“Os profissionais precisam continuamente renovar as suas habilidades e aprender sobre as últimas tecnologias em suas áreas de trabalho”, diz o executivo

‘A maior parte do tráfego urbano será movida para o céu’, diz Thrun

Palavra do líder do projeto de carros autônomos do Google e hoje presidente da Udacity, Sebastian Thrun

A imagem de uma cidade com drones para entregas rápidas e carros autônomos é comum aos futurologistas. Mas Sebastian Thrun, de 52 anos, vai além. Ele prevê que a maior parte do tráfego urbano de veículos será feita no céu. O cientista e professor da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), Thrun liderou o projeto de carro autônomo do Google, depois fundou a Udacity, empresa de educação tecnológica online da qual é presidente. Também atua como CEO da Kitty Hawk, empresa de transporte aéreo.

Thrun falou com exclusividade ao Estadão QR sobre tecnologia, transporte e educação no futuro. Leia os principais trechos:

Como você imagina o futuro em questões como transporte e educação?

Eu vejo um futuro em que a maior parte do tráfego urbano será movida para o céu. Imagine que você pudesse pilotar um veículo parecido com um helicóptero para ir e voltar do trabalho todos os dias. Imagine que esse veículo será seguro, acessível e muito mais silencioso do que helicópteros. Eu quero que o futuro seja livre de acidentes no trânsito, com zero engarrafamento. O meu sonho é que drones façam a entrega de minha comida, pelo ar, 5 minutos depois do pedido. O ar é tão livre de congestionamento e tão vasto comparado ao chão. Essa visão vai se tornar realidade. Em termos de educação, eu vejo um futuro que sirva a todos os estudantes para as suas vidas inteiras. Com a tecnologia se movendo tão rapidamente, ninguém pode parar de aprender.

A Kitty Hawk já está desenvolvendo carros voadores. Qual o plano?

Começamos a nossa jornada para construir o futuro da aviação desenhando, testando e construindo veículos completamente elétricos de decolagem e aterrissagem verticais para deslocamento diário. Tendo parcerias com clientes públicos e privados, como a Boeing – com quem anunciamos em junho deste ano uma aliança estratégica para mobilidade aérea urbana -, vamos melhorar o nosso ambiente com soluções confiáveis e eficientes.

Diversos estudos indicam que um grande número de empregos vai desaparecer por causa da automação e da inteligência artificial. Qual é o papel da educação nesse processo?

Para mim, a inteligência artificial (IA) é, talvez, a maior revolução da Idade Moderna. A inovação fundamental é que, no passado, o computador seguiria as regras cegamente. Porém, com o uso da IA e machine learning, em particular, o computador agora pode receber exemplos e descobrir os seus próprios movimentos. São anos de treinamento para virar um bom médico ou advogado.  Nós treinamos por 18 meses em Stanford, que fica no Vale do Silício, um sistema de IA para reconhecer câncer de pele. Ele virou tão bom quanto um médico certificado.

Como foi liderar o projeto que desenvolveu o carro autônomo do Google?

Nos primeiros dias, em 2009, quando nós começamos o projeto do carro autônomo do Google (agora conhecido como Waymo), ninguém nos levou a sério. A maioria das pessoas acreditava que era impossível atingir o nosso objetivo. Somente nos últimos quatro anos que o assunto começou a chamar atenção. Isso nos deu uma enorme vantagem. O time é o melhor do mundo.

E a Udacity tem cursos para quem quer desenvolver carro autônomo?

Em 2017, o programa da Udacity de engenheiro de carro autônomo foi avaliado pela Autoridade em Qualificação da Nova Zelândia como a primeira microcredencial do país. Em 2018, a RMIT, universidade pública australiana, e a Udacity anunciaram uma parceria para levar o conhecimento do Vale do Silício em carros autônomos e programação de IA para a Austrália. Nós esperamos ter parcerias similares no futuro.

Por que o senhor decidiu criar a Udacity?   

Em 2011, em Stanford, onde sou professor adjunto e tenho um grupo de pesquisa, resolvi levar um dos meus cursos para o mundo online. Ele se chamava Introdução à Inteligência Artificial e eu o coliderava com o professor Peter Norvig, que trabalha no Google. Em poucas semanas, 160 mil estudantes se inscreveram. Mais de 23 mil finalizaram o curso, passando em exames do nível de Stanford. De fato, lecionei no mesmo curso em Stanford, no qual 188 estudantes o terminaram. Entretanto, em comparação, o melhor estudante de Stanford se posicionou em 413º no ranking. Isso deixou claro para mim que o mundo precisava de acesso a educação de alta qualidade no nível da graduação. Esse foi o meu chamado. Então, eu fundei a Udacity.

Hoje, o meu objetivo para a Udacity é capacitar carreiras com educação tecnológica. A Udacity trabalha com experts da indústria para criar programas de aprendizado online, chamados Nanodegrees. Essa colaboração única assegura que estudantes aprendam as habilidades tecnológicas que os empregadores mais valorizam. Desde maio, todos os estudantes da Udacity têm acesso a mentores técnicos, revisores especialistas, coaches de carreira e planos personalizados de aprendizado.

No contexto da quarta revolução industrial, quais são os maiores problemas com a educação e como os governos deveriam olhar para eles?

Na Udacity, nós vemos o programa Nanodegree como um novo “quarto grau”. Os três graus comuns das universidades – bacharel, mestre e PhD – têm mais de 600 anos! A tecnologia está se movendo rápido demais e hoje não se pode parar de aprender. Para serem os melhores, os profissionais precisam continuamente renovar as suas habilidades e aprender sobre as últimas tecnologias em suas áreas de trabalho.

Países em desenvolvimento, como o Brasil, têm acesso a esse tipo de  tecnologia aplicada na educação?

Faculdades de elite, como Stanford, são extremamente seletivas, aceitando pouquíssimos alunos. A receita da Udacity é justamente a oposta, nós queremos alcançar a todos e ter poucas barreiras para a admissão. Queremos ser capazes de educar as pessoas. Nós fazemos isso hoje no Brasil, nos EUA, em Gana, na África subsaariana, em Bangladesh, na China, ao redor do mundo. Assim, nós podemos ter um impacto substancial no PIB mundial porque muitos talentos são subutilizados por causa da falta de educação. Se dermos ao povo da Síria as mesmas chances das crianças nos EUA, será espetacular.

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