Lacoste/Divulgação Rachel Maia sorrindo
Executiva já comandou as operações das joalherias Tiffany e Pandora no Brasil

‘Ainda questionam uma mulher na cadeira principal’, diz Rachel Maia

CEO da Lacoste no Brasil afirma que ainda enfrenta dificuldade por causa do gênero e que diversidade é a saída para mudar empresas

Rachel Maia chegou ao topo. Aos 47 anos, a executiva tem uma trajetória invejável no mundo dos negócios. Já comandou as operações das joalherias Tiffany e Pandora no Brasil e, em novembro, assumiu o cargo de CEO da Lacoste, gigante do luxo que tem no País um de seus maiores mercados. O currículo impressionante é ainda mais pontuado pelo fato de que Rachel faz parte de um grupo muito restrito: o de mulheres negras com cargos de CEO em grandes empresas.

Apesar de ser uma figura estabelecida no universo dos negócios, ela afirma que não está imune ao preconceito. “Com certeza as pessoas questionam o porquê de uma mulher estar sentada na cadeira principal”, diz Rachel. “Mas aí você mostra suas qualificações e competência. A razão de eu estar sentada aqui é minha capacidade de fazer a roda girar.”

Em uma conversa com o Estado, Rachel fala sobre os desafios de ser uma mulher no mundo corporativo, e dá dicas para aquelas que querem seguir este caminho. “Capacitar-se é se empoderar.”

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

A senhora já disse que, por ser uma mulher negra, representa apenas 0,4% dos CEOs de empresas globais no Brasil. Desde que virou CEO, em 2010, tem notado mudanças? Ou ainda estamos andando a passos lentos em direção a uma situação mais igualitária?

Sinto que a alta gestão, aqueles que fazem a roda girar, querem entender como tratar esse tema. Porque não é um tópico tão simples. Existe um desafio para compreender como fazer tudo isso se encaixar. É quase um quebra-cabeças. Mas eu vejo que existe abertura para montar esse quebra-cabeças.

Mas ainda estamos longe de solucionar a questão?

Existem pessoas pensantes olhando para esse tema. Se você perguntar: ‘Rachel, você já consegue ver a imagem do quebra-cabeças?’. Ainda não. Tem uma fase que fica mais fácil, que já dá para visualizar o que estamos montando. Ainda não estamos lá, mas existe essa vontade de montar.

Então as mulheres ainda enfrentam desafios no mundo corporativo?

Sim, é indiscutível. Enfrentam porque, até pouco tempo atrás, o núcleo das empresas era perfil padrão. Homens, brancos, de uma idade x, que viessem de faculdade x ou y, que falassem a língua x. E aí a mulher disse: ‘Eu também quero’. Acho que isso é muito bacana. Nós estamos procurando as ferramentas para fazer parte desse mundo.

E você? Ainda enfrenta dificuldades por ser mulher?

Ah, enfrento sim. A gente não anda com o título na testa. A gente não bate no peito e fica gritando para a recepcionista: ‘Olha, eu sou tal pessoa’. Então, naturalmente, o gênero vem antes de qualquer coisa. Com certeza as pessoas questionam o porquê de uma mulher estar sentada na cadeira principal. Mas aí você mostra as suas qualificações e competência. A razão de eu estar sentada aqui é a minha capacidade de fazer a roda girar.

O que você considera ter sido imprescindível para chegar à posição em que está hoje?

Vários desafios apareceram na minha vida e eu tinha consciência de que alguns eram maiores que eu. Mas eu buscava me qualificar e corria atrás. Com certeza já me questionei se estava preparada para tal. E está tudo certo, eu não preciso ser boa em tudo. Hoje, tenho a consciência de que sou uma boa maestra. Eu sei juntar tudo e todos e fazer com que seja uma excelente orquestra.

Lacoste/DivulgaçãoFotografia da presidente da Lacoste Rachel Maia sorrindo
Aos 47 anos, Rachel se tornou símbolo de sucesso no mundo empresarial

Então o importante é achar a área em que se encaixa e buscar capacitação?

A capacitação é a palavra-chave de tudo isso aqui. Capacitar-se é se empoderar. Primeiro, tem de querer. Não adianta vir um terceiro e falar: ‘Eu vou te empoderar’. Você tem de descobrir onde estão suas lacunas e preenchê-las. Assim, seu círculo expande e novas lacunas vão aparecer. Aí é hora de voltar para o fim da fila e começar de novo.

Por quase uma década você se manteve no topo de grandes empresas. Como consegue?

Eu já tive vontade de desistir diversas vezes. Fiz muito coaching, análise. Nunca quis lidar com meus monstros eu mesma, mas sempre contei com a ajuda de pessoas. Tive a ajuda de profissionais porque sei que não sou capaz de tudo, mas sou esforçada. Então, com pessoas ao meu lado, deu para fazer a coisa direitinho.

E como conciliar com a família e a vida pessoal? Você já tem uma filha e está adotando um menino. Como faz?

Não concilia. É desafiador. Tem de tratar bem a mente. Você realmente acaba dando menos tempo para seu filho, mas é uma opção de vida. É isso. Os 5% ou 10% que eu dou para a minha filha são com muita qualidade. E eu nem quero fazer diferente. Eu quero ser feliz e isso hoje me deixa feliz.

Como você acha que a mulher pode se comportar para chegar em papéis de liderança?

Eu acho que perceber o ambiente foi algo muito importante no meu processo de estar contemplada em ambientes que antes não tinham mulheres. Perceber o ambiente e entender a oportunidade, o momento certo de falar, de se expressar, é essencial. E, se esse momento não aparecer, tem de fazer com que ele surja. Criar oportunidade para ser vista é muito importante. Tem de armar o ambiente e se fazer presente, não pode passar despercebido.

Em situações de pressão e conflito em ambientes dominados por homens, é melhor se retrair ou avançar?

Eu acho que nem um nem outro. Muitas vezes, por exemplo, quando existia uma predominância masculina e eu era a única mulher, me pediam a resposta para alguma questão. Se eu não estava tão bem preparada para dar uma resposta com convicção de que aquilo era o esperado de mim, procurava deixar claro que ia procurar a resposta que estavam buscando. Quando você é a única do processo, óbvio que a atenção é redobrada, então é preciso prestar muito mais atenção.

Você acha que um ambiente mais diverso é efetivamente mais produtivo?

Isso é indiscutível. Hoje, nós estamos em um processo de transformação. O mesmo não vai trazer a transformação. E, se você está acostumado a buscar a resposta em cima daquilo que ontem te dava segurança, isso não funciona mais. Temos de ter pessoas disruptivas que pensem fora da casinha e que vão trazer respostas que você jamais pensaria. Se há muitas pessoas iguais ao seu redor, seu círculo não é diverso. E isso é um problema.

Você tem agido para promover essas condições de igualdade nas empresas pelas quais passou?

Sempre. Eu tenho esse olhar muito próximo a mim porque acho que, se eu pude apresentar bons resultados nas empresas onde eu passei, é porque soube ouvir o diverso. E eu não estou falando só de etnia ou gênero, acho que o diverso é muito mais amplo.

E que medidas já tomou para promover isso?

Por exemplo, eu passei por empresas em que o conselho executivo não tinha mulheres. Então, eu não podia ser a única. Eu trazia mais mulheres. Mesmo que não ocupassem o mesmo nível de diretoria, de vice-presidência. E a equidade, né? Se a pessoa é talentosa, mas não tinha inglês, por exemplo, a gente apostava dois anos nela. Você leva o conhecimento até ela. Eu sou muito atenta nessa questão da transformação e tenho convicção de que ela só vem pela diversidade, seja de pensamento, seja de atitude.

Se pudesse dar um conselho a uma mulher que quer conquistar o mundo corporativo como você, qual seria?

Sempre me perguntam isso e eu respondo a mesma coisa. Não dou conselhos porque o que é bom para mim não necessariamente vai ser bom para você. Mas acho que temos de ter atitude. Pude entender que cada um pode ter sucesso desde que faça com muita originalidade e presteza. Isso é muito claro para mim neste momento da vida. Não basta fazer mais ou menos, tem de mostrar que é o melhor naquilo.