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Após 16 anos, ‘Meninas Malvadas’ ainda tem fãs que decoram suas falas (Divulgação/Paramount)

Por que ainda amamos ‘Meninas Malvadas’ na era de solidariedade feminina?

Autora do livro que deu origem ao filme, Rosalind Wiseman viaja o mundo ensinando adolescentes a serem gentis dentro das escolas

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Em seu livro, Rosalind analisa papéis das garotas do ensino médio americano (Arquivo Pessoal/Rosalind Wiseman)

Lançado há 16 anos, Meninas Malvadas tornou-se rapidamente um clássico dos chick flicks e uma daquelas comédias que, assim como Atração Mortal (1988) e As Patricinhas de Beverly Hills (1995), capturaram com maestria a experiência social do ensino médio. Responsável por impulsionar a ascensão de estrelas como Lindsay Lohan, Rachel McAdams e Amanda Seyfried, o filme lançou Tina Fey como roteirista e é lembrado até hoje, por fãs que vão de Barack Obama a Ariana Grande.

No vídeo para thank u, next, Ariana insere Meninas Malvadas em uma miscelânea de homenagens a filmes dos anos 2000, interpretando uma versão mais amigável de Regina George, a “abelha-rainha” do longa-metragem. O tiro foi certeiro e, além de se tornar o assunto mais comentado do mundo por dias no Twitter, o clipe quebrou o recorde de maior número de visualizações em 24 horas do Youtube (55 milhões).

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Ariana em versão mais amigável da protagonista (Reprodução/Youtube)

Das telonas para os computadores e então para os palcos, o filme escrito por Tina foi transformado por ela mesma em musical da Broadway, arrecadando mais de US$ 1,3 milhão em sua semana de estreia. Mas, antes de tudo isso, houve o livro QueenBees & Wannabes (2002), escrito por Rosalind Wiseman e usado como base para o roteiro de Meninas Malvadas depois de ficar no topo de bestsellers do New York Times.

Na obra, Rosalind analisa o que chama de funções das garotas no ensino médio americano. Para isso, as identifica com termos como “abelha-rainha”, “aliadas”, “bajuladoras” e “fofoqueiras” e as divide em fronteiras culturais e sociais. “Muitas das histórias de Meninas Malvadas são de garotas com quem trabalhei e como elas viam o mundo, suas opiniões sobre tudo”, resume a professora, em entrevista ao Estado. Sobre o porquê de o filme seguir popular mesmo depois de tanto tempo, Rosalind acredita que os problemas que descreve são evergreen, “coisas que estarão sempre aí”.

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Após 16 anos, ‘Meninas Malvadas’ ainda tem fãs que decoram suas falas (Divulgação/Paramount)

Hoje, sob o comando da organização Cultures of Dignity, que busca trabalhar com comunidades o pensar sobre o bem-estar físico e emocional dos jovens, a educadora prega que os adolescentes têm de entender a consequência de seus atos: “Me dá esperanças ver que temos muitos jovens dispostos a mudar o mundo para melhor. E acho que isso é parte do sucesso atemporal de Meninas Malvadas”.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

O que te motivou a dissecar as relações sociais do ensino médio no livro QueenBees and Wannabes e, durante esse período de observação, o que se destacou sobre adolescentes, meninos e meninas?

Comecei ensinando o que hoje é chamado aprendizado social e emocional, mas na época não existia um nome de verdade para isso. À medida que comecei a ensinar, também comecei a escrever. Quis ensinar garotas sobre o que eu entendia das amizades entre elas e como isso as influenciava ao longo da vida, além das relações com rapazes. Ao mesmo tempo, também ensinava meninos. Fiz isso por vários anos, até que comecei a fazer coisas para os pais e decidi que precisava escrever um livro dedicado a eles, para que entendessem melhor seus filhos adolescentes.

Na verdade, acho que o mais surpreendente sobre os pais, até hoje, é que duas coisas são muito verdadeiras e, ao mesmo tempo, opostas. Eles conseguem se lembrar perfeitamente de como era quando eles foram adolescentes: quem foi mau com eles, seus amigos etc. E, ao mesmo tempo, ficam chocados com as experiências por que seus filhos e suas filhas passam.

Você esteve envolvida durante o processo de criação do roteiro do filme? Chegou a dar algum pitaco sobre o que ela poderia trazer para alguns personagens?

Sim, ela até mencionou esse período em Bossy Pants (livro de Tina lançado em 2011). Ela veio para Washington acompanhar um pouco do meu trabalho e eu a levei para algumas das minhas aulas. Ela me via ensinar e conheceu o pessoal com quem eu trabalhava. Ela meio que entrou na minha vida por um tempo para entender como eu trabalhava.

Qual foi a sua opinião sobre o resultado final?

Sabe, foi um sucesso, né? A Ariana Grande fez uma referência em thank u, next e é tudo muito surreal e estranho para mim. Quando eu escrevi o livro, não tentei fazer algo que as pessoas usassem de referência ou soubessem todas as palavras. Muitas das histórias de Meninas Malvadas são de garotas com quem eu trabalhei e como elas viam o mundo, suas opiniões sobre tudo. Sou basicamente uma professora focada em fazer com que as pessoas aprendam, principalmente sobre racismo, homofobia e preconceito.

No fim, sou muito grata por tudo, porque vivendo nesse mundo de garotas, aquilo é tudo o que conheço. Então, fico feliz com o sucesso do filme e surpresa de ver como as pessoas respondem a ele.

Você escreveu o livro há 16 anos. Hoje, vivemos em um mundo completamente diferente, especialmente para garotas. Como você avalia o impacto de fatores como as redes sociais nas relações entre adolescentes?

Alguns problemas são o que eu chamaria de evergreen, como a inveja, amigas se traindo ou sendo melhores amigas em um dia e desconhecidas no outro. Algumas coisas estarão sempre aí. Mas a forma como isso acontece hoje é realmente diferente. Por exemplo, eu sei um pouco sobre garotas ao redor do mundo porque viajo bastante. A quantidade de foco em mulheres sendo validadas por seu físico, e um tipo específico de corpo, é surpreendente.

Agora, com o Instagram, existe uma sensação geral de você não estar acompanhando. E nós sabemos que as meninas no Instagram estão modificando seus corpos e suas imagens, mas isso não impede que você se sinta insegura ou inadequada. Eu acho que as redes sociais fazem com que você se sinta muito orgulhosa das conquistas de outras pessoas, porque você olha para tudo aquilo e pensa ‘ela é tão melhor que eu’, mas aquilo tudo é falso.

No Brasil, por exemplo, eu tenho pouca experiência, e tenho muito respeito ao dizer que não sei muito (sobre o país), mas o mundo todo sabe que as mulheres daí são lindas e maravilhosas. E eu literalmente não consigo nem imaginar ser uma mulher brasileira, rodeada por mulheres deslumbrantes, enquanto as redes sociais estão constantemente te dizendo para ser mais, mais e mais do que você não é. Eu acho que fica mais difícil se sentir bem pelas coisas que você é no interior, do que pelo exterior.

Acho que a principal diferença hoje, com redes sociais, é essa sensação constante de você nunca ser suficiente. E você sabe que as pessoas ao redor do mundo estão ficando mais ansiosas, principalmente porque elas precisam fazer essas coisas novas. E esse é um problema muito sério.

Falando especificamente sobre os Estados Unidos, você disse uma vez que as maiores meninas malvadas de hoje estão no congresso americano. Alguns jornais já afirmaram que Donald Trump é o maior bullie do país. Como você vê o impacto de um presidente assim no comportamento de adolescentes?

Quando as eleições daqui aconteceram, eu estive com dois avós no dia após as votações que me disseram exatamente ‘Seu trabalho não significa mais nada, porque o maior bullie do mundo acabou de se tornar presidente’. Então, minha resposta é que não houve um aumento significativo em ataques racistas e antissemitas, mas sempre haverá pessoas que abusam do poder. E o que dizemos para os jovens é que essas pessoas sempre existirão, mas isso não é uma desculpa ou permissão para agir como um idiota. É algo crítico? Sim. Inconsistente? 100%! Racista? Sim. Mas não dá permissão a outras pessoas.

Algumas famílias e crianças tentam isso. Trabalho muito no Texas, e lá eles são ameaçados por outras crianças de serem deportados, porque agora esses adolescentes têm ‘permissão’ para dizerem essas coisas, já que o presidente também diz tanta coisa errada sobre imigrantes. Meu trabalho não é só ajudar os jovens a lidarem com isso, mas também conversar com os pais sobre não permitir que os filhos tenham esse comportamento e que sejam responsáveis pelos seus atos. Os jovens precisam pensar sobre a consequência.

As pessoas dizem que têm liberdade de expressão, mas é algo muito mais complicado. Crianças não têm liberdade de expressão na escola, existem várias restrições. Nós estamos muito confusos nos Estados Unidos sobre vários assuntos fundamentais. O problema é que muitos adultos em posição de liderança não estão agindo como adultos.

O Trump é muito bom em misturar racismo com sexismo e tudo mais. Ele não lê, é impulsivo, não liga a mínima para ninguém. Então o que você faz quando tantas pessoas apoiam alguém como ele? É muito difícil, mas fazemos o que dá. O que me dá esperanças é ver que temos muitos jovens dispostos a mudarem o mundo para melhor. E acho que isso é parte do sucesso atemporal de Meninas Malvadas porque ele chama as pessoas para refletirem sobre o comportamento de garotas no ensino médio.

Falando nisso, o que você achou de o filme ser referenciado em thank u, next?

Eu confesso que assisti só uma vez e fiquei confusa, o que acontece bastante comigo. E, quando isso acontece, pergunto para um grupo de adolescentes. Eles me disseram que isso era ela [Ariana Grande] explicando suas experiências com seus namorados, então cada filme é uma fase de suas experiências ao longo do término. E, bem, eu preciso assistir ao vídeo de novo, eu não sei.

O que me espanta é a similaridade entre o tipo de conteúdo que todos os adolescentes ao redor do mundo estão consumindo ao mesmo tempo. Como o vídeo da Ariana Grande, por exemplo. Aposto com você que posso ir a qualquer país neste momento e encontrar jovens dispostos a conversar sobre ele.

As frases de efeito do longa Meninas Malvadas são decoradas por completo pelos fãs. Você tem alguma preferida?

Sempre fico confusa entre o filme e o musical. Mas, de forma geral, acho que qualquer coisa dita pela Gretchen Winners (interpretada por Lacey Chabert) é hilária porque ela não tem personalidade nenhuma. Está sempre se questionando ‘será que eu gosto disso ou não gosto? Será que posso gostar?’