Nome que inspirou a principal lei sobre violência doméstica do País, Maria da Penha foi a vencedora do Prêmio Capitu, que reconhece a brasileira que mais faz pelas mulheres. Ela foi escolhida com 38,2% da preferência do público, em enquete que recebeu 9.245 votos. A seleção inicial dos nomes foi realizada pelas jornalistas da redação do Estado. As seis que receberam mais indicações foram Debora Diniz, Djamila Ribeiro, Elza Soares, Luiza Trajano, Maria da Penha e Marielle Franco. Entre 30 de novembro e 5 de dezembro, a votação foi aberta ao público pelo site do Estadão. Ouça os podcasts com cada uma das finalistas.
A trajetória de Maria da Penha
Caso representativo da violência contra a mulher no Brasil, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes ficou paraplégica depois que o marido lhe deu um tiro nas costas enquanto ela dormia. O processo foi marcado por um percurso conturbado. No primeiro julgamento, que ocorreu só oito anos depois da tentativa de feminicídio, o agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas saiu do fórum em liberdade graças a recursos apresentados pela defesa. O segundo julgamento, realizado cinco anos depois do primeiro, o condenou a 10 anos e 6 meses de prisão, mas também sem cumprimento da sentença.
A história de Maria da Penha foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA) em 1998, quando ganhou notoriedade internacional. O Estado se manifestou somente em 2001, quando a CIDH/OEA condenou o Brasil por negligência, omissão e tolerância perante a violência doméstica contra as mulheres.
A Lei nº 11.340, batizada de Lei Maria da Penha, em homenagem à farmacêutica, foi sancionada pelo então presidente Lula em agosto de 2006 — ela é considerada pela Organização das Nações Unidas (ONU) uma das melhores do mundo para o combate à violência contra as mulheres.
Indicada ao Prêmio Nobel da Paz em 2017, Maria da Penha continuou atuando em defesa dos direitos das mulheres. Desde 2009, quando fundou o Instituto Maria da Penha (IMP), ela fiscaliza o cumprimento da lei e busca desenvolver melhores práticas e políticas públicas para construir uma sociedade sem violência doméstica e familiar contra a mulher.
Confira os principais trechos da entrevista com Maria da Penha:
A cantora Elza Soares, que também concorreu ao prêmio Capitu, manifestou publicamente que votaria em você. Como recebeu a notícia de que estava entre as finalistas e como foi ver apoio de outras mulheres tão fortes?
São tantas mulheres que mereciam ser indicadas… Eu só agradeço a escolha de quem me escolhe. Agradeço porque a gente entende que a Lei Maria da Penha veio para cuidar da família e fazer as mulheres viverem seus relacionamentos sem violência.
A lei que leva seu nome é considerada pela ONU uma das melhores do mundo no combate à violência contra a mulher. Em que é preciso avançar?
Ainda precisamos que gestores públicos sejam mais comprometidos com essa causa. A gente tem visto que, nos pequenos municípios, as políticas públicas que fazem com que a lei saia do papel ainda não foram criadas. E a lei não pode sair do papel se não forem criadas essas políticas.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de mil agressões por dia foram registradas em 2017. O número pode ser maior se considerarmos subnotificações. Como o Instituto Maria da Penha vem trabalhando para desconstruir comportamentos machistas que levam a essas agressões?
A gente tem levado palestras para conscientização das pessoas. Temos mostrado a importância da educação. Um dos itens que estão presentes no relatório que a Organização dos Estados Americanos fez sobre meu caso e enviou ao Brasil justifica que toda cultura se constrói por meio da educação. E isso a gente não viu ser abraçado pelo governo federal. É necessário que o Ministério da Educação veja essa possibilidade de introduzir, nos níveis fundamental e médio, o respeito à mulher e orientar crianças e adolescentes sobre a Lei Maria da Penha.
Falando nisso, há um destaque na lei para que currículos escolares, em todos os níveis de ensino, tenham conteúdos relativos a direitos humanos, equidade de gênero, raça ou etnia. Isso deveria ser feito de forma transversal?
É necessário que haja interesse do Ministério da Educação em discutir e atender a essa norma internacional, solicitada por meio do relatório sobre meu caso. Quem trabalha nessa área precisa abraçar a causa para a gente desconstruir a cultura da violência.
E por que a senhora acha que, na prática, isso não acontece?
Esporadicamente, acontece. Em um município ou outro, diante da sensibilidade de professores, de algumas escolas, isso tem acontecido. Mas precisaria ser no Brasil inteiro. Em todas as escolas, os professores devem ser capacitados para esclarecer o porquê da violência doméstica, que é um problema cultural, para gente começar a desconstruir esse problema tão comum no nosso País e no mundo.
No fim de novembro, o presidente Michel Temer (PMDB) assinou decreto instituindo o Plano de Combate à Violência Doméstica. Como a senhora projeta a execução desse plano para os próximos anos?
Esperamos que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) abrace essa causa. É necessário que essa questão seja enfrentada pelo novo presidente.
A gente vê que muitas mulheres que sofrem violência doméstica não denunciam por medo. E até por não acreditar na efetividade da lei. Como podemos incentivar o registro das denúncias?
Essas falhas que as mulheres encontram na aplicabilidade da lei, dependendo da região, são coisas graves. E eu oriento às mulheres que precisam ser atendidas, para tomar uma solução sobre seu caso, que telefone para o número 180, colocando essa dificuldade que ela está sentindo e pedindo orientação. O número é gratuito e atende toda a população do Brasil, 24 horas, todos os dias da semana.
Quando há uma situação de agressão, pensa-se logo em punir o agressor. De que forma podemos sair do caráter punitivo?
A Lei Maria da Penha atende o agressor também, no sentido de que ele seja trabalhado para a desconstrução da cultura de agressor que ele tem dentro dele. Muitos fazem isso porque foram educados dessa maneira. Claro que existem agressores patológicos e que têm uma deficiência clínica sobre seu comportamento. Mas é muito importante que os Núcleos Reflexivos que existem em alguns Estados sejam reproduzidos em outros, para que esses agressores sejam conscientizados e que eles não reproduzam (violência) em outras relações.