passando por dificuldades para se reerguer e contou com a ajuda de quem, né? Dos Estados Unidos, que entregou muito trigo a baixo custo.
D: O problema é que o governo japonês não sabia exatamente o que fazer com todo aquilo de trigo para saciar a fome do povo. Mas, em 1958, um cara chamado Momofuku Ando teve uma ideia muito sensacional.
C: Transformar o trigo em macarrão. Instantâneo.
D: Em três minutinhos, você tem uma solução rápida, prática, saborosa – e olha que é saborosa mesmo, hein? – e que estufa o estômago.
C: A solução deu para ele a medalha da Ordem do Sol Nascente, o segundo prêmio de honra mais importante do país para civis, perde apenas Ordem do Crisântemo.
D: E essa nem foi a única invenção da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, também saiu o computador.
C: Essa ideia genial saiu da cabeça do Alan Turing, que é considerado o pai da ciência da computação. Ele fazia parte de um projeto secreto projeto secreto britânico desenvolvido em Bletchley Park. Ele era professor da Universidade de Cambridge e já tinha tido a ideia de criar um computador universal que conseguisse resolver todos os problemas matemáticos, lá em 1936.
D: Exatamente. O Turing e a equipe dele queriam decifrar a máquina Enigma, usada pelos nazistas para trocar mensagens criptografadas. Mas por que era tão difícil resolver? Bom, essa máquina usava um sistema de rotores que variava a combinação todos os dias. Somadas todas as possibilidades, a mensagem podia ter mais de 150 milhões de combinações possíveis a cada dia.
C: Mas o primeiro computador eletrônico só foi usado pela primeira vez para decodificar a máquina Lorenz, usada apenas por Hitler para conversar com seus generais. O sistema era ainda mais complexo.
D: Aí nasceu o Colossus, que era um daqueles computadores que tomavam uma sala inteira, sabe? Ele foi um projeto liderado pelo Tommy Flowers, que era um engenheiro e foi chamado pelo próprio Turing para desenvolver o projeto.
C: Responsa, né?
D: Responsa! Esse computador foi usado entre 1943 e 1945, e tinha um sistema de 2.400 válvulas termiônicas e fitas perfuradas para servir como memória. A memória que a gente tem hoje no celular e no computador não existia nessa época. Então, a gente tinha que fazer uma gambiarra. A única função do Colossus era desvendar o mistério da Lorenz. E, no fim, não é que não deu certo? Aliás, deu muito certo. Afinal, o computador conseguir ler conseguia ler 5 mil caracteres por segundo. Isso foi importantíssimo, né, Carla?
C: Eu, como grande usuária no Twitter, você falando aí de 5 mil caracteres por segundo, fico imaginando quantos tweets dariam 5 mil caracteres. Mas…vamos lá! Foi com a ajuda do primeiro computador eletrônico – que fez com que eu pudesse tuitar, inclusive – com função específica que os britânicos descobriram que Hitler havia caído na armadilha do dia D. O líder da Alemanha Nazista mordeu a isca dos Aliados de que eles iriam desembarcar na praia de Passo de Calais, na França. Só que a invasão rolou na praia da Normandia, alguns quilômetros distante. Essa informação foi crucial para que os nazistas acabassem derrotados durante a campanha de 1944.
D: Como se tratava de projetos ultrassecretos, Flowers e o Colossus nunca receberam o reconhecimento global sobre o trabalho. Os americanos tiraram vantagem e trouxeram isso para as pessoas comuns alguns anos depois. Aliás, para quem quiser, fica a dica aí para ver O Jogo da Imitação.
C: Que inclusive concorreu ao Oscar…
D: E tinha o Benedict Cumberbatch, que é o Dr. Estranho de Os Vingadores, sabe? Mas o ponto não é esse. O ponto é que a guerra faz com que cientistas corram para resolver um monte de problemas. É o caso do macarrão instantâneo, do helicóptero e até da internet que você usa para ouvir esse podcast. Essas foram algumas das invenções nascidas durante o cenário de guerra ou de pós-guerra.
C: E aí a gente chega a questionamentos. Como ciência e guerra caminham juntas? Como algo usado para canhões e mísseis acaba chegando até a nossa casa?
D: Juro para você que a gente vai contar isso. Mas corre que acho que seu macarrão já está pronto.
Música: Die Ärzte – Schrei nach Liebe
D: Vamos falar a real? Guerra não é legal, tá? Muita gente morre, famílias são destruídas e um monte absurdo de recursos é usado para projetos bélicos sem sentido nenhum.
C: Mas também não dá para ignorar os avanços tecnológicos surgidos nas academias militares. E é justamente na guerra que a combinação entre mentes brilhantes e soluções criativas gera as invenções mais diferentes, arrojadas.
D: Dá para adivinhar, né? O grande segredo para isso é o dinheiro. De acordo com o Congressional Research Service, tipo um instituto de pesquisa de políticas públicas do Congresso Americano, na Segunda Guerra Mundial, foram gastos US$ 296 bilhões da época. É muita coisa!
C: Corrigido pela inflação, isso dá mais ou menos US$ 4 trilhões. É muita grana!
D: Só o projeto Manhattan, que criou a bomba atômica, teve mais de US$ 20 bilhões (em valor atualizado) gastos. Mas essa grana toda ajudou a popularizar invenções em vários campos. Exemplo disso é a penicilina, que, apesar de ter sido descoberta antes, começou a ser produzida em massa na Segunda Guerra.
C: Até que a tecnologia chegue à sua casa, isso leva um bom tempo. Mas parte do processo é acelerado em torno do esforço gasto para se pensar em como se melhorar a logística e redução de gastos de produção. Um dos sistemas de radar desenvolvidos no período é o Loran (Navegação de Longo Alcance, do português). O sistema acabou se tornando o precursor para o que viria a ser o GPS no futuro.
D: Inclusive, esse sistema de radares levou a modelos mais precisos de previsão do tempo. Esse avanço no estudo meteorológico, por exemplo, foi importantíssimo para a invasão dos aliados nas praias francesas do dia D dar certo. E também foi importante para mim, ainda mais aqui em São Paulo, onde nunca se sabe se vai chover ou não. Já salvou muito a minha vida.
C: Mas nem tudo são flores
D: Pois é. É como a gente falou lá no começo: guerra não é legal.
C: Foi com dinheiro de guerra que os americanos produziram a primeira e única bomba atômica utilizada como arma de destruição em massa. No dia 6 de agosto de 1945, um enorme cogumelo de fumaça tomou conta da paisagem da cidade japonesa de Hiroshima. A ação matou entre 90 e 146 mil pessoas, de acordo com as mais variadas estimativas.
D: E, como se isso não bastasse, três dias depois, eles fizeram a mesma coisa em Nagasaki. Quase 80 mil japoneses morreram, segundo estimativas.
C: No campo da medicina, a ética passou longe do método científico – principalmente para os alemães e os japoneses. Um dos mais terríveis médicos foi Josef Mengele, conhecido entre os próprios nazistas como o Anjo da Morte.
D: Ele fez vários experimentos macabros, que, no fim, não tiveram quase valor nenhum para ciência. Era ele que decidia, inclusive, se os presos em campos de concentração iam para o morte, para o trabalho forçado ou servir de cobaia para esses experimentos, como cirurgias sem anestesias e remoções de órgãos. Aliás, para quem não sabe, o Mengele morreu no Brasil, não é, Carla?
C: Verdade, Diego. Quando os soviéticos se aproximavam de Berlim, Mengele conseguiu fugir e acabou no Brasil, onde viveu uma vida anônima.
D: Curiosamente, ele seguiu sem ser descoberto até morrer em 1979, numa praia em Bertioga, no litoral paulista, por causa de um AVC. Claro que ninguém sabia que era ele. Mas, anos depois, chegou a informação de que aquele homem que morreu em Bertioga poderia ser o Anjo da Morte. Em 1985, uma equipe de cientistas forenses americanos, alemães e brasileiros foram descobrir se os restos mortais eram mesmo de Mengele. E eram. A informação foi confirmada com o exame de DNA feito em 1992.
C: Até agora, a gente tem falado de experimentos dos alemães, mas não foram só eles que conduziram terríveis experimentos.
D: Já na década de 1930, o Japão, durante a invasão da China, começou experimentos na unidade 731, que era um laboratório secreto, onde os médicos japoneses usavam chineses para testar experimentos como a injeção de doenças em corpos para estudar a reação deles.
C: Apesar de muitas das tecnologias às quais a gente tem acesso hoje terem surgido em contexto de guerra, o repórter especial do Estadão Roberto Godoy, que cobre segurança e tecnologia militar, acredita que é preciso lidar com essa associação de forma pragmática.
D: Na opinião dele, não dá para separar o ser humano da guerra. Diz aí, Godoy.
Roberto Godoy: A minha formação é na área de ciência social. Então, eu acho que isso tem muito a ver com o gênero humano. O componente guerreiro faz parte do gênero humano. As pessoas podem até, cinicamente ou no consciente, acreditar que isso pode ser diferente, que não é assim. Sinto muito, mas é. Nós somos predadores, sem dúvida alguma, territorialistas e, de certa forma, a gente gosta de exercer dominação, como espécie.
Música: Spanish Bombs – The Clash
C: Faz sentido….Para entender um pouco mais sobre a ligação entre guerra e ciência e as dimensões éticas disso, conversamos com Gabriel Amorim, pesquisador da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, a UFRB, e especialista em história da ciência.
C: Professor, a gente sabe que algumas dessas pesquisas ultrapassaram a barreira ética. Como a ciência lida com esses resultados?
Gabriel: Os argumentos se separam. Há dois grupos. Um vai dizer: ‘Não, isso é inadmissível. Foi produzido a partir de sofrimento e violência e tortura’. Outros vão falar: ‘Não, mas ela foi produzida a partir disso. Então, pelo menos que a gente faça dessa tortura, dessa violência, algo benéfico para outras pessoas. Que outras pessoas não precisem sofrer tortura violência e testes antiéticos para chegar aos mesmos resultados’. Não é simples usar ou não usar. Do ponto de vista ético, há dilemas sérios e a comunidade científica, em geral, teve a tendência de usar até sem questionar tanto. Os questionamentos são muito posteriores, muito mais dos investigadores depois. Mas, na época, em geral, os cientistas tendiam a incorporar de uma maneira mais natural, porque também a própria ciência tem a tendência a tirar o conhecimento do contexto produzido e pegar ele como uma peça de conhecimento, como uma peça de informação, independente de onde foi produzido.
D: Mas, professor… ciência e guerra sempre caminharam juntas, ou isso é um fenômeno característico do século 20?
Gabriel: Leonardo da Vinci, Galileu e Isaac Newton. Todos eles se preocuparam com questões militares na ciência, muito diretamente. Mas o século 20 modifica essa relação numa escala muito acelerada. O termo “guerra científica” aparece na Primeira Guerra Mundial ligado aos termos “guerra industrial” e “guerra mecanizada”. Entre 1914 e 1918, uma guerra que começa como uma guerra quase napoleônica, com cavalaria e espada, acaba com avião, tanque de guerra e guerra química. A Primeira Guerra Mundial foi chamada guerra dos químicos, pelo avanço das armas desse tipo. A Segunda Guerra Mundial, por sua vez, é mais a guerra dos físicos: bomba atômica, radar, submarino, energia nuclear. Mas esse processo, nas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, no século 20, se intensifica, se radicaliza de tal maneira que muda de patamar.
C: E quais foram esses avanços do século 20? E o que ficou disso para a tecnologia?
Gabriel: Se antes a relação era intrínseca, humana, tecnologia e conflito; tecnologia e guerra; ciência e guerra… Agora, no século 20, a relação é definidora do que vai ser a ciência. No pós-Segunda Guerra Mundial, toda essa Big Science surgiu: acelerador de partícula, energia nuclear, viagem para lua, exploração espacial. Tudo isso se deve diretamente ao esforço da Segunda Guerra Mundial. Há um documento chamado Science, The Endless Frontier (Ciência, A Fronteira Sem Fim), escrito por Vannebar Bush, físico e engenheiro ligado ao Projeto Manhattan, que cria a bomba atômica. No finalzinho da guerra, em 1944, o presidente Franklin D. Roosevelt escreve para ele uma carta pedindo um conselho: ‘A guerra vai acabar, nós fizemos um esforço monumental, criamos milhares de laboratórios, aplicamos milhões de dólares, formamos muita gente, desviamos gente de áreas de pesquisa para áreas militares, para pesquisar radar, para quebrar código. Matemáticos, linguistas, físicos, biólogos, foram desviados para treinamento de guerra. O que é que faz com isso agora? Que a gente faz com toda essa monstruosidade que a gente gerou?’. Aí Bush dá essa resposta, que é o Science, The Endless Frontier, e vai dizer: ‘Isso aí criado na guerra vai ser melhor ainda na paz, porque agora a gente vai aproveitar essa infraestrutura para gerar frutos para o desenvolvimento’.
D: Para terminar, a gente não vive uma grande guerra mundial, mas há diferentes confrontos espalhados pelo mundo, com a participação de grandes potências, inclusive. O que o século 21 traz de novo nesse processo de associação entre guerra e ciência?
Gabriel: No século 21, a gente aprofunda ainda mais essa relação. Tem um autor que diz que a relação é como se fosse um líquen, uma relação de coorganização entre ciência, tecnologia e esforço bélico militar – hoje, a gente chama de guerra híbrida essa mistura de guerra cibernética, informacional e tecnológica. Tem a ver com você atingir não apenas desenvolver novos veículos, novos mísseis, novas bombas. Mas você desenvolver tecnologias de contra-informação, tecnologias de desinformação, tecnologias de afetar a infraestrutura. Se a gente pensar do ponto de vista do esforço médico mais direto, o surgimento de drones é muito importante, porque modifica completamente essa relação, porque usamos objetos não tripulados. O drone está atirando no Afeganistão, enquanto o controlador está dentro de uma cabine no Pentágono. Isso tem tudo a ver com essa intensificação do uso de tecnologias pelos militares. Claro, o departamento de defesa dos EUA é um dos que mais investem em ciência e tecnologia há muitos anos e esse investimento nunca cai. Os militares, o Pentágono, especificamente, estão cada vez mais interligados a todo o desenvolvimento no setor. Como vocês comentaram, internet, mas também câmeras de vigilâncias, telecomunicações, controle de informações e transporte. Tudo isso está completamente ligado a interesses militares, a interesses bélicos.
C: Muito obrigado pela participação , professor!
[Entra a canção “Gimme Shelter” – The Rolling Stones]
[Entra “Also Sprach Zarathustra, Op. 30” – Strauss, do filme “2001: Uma Odisséia no Espaço’]
C: Quem é amante da Sétima Arte, assim como o grande piloto de van Maurílio dos Anjos, vai pegar a referência…
D: Um beijo pra você, Maurílio!
C: A referência é o filme 2001: Uma Odisseia no Espaço. Você lembra da cena de abertura desse filme? Acho que pode ser uma boa alegoria para tudo isso que a gente tá vendo aqui.
D: Ué, como assim?
C: Lembra aí, ó: tem uns macacos, provavelmente lá do Paleolítico… Até que um deles vê uma ossada, pega um fêmur e usa como porrete para sair destruindo tudo. Os outros macacos percebem isso e aí nasce a pancadaria generalizada, também conhecida como guerra, nesse caso.
D: Estou começando a lembrar, mas o que acontece depois?
C: Vamos lá. Vou tentar descrever para vocês. Um dos macacos joga o osso para o alto, até aparecer um corte brusco para o espaço. Seres sem linguagem, que se organizam a partir do conflito. Como uma metáfora de que a humanidade nasce na fusão de tecnologia, guerra e conflito…
D: Agora que você falou, realmente, faz muito sentido.
[Vinheta: Manja do Assunto]
“Música: Lanterna dos Afogados” – Paralamas do Sucesso
C: Se você está achando o programa um pouco denso e cansativo, essa é a hora de recarregar a bateria porque vamos falar com o baterista [Efeito sonoro de bateria]… pegou o trocadilho?
D: Nossa, essa piada foi horrível, Carla.
C: Mas falando sério, nosso repórter Matheus Figueiredo falou com o João Barone, que é baterista do Paralamas do Sucesso.
[Faustão: Atenção para a chamada: João Barone, Bi Ribeiro, Herbert Vianna…Paralamas do Sucesso].
Matheus: Ele é mais conhecido como baterista dos Paralamas do Sucesso, mas também é um grande estudioso da Segunda Guerra Mundial. João Barone já publicou dois livros, produziu um documentário e uma série de TV sobre o tema. Para começar, por que o baterista de uma das maiores bandas da história do Brasil tem tanto interesse pela Segunda Guerra Mundial?
João Barone: O meu interesse pela Segunda Guerra passa muito pelo fato de meu pai ter sido um pracinha da FEB. Ele era um soldado da Força Expedicionária Brasileira que teve de ir para a guerra. Um dos 25 mil soldados brasileiros que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Lá em casa, a gente tinha uma noção dele, um imaginário dele como sendo aquele herói silencioso que participou da guerra. O meu pai não era militar, era apenas um brasileiro comum. Quando ele falava da guerra para a gente, ele não glamourizava, ele falou que foi uma coisa muito terrível, muito horrível, que ele viu muita gente sofrendo, muita destruição e que todo mundo que vai para guerra não quer saber de guerra mais. Ele não teve nenhuma sequela nem nada, ao contrário de muitos brasileiros que foram para lá e voltaram com traumas, problemas psiquiátricos e tudo mais. Então, ele apenas contava esse lado politicamente correto da guerra, ele nunca glamourizou a guerra para gente.
M: João, conta para a gente quando você começou efetivamente a produzir conteúdo sobre a participação brasileira na Itália?
J: Ali no final dos anos 1990, eu acabei fazendo um antigo desejo se tornar realidade que foi comprar um Jipe da Segunda Guerra. Então, eu comprei o Jipe e restaurei. Aqui no Rio a gente fundou um clube de interessados em veículos militares antigos. Então, a gente acabou ficando mais próximo dos veteranos da Segunda Guerra nesses eventos que acontecem no 7 de Setembro, no famoso dia 8 de Maio, que é o dia da vitória. Eu comecei a meio que tentar fazer esse trabalho de valorização dessa página da nossa história que é tão interessante, tão cheia de episódios incríveis. O Brasil nos anos 1930, como que a gente acabou entrando no maior conflito armado da história da humanidade.
M: A sua obra sobre os pracinhas, os oficiais brasileiros que foram lutar na Segunda Guerra Mundial, conta muito a abordagem diferente que eles tiveram com relação aos italianos. Qual foi o diferencial dos brasileiros entre os aliados?
J: Os brasileiros, enquanto latinos, sentiam muito o sofrimento. Inclusive, uma coisa que meu pai falava muito era de como eles viram crianças e velhos sofrendo, então promoviam eventos na cidade para dar comida, dar mingau para população local. Os brasileiros acabaram ficando com essa lembrança muito terna do povo italiano de terem ajudado as pessoas que estavam necessitadas naquele momento tão terrível de destruição e morte. Tem uma história que exemplifica muito bem isso. Os brasileiros chegavam no meio de uma praça de uma cidade e promoviam panelões de mingau para população. Em alguns lugares do norte da Itália, a palavra mingau virou sinônimo de coisa boa entre os italianos, entre a população local. Tem um amigo meu, que é um especialista na participação brasileira na Segunda Guerra, um cara que mora em Montese, uma cidadezinha que foi libertada pelos brasileiros, a troco de muito combate contra os alemães. Ele conta essa história que os ingleses, quando tinham de ir embora de um acampamento, cavavam um buraco e jogavam tudo que tinha de sobra — cobertor, comida e remédio– e ateavam fogo em tudo que tinha ali dentro. Os americanos, quando tinham de ir embora, eram um pouco mais gente boa. Eles davam esse resto de coisas para população. Quando chegavam os brasileiros, eles dividiam a comida deles com a população local.
M: João, você conta que adquiriu uma paixão pelos carros utilizados na Segunda Guerra. Você acredita que houve uma evolução da indústria automobilística naquele período?
Tanto pelo lado dos inimigos quanto pelo lado dos aliados. Você vê, por exemplo, os americanos tiveram a vantagem de estar longe dos fronts de combate. A indústria americana ficou imune a qualquer tipo de ataque, de bombardeio. O veículo militar mais produzido durante a Segunda Guerra era um caminhão seis por seis, caminhão de três eixos, de 2 toneladas e meia, que era o caminhão que levava todos os meios pras frentes de combate. Fabricaram mais de 600 mil caminhões de 2 toneladas e meia, que foi o que fez a guerra pender para o lado dos Aliados. Os russos, por exemplo, eles conseguiram levar toda a produção siderúrgica deles pra atrás dos montes Urais para ficarem protegidos dos bombardeios. Na verdade, quando você tá com uma situação tão terrível como foi a guerra e a necessidade de debelar um inimigo tão terrível quanto foi o nazismo na época, o fascismo, o imperialismo japonês, acho que se juntaram meios para poder resolver essa parada de uma maneira definitiva. A gente viu, ao longo da Segunda Guerra Mundial, algumas das grandes invenções da humanidade ganharem a coisa real. O avião a jato, por exemplo, que hoje a gente vê com tanta tranquilidade, os primeiros jatos foram usados na Segunda Guerra Mundial. Dali a pouco estavam virando aviões para levar gente para outro planeta. O radar… Culminando com a força devastadora da energia nuclear, que hoje é usada em prol da medicina de forma espetacular, ajudando a curar, a prevenir doenças e tudo mais.
[Entra Música: Miss Sarajevo – U2]
Minha vó tá certa?
C: Quem foi de aprontar aventura em casa com certeza já quebrou alguma coisa para usar a famosa supercola para juntar depois. E não tem coisa mais chata do que colar os dedos com esse treco.
D: Mas de onde surgiu esse assunto da supercola?
C: Também é uma invenção da Segunda Guerra, como foi a lata de aerosol, o microondas, o nylon, o teflon da panela antiaderente…
D: Faz sentido. Então, quer dizer que o Minha Vó Tá Certa de hoje vai ser como desgrudar o dedo de supercola?
C: Exato. A gente conversou com o mestrando em química da Universidade Federal de Minas Gerais, Lucas Cavalcante, para entender como se livrar desse negócio.
Lucas Cavalcante: Como descolar as partes do corpo que foram coladas com supercola? Se você se colou com supercola, primeiramente não se desespere. É possível removê-la. Podemos remover as colas utilizando solventes com natureza semelhante à fase dispersora utilizada nesses produtos. Por exemplo: para remover a cola branca de uma superfície podemos utilizar a água, que é a mesma fase dipersora que se utiliza nas colas de PVA, como as colas escolares. As supercolas, por outro lado, não usam solventes como fase dispersora. Mas o polímero, o policianoacrilato, ele é parcialmente solúvel em água e bastante solúvel em cetonas. Então, se você colou o dedo, molhe-o com água morna e friccione a região. Certamente, depois de um tempo, será possível remover a membrana plástica de policianoacrilato. Ou, então, embora isso seja menos utilizado, mas é igualmente efetivo, pode se embeber um algodão com removedor de esmaltes para unhas e passar na região do mesmo modo. Os dois métodos são bastante eficientes e pouco invasivos. Em hipótese nenhuma tente puxar a membrana plástica que se forma, pois uma fina camada de tecido pode permanecer aderida à cola, levando a lesões.
D: Mas vamos falar agora de coisa ainda mais séria: o vestibular. E aí entra o quadro Ajuda Aqui, em que a gente chama professores para falar como o tema do episódio pode cair na prova. Muito legal! Agora a gente vai para o nosso quadro Ajuda Aqui.
[Vinheta: Ajuda Aqui]
[Entra música: Ashes in the Fall – Rage Against the Machine]
C:. A gente conversou com o professor Elias Feitosa, do Cursinho da Poli, que nos explicou que guerra é um assunto muito comum nos exames brasileiros.
Elias Feitosa: “É possível estabelecer uma relação entre o avanço científico e o contexto de um processo de uma guerra? Sim, é possível. Não dá para estabelecer que uma coisa depende da outra. Então é necessário que houvesse um conhecimento anterior, que ele fosse se acumulando e gerando novos conhecimentos. Então, assim, dentro de uma determinada situação talvez a produção de um certo objeto, a produção de uma certa tecnologia, pudesse se tornar mais acelerada. Por exemplo, o projeto Manhattan, que era o nome secreto do projeto atômico estadunidense. Ele foi incentivado pelo cientista Albert Einstein, radicado nos Estados Unidos, fugindo da Alemanha nazista, que informou o presidente Roosevelt naquela ocasião que a Alemanha desenvolvia um projeto nuclear avançado com o objetivo de produzir arma de energia nuclear. Então, Roosevelt deu verbas e recursos para que as forças armadas dos Estados Unidos produzissem algo semelhante. Mas ninguém sabia ao certo quanto tempo levaria, se seria exitoso ou não. Então, isso é fruto de um contexto de um avanço que desenvolveu ao longo do final da década de 1930, no conjunto do contexto da guerra. Mesmo em guerras anteriores como, por exemplo, na Primeira Guerra Mundial, as armas de destruição em escala maior como metralhadoras, tanques de guerra ou mesmo armas químicas, isso é fruto de um contexto que já vinha se desenvolvendo antes.
Dentro da guerra, sim, há necessidade da destruição do inimigo, da vitória pelas partes, por cada parte envolvida, mas não dá para dizer que o avanço é maior nesse contexto. E também é importante lembrar que quando se fala de ciência, ciência é a reflexão e a investigação sobre um determinado tema, num determinado assunto, com teoria, com metodologia com experimentos em vários campos, não só no sentido mais prático, mais pragmático, digamos assim, da civilização. Então, o conhecimento não tem uma utilidade imediata, ele vai se desenvolvendo, vai se acumulando, vai se transformando. E isso aconteceu ao longo de toda a história humana, nos mais diferentes contextos. Mas a gente pode apontar algumas situações, como esse caso da tecnologia nuclear desenvolvida. Ou mesmo na Segunda Guerra, quando se fala do cientista alemão Wernher von Braun desenvolvendo o motor a jato. Então, sim, existem relações entre o avanço da ciência e o avanço da guerra, mas não de uma forma direta e imediata, mas fruto de todo um contexto de acumulação de conhecimento de aprimoramento tecnológico. O desdobramento disso pode, sim, levar a uma nova arma, a um novo sistema de defesa ou ataque ou dissuasão”.
[Vinheta: Com vocês, Prêmio IgNobel]
C: Já vimos que pesquisas para fins militares são motores para o desenvolvimento de muitas tecnologias.
D: É, mas nem todo estudo rende exatamente a mais genial descoberta da ciência.
C: Em 1994, o prêmio Ig Nobel de Biologia foi concedido a um grupo de quatro pesquisadores americanos que estudaram a etapa final do sistema digestivo de militares em serviço.
D: É isso mesmo que você está pensando. Os pesquisadores foram entender o que acontecia com 500 fuzileiros navais e marinheiros no famoso troninho.
C: Eles descobriram que, quando estão em campo, a tendência de que os militares tenham prisão de ventre é bem maior do que quando estão em casa.
D: Para entender isso, os caras desenvolveram duas definições para prisão de ventre. Uma delas é descrita como um período de mais de três dias sem ir ao banheiro. A outra se refere a lesões agudas no sistema anorretal.
C: Os resultados indicaram que, quando estão trabalhando, um terço dos marinheiros não consegue ir ao banheiro para fazer o número dois. Que problemão, hein?
D: Meu, que pesquisa mais maluca. Mas eu queria aproveitar esse quadro para contar uma história que eu estava lendo hoje, mais cedo. Dá tempo?
C: Não sei… Produção? Parece que sim, manda bala.
D: Essa história é sobre como a Austrália entrou em guerra com os emus.
C: Você ouviu direito: emu, a ave que parece um avestruz. É mais ou menos a mesma relação camelo-dromedário, lhama-alpaca… O ano era 1932. A Austrália estava assolada pela crise causada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929. E vamos correr para contar essa história que o tempo está acabando.
D: Foi uma crise pesadíssima essa de 1929. Uns dos que mais sofreram com a crise foram os agricultores australianos. Eles não tinha mais como vender seus produtos e sofriam com a peste dos emus, que simplesmente chegavam e destruíam a plantação toda.
C: Mas agora que o negócio fica bom. Esses agricultores eram veteranos da Primeira Guerra Mundial. Eles ganharam terras do Estado por seus esforços. Indignados, os veteranos foram reclamar com o governo. George Pearce, ministro da Defesa, concordou em enviar soldados com metralhadoras para abater os bichinhos – ou bichões, se você preferir.
D: Foi aí que começou a guerra. O que aconteceu? Eles foram para uma cidade ao sul e tentaram atirar nos emus. Conseguiram matar apenas 50 das aves. O problema é que havia mais de 20 mil. A questão é que os bichos pareciam conhecer bastante de táticas de guerra.
C: A gente jura que não está de brincadeira. Primeiro, eles corriam a mais de 40 quilômetros por hora e conseguiam resistir a algumas balas. Quando eram atingidos, os emus se dispersavam em pequenos grupos e saiam correndo desesperadamente.
D: Essa estratégia fez com que milhares de balas fossem desperdiçadas. Mas eles não desistiram. No segundo dia de campanha, eles foram atrás de uma hora de mais de mil emus, mas menos de uma dúzia foi abatida pelos soldados. O major da operação chegou a dizer – e juro que não estou inventando isso: “Se tivéssemos uma divisão militar com a mesma capacidade de tomar balas que essas aves, conseguiríamos enfrentar qualquer exército no mundo. Eles conseguem encarar metralhadoras com a invulnerabilidade de tanques”.
C: Essa guerra bizarra durou um pouco menos de um mês.
D: Os soldados até conseguiram resultados melhores na segunda campanha, mas os gastos com munição para matar um emu eram muito altos. Assim, acho que podemos dizer isso, os emus venceram a guerra contra a Austrália.
C: Olha… Mais ignóbil que isso realmente não dá para ficar. Acho que é hora da gente acabar o programa mesmo.
D: E este foi o Choque da Uva, o novo podcast de ciência que explica tudo o que voccê está a fim de saber.
C: Eu sou Carla Menezes.
D: Eu sou Diego Kerber.
C: O roteiro é de André Marinho e Levy Teles. A edição é de Mateus Figueiredo.
D: A reportagem é de Sandy Oliveira. A produção, de Brenda Zacharias e Victor Pinheiro.
C: Aproveita e segue as nossas redes sociais: somos o @choquedauvapod no Twitter, Instagram, Facebook e Youtube.
D: A gente volta na quarta-feira com um novo episódio. Até lá!
C: Tchau, tchau!