Você olha em volta e vê três contêineres, instalados lado a lado. Difícil imaginar que naquele terreno na Ilha de Guaratiba, zona oeste do Rio, está sendo colocado em prática um conceito inovador em agricultura: o das fazendas urbanas. A ideia é produzir alimentos em espaços cada vez menores, com alta produtividade, menos impacto ambiental e pouco gasto de água. Isso tudo graças à automação.
Criada em 2017 por dois ex-executivos da área de data centers e um engenheiro agrônomo, a Mighty Greens pretende aproximar o produto final dos consumidores ao colocar as fazendas dentro das cidades. “Praticamente não temos descarte de massa colhida por conta da automação dos sistemas e também pela proximidade do local onde produzimos com os postos de venda”, explica Thomas Oberlin, norte-americano que é um dos cofundadores da fazenda. “Todo o nosso sistema de controle de irrigação e temperatura é automatizado, o que facilita o controle por nossa parte.”
Com um ambiente altamente controlado e sem intempéries, a produtividade é maior, segundo a Mighty Greens. “Tínhamos um plano de produzir mais ou menos 1,25 ou 1,5 quilo de massa colhida por metro quadrado a cada 14 dias”, diz Rodrigo Meyer, cofundador da Mighty Greens. “No primeiro ciclo, produzimos em 12 dias uma massa aproximada de 2,8 e 3,8 quilos.”
A Mighty Greens pode ser pioneira no Brasil, mas no exterior as fazendas urbanas já vêm sendo uma alternativa viável em um cenário de redução do número de trabalhadores rurais e de alta urbanização. “Isso já existe há bastante tempo em países com alta densidade demográfica, como Taiwan e Cingapura”, afirma José Paulo Molin, pesquisador de Agricultura de Precisão da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). “Esse é um movimento que não está distante do Brasil e é até lógico acontecer aqui.”
Conheça algumas das principais fazendas urbanas no mundo
Edgar Su/Reuters
Julliana Martins/Estadão
Iron Ox/Divulgação
Mike Segar/Reuters
Nos Estados Unidos, as experiências com fazendas verticais ou urbanas já estão bastante avançadas. É o caso da fazenda Iron Ox, funciona de forma totalmente autônoma, com robôs. Fundada por ex-executivos do Google, a empresa funciona em San Carlos, no Vale do Silício.
Países citados por Molin, como Cingapura, cidade-estado onde 90% dos alimentos são importados, as fazendas urbanas são uma maneira de nacionalizar parte da produção. A temática principal de todas as iniciativas é trazer o produto para perto do consumidor final.
Para o pesquisador da Esalq/USP, as fazendas urbanas chegam ao Brasil em um primeiro momento não para competir com a agricultura de exportação e sim para ser uma alternativa ao cinturão verde das grandes cidades. “São tipos de agriculturas totalmente diferentes e exigem tratamentos que não são parecidos.”
Rodrigo Meyer, da Mighty Greens, concorda com a observação e alerta que o uso de energia para uma produção de árvores frutíferas ou grãos hoje é inviável, mas não descarta que em um futuro a médio prazo isso se torne possível por conta das inovações tecnológicas na área.
Assista à reportagem que fizemos na Mighty Greens, no Rio de Janeiro
Menos água
Um dos sistemas que mais economizam água na agricultura em ambientes controlados é a hidroponia. Sua versão mais moderna, a aeroponia, se encaixa no projeto de fazendas verticais. A Mighty Greens, por exemplo, usa 95% menos água do que as plantações tradicionais.
A aeroponia é um sistema em que a água e os nutrientes viram vapor e são absorvidos pelas raízes, que ficam soltas no ar. “É uma evolução da hidroponia, mas são sistemas que convivem juntos, porque se adequam melhor a diferentes culturas”, explica Marcos Braga, pesquisador da área de irrigação da Embrapa Hortaliças. “O sistema tem sido bastante utilizado no cultivo de raízes medicinais e tubérculos, como batatas-semente.”
No Brasil, com clima e oferta de mão de obra diferentes, a técnica de aeroponia ainda engatinha, mas deve ser mais usada no futuro. Em países desenvolvidos, o uso dessas tecnologias está mais avançado, porque o clima temperado e a falta de mão de obra causam uma necessidade de criar métodos de produção
Marcos Braga, Embrapa Hortaliças