Com o que será seu mais novo acelerador de partículas, o Brasil quer se lançar à fronteira da pesquisa científica mundial. Da exploração de petróleo ao desenvolvimento de medicamentos e de peças mais leves e resistentes para componentes eletrônicos, o estudo de materiais em nível molecular beneficia a pesquisa em diversas áreas. A primeira etapa do Projeto Sirius, batizado com o nome da estrela mais brilhante do céu noturno, acaba de ser inaugurada em 14 de novembro. Dezenas de cientistas trabalham na iniciativa em Campinas, no interior paulista. À frente da equipe de Física está a pesquisadora Liu Lin.
Com obra estimada em R$ 1,8 bilhões, o Sirius é um dos dois únicos aceleradores de partículas do mundo com tecnologia de quarta geração – o outro fica na Suécia. “Ter um feixe mais brilhante e mais denso é como trabalhar com um instrumento mais preciso”, explica Liu, a líder do Grupo de Física de Aceleradores do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). Ela traduz a complexa importância do Sirius com uma analogia: “É como fazer um desenho bastante detalhado. Quanto mais fina a ponta do lápis, melhor será o resultado”.
Em termos práticos, é como um grande microscópio que permite analisar materiais em nível molecular. Isso permite, por exemplo, otimizar a exploração de recursos como o petróleo com o estudo de rochas e fluidos. Síncrotron é como se denomina uma radiação eletromagnética de alto brilho. Essas ondas são produzidas quando partículas eletricamente carregadas são aceleradas a velocidades próximas à da luz (cerca de 300 mil km/s) e têm sua trajetória desviada por campos magnéticos.
Quando estiver totalmente em funcionamento — até 2021, segundo estimativa —, a construção de 68 mil metros quadrados de concreto e aço vai produzir o feixe de luz mais intenso do mundo, entre os 60 aceleradores do tipo em operação. Isso representa um enorme salto em relação ao antecessor. Acelerador de segunda geração, o UVX é uma máquina que já deixou de ser competitiva e em breve deixará de funcionar, de acordo com os cientistas. Processos que demoram horas nele serão realizados em segundos no novo laboratório.
Entusiasmo pelas partículas
Liu nasceu na China e se mudou para o Brasil com apenas 2 anos. Conta que sua curiosidade por assuntos científicos se manifestou cedo, mas ela só decidiu por uma área específica depois de entrar para a faculdade de Física. “Meu interesse por ciência sempre foi muito amplo. Acabei optando por esse curso porque achei que fosse mais abrangente do que os de Engenharia”, lembra a pesquisadora de 54 anos. Retraída, Liu se transforma ao falar de seu trabalho. Já são mais de três décadas se dedicando ao desenvolvimento de aceleradores de partículas brasileiros.
Quando surgiu a ideia de se construir um acelerador de luz síncrotron no País, esse era um campo de estudo que ainda engatinhava por aqui. “Foi uma área que evoluiu desde o zero nesses 30 anos. A gente começou a estudar sem nenhum know-how prévio”, diz a pesquisadora, integrante do Conselho de Administração do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM). “Hoje estamos trabalhando em um projeto bem mais arrojado, algo que só foi possível pôr em prática por todo esse treino.”
Muito mais modesto em tamanho e pompa e defasado perto do irmão mais novo, o UVX foi por muito tempo a única máquina do tipo em todo o Hemisfério Sul. Em torno dele, o CNPEM foi fundado na década de 1980. Para chegar ao Sirius, passa-se antes pelo campus do centro de pesquisa, que congrega laboratórios de pesquisa da mais diversa sorte (entre eles o LNLS).
A mulher do grupo de viagem a Stanford
A relação de Liu com o UVX começou quando ele ainda estava em fase embrionária, antes mesmo de sequer haver projeto. Em 1982, ela participava de um grupo de iniciação científica na universidade, e um de seus professores fez parte das primeiras discussões, ainda bem etéreas, sobre a construção de um acelerador brasileiro.
Levou cerca de três anos até que a ideia tomasse corpo. Em 1985, um grupo de quatro cientistas viajou a Stanford, universidade americana onde já existiam alguns aceleradores. “Como não havia ninguém no Brasil com esse conhecimento na época, fomos estudar os aceleradores de Stanford. A ideia era desenvolver um pré-projeto, com noções de custo e planejamento, além de estimativas de tempo e desafios técnicos”, relata a pesquisadora. Dos quatro cientistas que participaram da missão, Liu era a mais jovem, com apenas 21 anos, e também a única mulher.
A viagem durou três meses e deu origem ao projeto do UVX, que só saiu do papel em 1987. “Foi um período curto, mas de aprendizado muito intenso”, lembra a cientista. Ao todo, foram aproximadamente dez anos de obras até que as instalações estivessem 100% operacionais. “Do ponto de vista técnico, foi uma grande escola para nós que trabalhamos na área de engenharia de aceleradores”, conta ainda.
Desde 2008, Liu integra a equipe de desenvolvimento do Sirius. A ideia inicial era construir um acelerador de terceira geração. Em 2012, depois de submeter o projeto a um comitê científico internacional para avaliação, foi tomada a ousada decisão de produzir um acelerador com brilho que superasse o das outras máquinas já existentes. O grupo liderado por Liu Lin foi responsável por redesenhar a rede magnética. “Começamos um projeto novo, bem mais desafiador, mas foi algo que todos toparam na hora. Os desafios técnicos retroalimentam a ciência e a engenharia. Naquela ocasião, o novo projeto encheu todos de entusiasmo.”