Direto ao ponto

05:21 O corpo nem sempre entende que você quer perder peso

15:01 Como funciona um remédio inibidor de apetite?

19:42 Minha Vó Tá Certa? Comer muito = comer bem?

22:07 Manja do Assunto – Bela Gil: ”eu não concordo que a alimentação saudável seja um privilégio de poucos”

26:05 Ajuda Aqui! Diferenças energéticas entre carboidratos, lipídios e proteínas

28:14 Prêmio IgNobel: Dietas canibais têm menos calorias que dietas tradicionais

Por que é tão difícil perder peso?
Apresentadores: Jéssica Nakamura e Rodrigo Sampaio

Rodrigo Sampaio: Ei, Jéssica, sabia que eu estou fazendo a dieta da fé?
Jéssica Nakamura: Dieta da fé? Mas que raio é isso?
R: “Eu estou comendo de tudo e rezando para não engordar”!
J: Nossa, Rodrigo. Eu estou rezando para você fazer uma piada boa.

(VINHETA: trilha sonora acompanhada por locução: “Você está ouvindo Choque da Uva: a ciência no cotidiano”. Em seguida, entra áudio da música Tarantella Napoletana, tradicional da Itália) 

R: Seque 25 kg com a farinha de soja preta!
J: Emagreça 32 kg com a dieta do sucrilhos!
R: Perca 27 kg com a dieta da água que vira gel!
J: Pode acreditar: a gente tirou tudo isso de capas de revistas “clássicas”, com receitas milagrosas para perder peso com a ajuda da divina providência.
R: Eu sou Rodrigo Sampaio.
J: E eu sou Jéssica Nakamura. E, como deu pra ver, nesse episódio o Choque da Uva vai tratar da ciência — e, claro, da falta de ciência — por trás de dietas populares e a dificuldade de perder peso.
R: Esses anúncios prometem um jeito fácil de perder peso, que não tem embasamento científico algum.
J: Uma das capas que a gente viu, por sinal, falava do caso da pessoa que perdeu 18 kg com uma cirurgia imaginária — seja lá o que isso queira dizer. Pior: esses “milagres” ainda podem prejudicar e muito a nossa saúde, tanto em aspectos físicos como psicológicos.
R: A real é que essas dietas populares sempre tentam de alguma forma apontar culpados. O ovo, coitado, toda hora está sendo apontado como vilão ou como herói. A galera é mais indecisa que camaleão no arco-íris.
J: O mesmo acontece com o açúcar, com a gordura e com os carboidratos. Você sabia que a low carb é a dieta mais procurada pelos brasileiros na internet?
R: Um levantamento da Empresa de Consultoria SEM Rush analisou a quantidade de pesquisas no Google e no Bing que tinham o termo “dieta”. E o resultado foi que, nos últimos 12 meses, os brasileiros pesquisaram cerca de 1,6 milhão de vezes pela dieta low carb.
J: A low carb é a dieta que prega que menos de 40% das calorias consumidas ao longo do dia tenham origem em carboidratos. O comum é que essa taxa seja próxima de 50% a 60%.
R: E existe uma versão mais radical da low carb, que é a dieta cetogênica. Nela, a porcentagem de carboidratos sobre o total de calorias é menor que 10%. Esquece aquele pãozinho delicioso no café da manhã.
J: A ideia dos dois métodos é reduzir o consumo de carboidratos. O estoque de glicogênio do nosso corpo é utilizado mais rapidamente e o organismo prioriza a queima de gordura para produzir energia. O Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, explica melhor para a gente: 

Durval Ribas: Quando você deixa de ingerir carboidratos, o seu organismo precisa de glicose, que é a base da célula. E quando não tem glicose, ela transforma a gordura, o tecido adiposo, nos chamados corpos cetônicos, que são um substrato energético. Portanto a célula vai viver desses corpos cetônicos, que nada mais são do que uma decomposição dos ácidos graxos, das gorduras. Esse é o mecanismo de ação. Se você queima as gorduras e transforma elas em corpos cetônicos, você está queimando gordura. Queimando gordura, você perde peso.

(Entra trecho da música “Comer, comer”, cantada por Eliana)
Quero acordar bem cedinho
Fazer um lanchinho
Laranja, café, leite e pão
Quero também chocolate, iogurte, abacate
Biscoito, presunto e melão

R: Mas claro que essas dietas, tão restritivas, não são nada fáceis de manter – e muito menos devem ser feitas sem acompanhamento profissional. No caso da cetogênica, é recomendável que ela seja aplicada em ambientes hospitalares.
J: Mas o preço de tudo isso para o nosso corpo é mais do que só cortar comida. Quem opta por esse tipo de dieta pode ficar mais irritado, angustiado ou até um pouco depressivo.
R: Isso porque, sem carboidratos, os níveis de serotonina caem muito. Esse hormônio neurotransmissor é produzido no sistema nervoso e está relacionado com a sensação de prazer.
J: A ausência desse hormônio pode ser detectada em transtornos como anorexia, bulimia e depressão, por exemplo.
R: Mas se a gente reduz o carboidrato, a gente troca pelo quê? Está aí mais um grande problema, tanto da low carb, como da cetogênica: se a gente troca a fonte energética, temos que compensar com o consumo de outra coisa. E é exatamente nessa substituição que mora o perigo.
J: A Maria Edna de Melo explica isso pra gente. Ela é doutora em medicina pela USP, especialista em Endocrinologia e é líder da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas. 

(Trecho da música popular “Comer, comer”)
Comer comer, comer comer
É o melhor para poder crescer

Maria Edna de Melo: Então, o organismo acaba se adaptando a essa restrição de carboidrato, mas o problema é que os estudos mostram que quando você faz esse tipo de dieta, você acaba aumentando muito a ingestão de gordura saturada ou de origem animal. E esse tipo de gordura não é uma gordura benéfica para o coração, pelo contrário, é uma gordura que está associada a um maior risco cardiovascular. 

R: E tem mais, Jéssica. Uma pesquisa publicada na Revista Científica Lancet estudou a longevidade de grupos que adotaram dietas com restrição de consumo de carboidratos. O estudo concluiu que grupos que trocam o consumo de carboidratos pelo de proteína e gordura vegetal vivem mais que aqueles que substituem o consumo pela gordura animal.
J: Mas vale falar que tanto uma dieta muito restritiva como uma dieta muito exagerada de carboidratos estão associadas a uma taxa maior de mortalidade.
R: Não é possível dizer, portanto, que carboidratos (ou mesmo açúcar ou gorduras) são vilões isolados. O problema está no exagero — tanto no consumo, como na privação. Para entendermos o desafio de perder peso, precisamos antes responder a uma pergunta fundamental: por que nós engordamos?

Comer para poder crescer
(Transição de trilha sonora)

J: A resposta para essa pergunta é muito complicada, porque a ciência indica que inúmeros fatores podem influenciar no ganho de peso. E esses fatores podem ser nutricionais, genéticos, emocionais ou até mesmo políticos.
R: No que toca à alimentação, isso está relacionado ao nosso metabolismo: o quanto de energia nós produzimos e o quanto gastamos.
J: Quando nosso corpo consome mais calorias do que gasta, ele transforma o excesso em gordura. É por isso que um estilo de vida sedentário pode levar à obesidade, por exemplo.
R: Está aí um motivo por que as dietas “milagrosas” falham. Em meio a tantos fatores, elas tentam passar uma fórmula simplista e, claro, sem respaldo científico.
J: Mas quantas calorias devemos consumir por dia? Bem, segundo a endocrinologista Maria Edna de Melo, o consumo adequado depende exatamente de quanto nós gastamos ao longo do dia. Por isso, varia do hábito das pessoas.
R: Mas também tem outro problema — e ele é evolutivo. Nossos antepassados viviam uma dieta muito restritiva, afinal, a alimentação dependia da caça. Hoje, com dois cliques, você pede seu rango pelo celular.
J: Por causa dessa falta, nosso corpo foi programado para guardar excessos de gordura para aquele momento de aperto na comida, que não tem mais nada.
R: Até por isso, o organismo humano passou a curtir comidas que são ricas em calorias, como aquelas com muito açúcar e gordura.
J: Para complicar ainda mais, desenvolvemos mecanismos que acendem um alerta no nosso corpo quando estamos perdendo nosso estoque de gordura. Se liga só no comentário da Maria Edna de Melo:

Maria Edna: A gente tem como se fosse um setpoint do sistema nervoso central. Sempre que nosso peso aumenta, nosso setpoint vai acompanhando esse aumento de peso. Quando nosso peso cai, esse setpoint não se ajusta para baixo. A hipótese, pelas evidências que se tem, é que ele só sobe, mas não desce quando nosso peso diminui. Então por isso, quando a gente perde peso, o nosso corpo vai se defender, e como que ele vai se defender? Através de uma diminuição do metabolismo. Às vezes acontece também um pouco de aumento da fome porque os hormônios que regulam isso também se modificam. Então por isso que muitas vezes é muito fácil perder peso no início de qualquer tratamento, mas a manutenção a médio e longo prazo, é muito difícil. 

J: Em outras palavras, nosso corpo entende que o nosso peso inicial é o ideal para a sobrevivência. Daí, quando perdemos peso muito rápido, ele trata logo de estimular o consumo de calorias para que possamos manter o peso original.
R: E, como disse a especialista, isso tem tudo a ver com os hormônios. Quando a gente se alimenta, a comida chega no intestino. O órgão, então, estimula a produção de algumas substâncias com nomes bem complicados: é o caso do peptídeo YY, um inibidor de apetite, e do hormônio colecistocinina (soletrando).
J: Mas quando estamos falando de controle de peso, não dá pra esquecer de outros dois hormônios muito importantes: a leptina e a insulina.

(VINHETA: Som de disco voltando, seguido de narração: “Momento Faraday!”)

J: Quem explica o que esses dois hormônios têm a ver com a nossa alimentação é o Mário Carra, médico endocrinologista e presidente a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, a Abeso.

Mário Carra: A leptina é um hormônio produzido no tecido adiposo que informa o estado nutricional do indivíduo nos centros hipotalâmicos, e é lá que é regulada a ingestão alimentar e o gasto energético. Quando diminui o tecido adiposo isso leva a uma diminuição da leptina, o que estimula a ingestão alimentar e a redução do gasto energético. Já a insulina é um hormônio produzido pelo pâncreas que tem uma ação central controlando a homeostase da glicose no organismo e, com isso, acaba produzindo a sensação de necessidade de alimentação.

R:  Esses hormônios vão no sistema nervoso central e falam que a gente já comeu e que não precisamos consumir mais alimentos. O responsável por regular tudo isso na nossa cabeça é o hipotálamo. Ele atua como uma ponte do sistema nervoso com o sistema endócrino do corpo.
J: Além disso, no meio do caminho, lá no estômago, a comida também vai inibir a liberação de outro hormônio, a grelina, que é responsável por estimular a fome.
R: Resumindo, todo esse jogo regula o nosso apetite. Mas o grande problema é que quando perdemos peso ou entramos numa dieta, a tendência é que essa dinâmica não acompanhe a nossa mudança de hábito alimentar.
J: Como se essa salada não fosse suficiente, ainda temos os hormônios da tireoide. Eles regulam a velocidade do metabolismo e, dessa forma, o quanto a gente gasta de energia com o funcionamento do corpo.

Maria Edna de Melo: E o que acontece quando a gente perde peso? Seja essa perda de peso por  qualquer motivo, ou mesmo com dieta? Existe uma diminuição desses hormônios, então isso contribui para uma diminuição do metabolismo. A gente vai ter um aumento, uma maior dificuldade com o controle da fome, como também um paralelo em que a gente tende a comer mais e o metabolismo está mais baixo.  

J: Acho que já deu pra perceber que perder peso não é fácil. O pior, Rodrigo, é que não para por aí. A genética e até mesmo a idade influenciam tanto no ganho como na perda de peso. Isso por causa do fator epigenético.
R: Quem ouviu o episódio sobre superatletas vai saber o que a gente tá falando. E para quem não ouviu, ele está disponível na sua plataforma de conteúdo favorita e explica direitinho sobre o que é isso.
J: Mas calma, não precisa ouvir agora. A gente dá uma “palinha” desse episódio aqui. Falando resumidamente, a ideia é que mecanismos do ambiente ou da atividade da pessoa influenciam em fatores genéticos e alteram a função dos genes.
R: Mas o que isso tem a ver com dieta? O Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, vai nos explicar. 

Durval Ribas: Existe um termo que nós usamos que se chama epigenética. A epigenética é que há uma interferência de mecanismos que podem favorecer a alteração da função dos genes. Por exemplo, intraútero: se uma mãe ganhar mais que 24 quilos, em média, ela estará predispondo o seu nenezinho a desenvolver uma hiperplasia depositária, um aumento das células gordurosas. Esse nenezinho fica com essas células gordurosas o resto da vida. Então, o componente genético e epigenético faz parte da obesidade. Por isso tem pessoas que já nascem com essa tendência a serem obesas, e elas não são culpadas: por isso que nem todo obeso come muito e nem todo magro come pouco. Então o fator epigenético é muito forte, ele está efetivamente presente: alguns estudos mostram que é mais de 60% dos casos de obesidade. 

R: Como já dissemos lá no começo do episódio, as dietas, mesmo sem embasamento científico, tentam sempre apontar culpados.
J: Mas como a Adélia Hordonho, diretora da Associação Brasileira de Nutrição, disse, as evidências científicas apontam para um vilão em especial: o ultraprocessado.

Adélia Hordonho: O que as evidências científicas apontam é que a obesidade decorre do consumo significativo de produtos prontos para consumo, do tipo ultraprocessados, bebidas açucaradas, produtos com grande valor energético, também advindo de gorduras.

J: E o pior de tudo é que esses produtos têm característica que fazem a gente ficar louco por um “lancinho”, ou melhor, lanchinho com eles.

(Entra música “Lancinho”, da Turma do Pagodinho)
E eu que sou culpado, e eu que sou bandido
Prefere um romance escondido
Sai na madrugada pra dar lancinho comigo

R: Aí, vocês estão forçando: a música claramente diz “lancinho”. Enfim, esses produtos costumam ter muita quantidade de gordura e açúcar, além de um valor calórico muito grande.
J: O Guia Alimentar da População Brasileira, um documento com diretrizes nutricionais públicas feito pelo Ministério da Saúde, aponta que os ultraprocessados recebem a ajuda desse açúcar, do sal e de vários outros aditivos para serem alimentos extremamente saborosos.
R: E tem a praticidade: esses produtos costumam ser muito práticos de comer e preparar, o que acaba incentivando bastante o consumo. Para quem ficou curioso e quer acessar o Guia Alimentar da População Brasileira vamos deixar o link da descrição do episódio no site do Choque da Uva.
J: E já que a doutora Adélia mencionou, a gente não poderia deixar de falar de obesidade. Até porque a luta para perder peso é ainda maior para quem está nessa condição. Afinal, como aponta a Organização Mundial da Saúde, trata-se de uma doença crônica e sem cura.
R:  A obesidade deixa as pessoas mais vulneráveis a uma série de doenças, como a diabetes tipo 2. Além disso, quem está em situação de sobrepeso tem mais dificuldade de emagrecer, isso porque o organismo tende a manter o peso. Por isso, é comum a ocorrência do chamado “efeito sanfona”, quando há uma série de emagrecimento e recuperação de peso recorrente.
J: O Mário Carra, presidente da Abeso, explicou um pouco mais sobre a dificuldade da reeducação alimentar nesses casos.

Mário Carra: É uma doença que tem que ser vigiada e fiscalizada a vida toda. Como na verdade a doença obesidade é crônica, toda vez que você perde o foco no tratamento dela, a tendência é recuperar o peso que você diminuiu e existe também uma autorregulação do organismo das pessoas que têm excesso de peso, em sempre fazer com que elas voltem, ao fim, para o peso que elas tinham. 

J: A dificuldade apontada pelo médico indica que o tratamento da obesidade pode passar pela medicação, mas o medicamento para emagrecer, assim como o tratamento para diminuir peso, deve ser feito sempre com acompanhamento de um profissional. Sem exceções!
R: Mas vocês sabem como esses remédios para emagrecer funcionam? A gente falou com o nutrólogo Durval Ribas sobre isso.

Durval Ribas: O mecanismo de ação dos medicamentos antiobesidade que tiram a fome é central. Elas agem nos núcleos hipotalâmicos da fome e da saciedade, ou seja, eles inibem o núcleo hipotalâmico da fome e estimulam o núcleo hipotalâmico da saciedade. Ele inibe a fome e faz com que você fique mais saciado. Portanto, os medicamentos podem ser utilizados quando a dietoterapia não é adequada junto com atividade física. 

J: Importante fazer a ressalva: como o Durval disse, os medicamentos devem ser utilizados em casos em que dieta e exercícios não são suficientes. Tem muita gente que já tem um peso saudável, mas quer perder mais um ou dois quilinhos e já apela para a medicação. Muito cuidado!
R: Vale sinalizar, Jéssica, que recorrer a métodos como esse para emagrecer pode ser um sinal da existência de um transtorno alimentar, mesmo que ainda em fase inicial. Às vezes, a pressão do dia a dia pode desencadear processos de ansiedade e depressão, que podem levar a quadros como compulsão alimentar, bulimia ou anorexia.
J: A saúde mental influencia muito na forma como lidamos com o nosso corpo e com a nossa alimentação. O uso de medicamento e prática excessiva de exercícios pode ser indício do desenvolvimento de bulimia.
R: Ficar muito ligado em dieta mega restritiva também pode ser sinal de um quadro de anorexia. Os transtornos alimentares não são só aquelas situações extremas, em que a galera induz o vômito ou deixa de comer.
J: Mas se tem diferenças de gravidade dos quadros de transtorno alimentar, como é feito o diagnóstico, Rodrigo?
R: O ideal é que sejam procurados profissionais especializados nesse tipo de tratamento. E que eles sejam de áreas diferentes, como psicólogo, nutricionista e psiquiatra. Nós conversamos com o professor José Appolinário, do Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares da UFRJ, que deu mais detalhes sobre isso.

José Appolinário:  A avaliação do transtorno alimentar é primeiro criteriosa, tanto da história passada de como a pessoa se alimentava, qual é a história de alimentação do indivíduo. Se a pessoa comia de uma forma e de repente começou a se alimentar de uma outra maneira, né? A presença dessas alterações de imagem corporal, se a pessoa começou a identificar gradativamente um desconforto maior com o seu corpo… Então a história clínica do aparecimento desses sintomas é importante. Uma outra parte é a avaliação de características de gravidade, é importante que o profissional saiba avaliar se aquele transtorno é inicial, leve, que tem um tipo de orientação; se o transtorno já é presente e estruturado; ou se é um transtorno grave, num ponto extremo. E aí muitas vezes é preciso uma intervenção muito mais efetiva. No caso, por exemplo, de uma anorexia nervosa é necessária até uma hospitalização. 

R: Caramba! A galera pode parar no hospital por causa dessas coisas!
J: Sim, a coisa é séria! Os efeitos podem ser tão graves que podem levar à morte. A professora Fernanda Hildebrandt, da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, deu mais detalhes sobre essa questão.

Fernanda Hildebrandt: Existem várias consequências físicas e mentais dos transtornos alimentares. A pessoa pode apresentar o enfraquecimento das unhas, cabelos quebradiços, pele seca, intolerância ao frio, constipação, diminuição da frequência cardíaca, alterações no ciclo menstrual. Em relação aos problemas mentais: ela pode experimentar irritabilidade, depressão, um aumento de sintomas ansiosos… Então realmente a gente tem que estar muito atento a essas condições clínicas porque elas podem inclusive levar o indivíduo à morte, como no caso da anorexia em que o indivíduo vai deixando de se alimentar e ele chega no peso extremamente baixo, em que pode realmente comprometer a sua sobrevivência.

J: Chegou o momento mais esperado do episódio: é hora do “Minha Vó Tá Certa?”, o quadro em que a gente investiga aquela dúvida passada de geração em geração.

(Entra a trilha sonora do quadro “Minha Vó tá Certa?”)

R: No episódio de hoje, tratamos de um costume muito comum das vovós no Brasil inteiro: encher o coitado do neto de comida. Você, que sobreviveu a este Natal, sabe do que nós estamos falando. 

(Trecho do desenho “O irmão do Jorel”, exibido pelo Cartoon Network, em que Vovó Juju força o neto a comer abacate)
Irmão do Jorel: Toda essa história de abacate, vovó! Assim você está me sufocando! 
Vovó Juju (enfiando a colher na boca da criança): Come abacate que passa. Ai, que lindo, está se alimentando!

J: E a especialista que vai nos ajudar a resolver esse mistério é a nutricionista Flávia Sgavioli, do canal Ative a Sua Mente.
R: Flávia, algo muito comum entre as avós é achar o neto muito magro e encher o menino de comida para deixá-lo mais saudável. Isso é uma ilusão das avós?

Flávia Sgavioli: As vovós adoram cozinhar panquecas, bolos e nossos pratos favoritos e sentem-se orgulhosas em nos ver comer e pedir mais, ou então ficam abismadas quando nós recusamos. Sabemos que não é por mal, afinal, elas nos amam, mas encher a criança de comida quando ela disse que não está com fome cria uma relação nociva com os alimentos. Por exemplo: só sai da mesa quando terminar, ou então só ganha sorvete quando raspar o prato. Note que a comida é usada como forma de recompensa ou punição, o que prejudica o desenvolvimento e hábitos alimentares da criança, sem contar que torna o momento da refeição um verdadeiro caos. Para ficar saudável tem que comer melhor, com mais qualidade nutricional, e não encher a barriga.

R: Mas Flávia, a que as vovós têm que se atentar sobre os alimentos oferecidos para seus netinhos?

Flávia Sgavioli: A alimentação das crianças e de qualquer ser humano deve ser baseada em comida de verdade. Alimentos naturais, frescos, coloridos e da estação. Cereais integrais, leguminosas, como feijão, grão de bico, lentilha, ervilha, ovos, peixes e azeite de oliva. Indispensável ressaltar também a importância de retirar ou evitar ao máximo os lixos tão frequentes na alimentação infantil, como bolos, embutidos, industrializados corantes e adoçantes refrigerantes frituras achocolatados e bebidas açucaradas. E lembrar-se sempre do consumo adequado de água mineral. 

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Manja do assunto!”)

R: Chegou a hora de conversar com aquela pessoa famosa, ligada com o nosso tema: dietas, comida, essas coisas aí. Dá uma dica de quem é, Jéssica.
J: Tem a ver com comida, tem a ver com saúde e tem a ver com alimentação de verdade.
R: Aí você deixou fácil demais: É a Bela Gil!
J: Mas para deixar melhor, bem que a gente poderia trocar você, Rodrigo, pelo Levy Teles, por exemplo.

(Transição de trilha sonora)

Levy Teles (repórter): E aí, galera! Aqui sou eu, o Levy, no comando do podcast! Bela, no seu canal do YouTube, você propõe um novo olhar para os alimentos. Por que é importante pensar em consumir de maneira mais natural hoje em dia, sobretudo num universo de industrializados?

Bela Gil: Eu sempre falo que uma alimentação saudável precisa fazer bem para o nosso corpo, com a gente escolhendo alimentos mais limpos, sem veneno, in natura e frescos. Mas a gente precisa ter uma visão mais holística também, mais integral em termos de impactos que as nossas escolhas alimentares têm no meio ambiente, nos produtores de alimentos e na sociedade como um todo. A gente está falando da possibilidade de emancipação e independência, muitas vezes, e soberania alimentar também. Não é possível para todo mundo. Então no meu trabalho, eu tento mostrar muito isso, de que eu não concordo que a alimentação saudável seja um privilégio de poucos. Isso deveria ser um direito de todos. 

Levy Teles: E como reeducar o nosso cérebro para melhorar a nossa alimentação? Qual método funciona de forma mais natural?

Bela Gil: A forma mais eficaz da gente reeducar o nosso cérebro a se alimentar melhor é começar a se alimentar melhor, porque uma das maiores dificuldades de uma pessoa que tem uma alimentação mais junk, rica em fast food e produtos processados, é porque ela acaba não gostando da comida de verdade, acaba não gostando do sabor de uma comida mais caseira. Então, é por isso que a educação infantil, na educação alimentar infantil é muito importante para criança já crescer com um bom paladar, com uma boa referência de uma boa alimentação. Então, eu acho que a melhor forma realmente é aos poucos a gente começar a consumir alimentos de verdade né, comida de verdade. E isso vai de cada um, né? O estímulo que cada um tiver, a motivação que cada um tiver, vai fazer com que essa reeducação seja mais rápida ou mais demorada, mas a saída é só uma: comendo comida de verdade. Se você toma refrigerante troca por um suco, depois de um tempo, troca o suco pela água e come a fruta. 

Levy Teles: É possível se alimentar bem mesmo estando numa condição financeira mais vulnerável? Como?

Bela Gil: Eu acho que é possível todos se alimentarem bem, porque, por exemplo, uma fruta, um legumes, verduras, um arroz e feijão básico, não são mais caros do que os produtos processados. Então eles são tão acessíveis quanto, mas quando a gente já avança para os alimentos orgânicos, por exemplo, já vai encarecer. E também quando a gente fala de comida de verdade, isso implica em fazer a nossa própria comida.  Então tem a questão da praticidade dos produtos ultraprocessados. Eles são muito convenientes, porque eles são práticos, eles são rápidos, eles são baratos. Então isso faz com que pessoas que tem uma situação financeira mais vulnerável e não só financeira, mas também em relação a tempo, tendem a ter uma alimentação mais pobre em relação à qualidade. A gente precisa de muitas políticas públicas para fazer com que todos tenham acesso a uma alimentação saudável.

Levy Teles: Valeu, Bela! Brincadeiras à parte, passo o bastão para Jéssica e Rodrigo novamente! Um beijo, galera!

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Ajuda aqui!”)

R: Nós conversamos com o professor Leandro Dias, do colégio Elite lá do Rio, minha cidade maravilhosa! Ele nos deu algumas dicas sobre como esse assunto pode ser abordado na escola. Fala tu, Leandro!

Leandro Dias: Olá, ouvintes, meu nome é Leandro Dias, biólogo licenciado da UFRJ e professor da rede Colégio e Curso Pensi. Hoje eu vim trazer para vocês o assunto “dieta” e como que ele pode ser abordado no contexto escolar, quais as questões que abordam este assunto e também no nosso dia a dia.
Quando a gente fala de uma dieta low carb, por exemplo, em que a gente está tendo restrição de carboidratos, o que que pode acontecer no organismo de um indivíduo que está tendo esse tipo de nutrição? Uma questão pode, por exemplo, perguntar quais são as outras fontes, as outras alternativas, que são usadas como fonte de energia para esse indivíduo que está tendo uma alimentação restrita de carboidratos. Então a gente vai ter como resposta os lipídios.
Os lipídios são a segunda opção como fonte energética e por fim nós temos as proteínas. Por que a gente tem essa ordem dessas substância, desses compostos orgânicos, como fonte energética? Primeiramente, o carboidrato é mais rapidamente metabolizado, então, teria uma preferência dele em relação aos lipídios. Os lipídios, por si só, são mais energéticos, mas o seu metabolismo é um pouco mais lento. E como ele é mais energético, isso é uma vantagem para ele ser uma boa reserva energética, ou seja, um grama de lipídio fornece muito mais energia do que um grama de carboidrato ou de proteína. Sendo assim, se eu estou estocando lipídio como principal reserva energética, eu estou conseguindo estocar mais energia do que eu estaria se estivesse armazenando o carboidrato ou proteína.
Por fim,  a proteína é última opção porque ela tem muitas funções além da função energética. A gente tem a proteína aí como função, por exemplo, enzimática, acelerando reações químicas, proteína com função imunológica, atuando como anticorpo. Então, se a gente usa proteína como fonte de energia, a gente pode ter a carência da proteína para realizar outras funções, como essas citadas. Ela acaba sendo realmente a última opção. A gente fica por aqui, um forte abraço e até a próxima!

R: Obrigado pela força, Leandro!
J: E agora tá chegando aquele “moment”! Do inusitado! Da coisa estranha, mas que a gente ama.

(VINHETA: Trilha sonora acompanhada de locução: “Com vocês, Prêmio IgNobel”)

R: Pois é, Jéssica, e neste episódio está de dar inveja no Hannibal (personagem principal do filme “Hannibal”, de Ridley Scott)!
J: Ele provavelmente se interessaria na pesquisa do cientista britânico James Cole, da Universidade de Brighton, no Reino Unido. O cara calculou que as dietas baseadas no consumo de carne humana, no período paleolítico, forneciam bem menos calorias que outras dietas com carnes mais “tradicionais”, digamos assim.
R: Ah, então ele tinha a máquina do tempo para descobrir isso! Como foi possível um negócio desse?
J: Então, para construir a tabela nutricional dos seres humanos, o pesquisador combinou a média total de peso e calorias de cada parte do corpo e a partir da análise química de quatro dos nossos antepassados.
R: Ah, com isso, o estudo sugere que as motivações por trás do canibalismo podem não ter sido puramente nutricionais?
J: Isso mesmo! Ou seja, nem tudo era motivado pela fome.  E dessa forma, a pesquisa pode ajudar os cientistas a entenderem mais sobre o comportamento dos humanos naquela época.
R: Mas vem cá, o Hannibal ficaria triste com essa pesquisa ou aumentaria o número de vítimas? Fica a pergunta.
J: Acho que eu posso responder essa. Se ele for comer apenas neandertais, acho bom ele focar mais na coxa. É a parte mais calórica do corpo humano, com 13 mil calorias. Agora há estudos mais recentes que apontam que se você comer todas as partes do corpo humano inteiro, você vai ingerir mais de 125 mil calorias. Até porque nossos hábitos mudaram muito se comparar com 10 mil anos atrás. Aí eu acho que o Hannibal ficaria fora de forma.

(Trilha sonora de encerramento do podcast Choque da Uva)

R: E esse foi o Choque da Uva, o novo podcast do Estadão, que fala sobre ciência de uma maneira diferente.
J: Este programa é feito pela 30ª turma do Curso Estado de Jornalismo, os Focas do Estadão.
R: Eu sou Rodrigo Sampaio.
J: E eu sou Jéssica Nakamura.
R: O roteiro desse episódio é de Levy Teles e Victor Pinheiro, com colaboração de Samuel Costa.
J: A edição ficou por conta do Bruno Nomura.
R: A produção contou com a participação de Jéssica Nakamura, Larissa Gaspar, Luísa Laval, Samuel Costa e Victor Pinheiro.
J: Não esquece de seguir a gente nas redes sociais.
R: É só procurar @choquedauvapod no Twitter, no Instagram e no Facebook.
J: Até a próxima!
R: Tchau, tchau!

(Encerramento da trilha sonora)

Quer saber mais?

Conheça o Guia alimentar para a população brasileira, um documento do Ministério da Saúde que indica conceitos e recomendações de uma alimentação saudável para os cidadãos.