Mari, querida Mari,
Faz nove meses que não ouço a tua voz, a tua gargalhada inconfundível, que não sinto o teu abraço. Faz nove meses que te emboscaram e deram quatro tiros na sua cabeça. Tentaram te interromper, Mari. Tentaram interromper as lutas que você carregava no seu corpo e na sua atuação parlamentar. Lutas contra a execução de jovens negros, pela liberdade de ser e amar, pelo direito à dignidade pra quem é da favela.
Desde o primeiro momento depois do assassinato teu e do Anderson, por todo o Brasil e o mundo, nós mulheres, nós mulheres negras, nos indignamos. Essa dor – que ainda é profunda e sempre será – não nos paralisou. Quantas mulheres se levantaram? Quantas de nós faremos dos parlamentos e de todos os cantos quilombos, em tua memória e dos nossos mortos? Por memória, verdade e justiça.
Estamos firmes na resistência, Mari. Seus assassinos sabem que erraram porque provocaram grito e não silêncio. Mas tudo que eu queria era você viva. A gente tinha uma reunião naquela mesma manhã em que aconteceu o teu velório na Câmara do Rio. A gente não passava um dia sem se falar, uma semana sem se ver e conversar sobre a nossa experiência como vereadoras, sobre os desafios de construir mandatos a serviço das lutas populares. Eu só te queria viva.
Até hoje não foi concluída a investigação do crime político em que se constituiu a tua morte. Isso significa que quem mandou te matar deve ter muito poder: poder político, poder econômico, poder militar. Mas não sossegaremos enquanto não soubermos quem mandou te matar e o porquê.
As coisas por aqui não andam bem. O fascismo impregna o ar, cada vez mais difícil de respirar. Dia desses, Mari, rasgaram uma placa de rua que havia sido confeccionada em tua homenagem. Pareciam querer te matar outra vez. E os homens que a arrebentaram acabaram de ser eleitos deputados usando esse ato de violência simbólica como troféu de pautas as mais retrógradas e reacionárias. O autoritarismo avança ferozmente contra uma democracia que sequer chegou a se consolidar.
Para enfrentar tudo isso, Mari querida, para não permitir que os teus sonhos e as tuas lutas fossem interrompidas, eu tive que mudar os meus planos e resolvi levar as tuas causas para o Planalto Central. Você iria ficar orgulhosa, amiga, de ver que o PSOL dobrou a bancada federal, que agora a metade da nossa bancada federal é de mulheres, sendo Áurea (Carolina, deputada federal do PSOL por Minas Gerais) e eu negras. E ainda que três assessoras tuas, três mulheres negras, foram eleitas deputadas no Rio. Tudo pra honrar o teu legado e a tua história e de tantas Dandaras, Carolinas e Lélias que vieram antes de nós.
A tua morte só aumenta a nossa responsabilidade de seguir em frente nas lutas por direitos como educação, moradia, saúde, seguridade social, por democracia, por justiça socioambiental, pela vida e a dignidade dos povos quilombolas, indígenas e ribeirinhos, das pessoas negras, mulheres e LGBTs, de todas e todos aqueles que sofrem os graves impactos de um modelo de desenvolvimento que destrói, polui, segrega, silencia e cerceia nossas liberdades até mesmo de existir, assim como de trabalhar, de expressar nossas ideias e de lutar por nossas causas.
Mari, não vai ser fácil empunhar as tuas-nossas bandeiras nestes tempos tristes, cinzentos e ameaçadores de quem grita em defesa da vida, da democracia e da liberdade. Mas essa é a tarefa que a História nos delega. E não vamos nos calar e nem dar um passo sequer atrás na nossa luta de resistência e enfrentamento a toda forma de violência, exploração e opressão.
Ainda é a tua lembrança que nos fortalece, Mari, ao ecoar nas redes e nas ruas, onde teu rosto virou ícone de luta e tuas frases preferidas palavras de ordem: “Eu sou porque nós somos”, “Uma sobe e puxa a outra”… Por sinal, preguei na parede da minha sala uma réplica da tua placa destruída, tá?
Te amo e jamais te esquecerei, nem deixarei que seja esquecida. Por memória, verdade e justiça, você estará presente, sempre.
Talíria
Nota da redação: A carta acima foi escrita em dezembro, a pedido do Estado