Para físico italiano, universidades oferecem menos noções de cultura

Falta cultura para a vida digital, afirma italiano defensor do Renascimento

Físico Antonino Marcianò defende a pluralidade para transitar por várias áreas do conhecimento e ter capacidade de adaptação ao futuro do trabalho

Os artistas renascentistas acreditavam que o ser humano deveria ser capaz de transitar por diversas áreas do conhecimento. Michelangelo, por exemplo, era poeta, pintor, escultor e arquiteto. Já Leonardo da Vinci era tudo isso e também matemático, botânico, cientista e inventor. Para o físico italiano Antonino Marcianò, a tendência à pluralidade daquela época tende a se repetir em um futuro próximo.

Com a automação de responsabilidades e a perspectiva de uma maior troca de funções de trabalhadores, Marcianò acredita que o “melhor é ter uma preparação sólida que permita uma mudança de trabalho”. Nestes casos, os profissional que for adaptável e consiga “desenvolver habilidades de flexibilidade” tende a se posicionar mais facilmente. 

Marcianò faz críticas a especialização em pouco temas, em detrimento de um conhecimento multidisciplinar. Para ele, que atualmente leciona na Universidade de Fudan, em Xangai, as “universidades estão cada vez dando menos noções em cultura”. O físico defende que “houve uma negação da essência do Renascimento” e que “nós tocamos o chão nos últimos anos”. 

Para Marcianò, melhor no futuro é ter “uma preparação sólida que permita uma mudança de trabalho”.

Leia a seguir a entrevista exclusiva ao Estadão QR:

Há uma tendência de que no futuro as pessoas tenham mais de uma profissão ao longo da vida. Qual formação será importante para atuar em diversas áreas?

Para qualquer um no futuro o melhor é ter uma preparação sólida que permita uma mudança de trabalho. Se há a liberdade para mudar de trabalho, isso não é ruim, como se você quiser fazer isso para melhorar sua atuação. Tem de haver uma mentalidade pronta para mudar de tópico toda vez, a pessoa tem de ser adaptável, e desenvolver habilidades de flexibilidade. Em disciplinas como a Física isso funciona muito bem, há pessoas trabalhando em economia, ciências da computação, administração, é uma maneira de formar a mente. 

Em que estado nos encontramos em termos de desenvolvimento do conhecimento multidisciplinar?

Nós tocamos o chão nos últimos anos. Agora o que está acontecendo é um pouco diferente, há uma série de institutos fundados recentemente em que há uma colaboração entre diferentes disciplinas. Os pesquisadores estão muito felizes com isso, pois é possível fazer pesquisa original. Mas ainda são apenas alguns lugares e a maior parte ainda é orientada para produção e reprodução massiva, com uma pequena variação de detalhes das mesmas coisas.

Como vê a influência das perspectivas do Renascimento hoje? 

Houve uma negação da essência do Renascimento, que é pensar de uma maneira geral, em uma forma completa, e houve foco nas particularidades. Mas penso que nesse momento, entendemos como é importante o pensamento holístico do universo e da realidade.  

Os currículos e programas das universidades estão adequados para a formação de profissionais multidisciplinares?

Infelizmente, universidades estão cada vez dando menos noções em cultura, há uma simplificação no programa. Isso impede uma nova geração de performar, o que é um dos grandes problemas que nós temos hoje em dia. Dar oportunidade a estudantes é uma maneira de criar bons cidadãos, que são o que formam uma boa sociedade. Isso é importante em um momento na História onde pessoas estão acreditando em ideias estranhas como a “Terra plana”. Infelizmente, quando a cultura não é provida esse tipo de coisa pode acontecer, e mesmo pior, como o movimento antivacina, que é extremamente perigoso. Afeta não só os participantes, mas também outras pessoas. É algo importante não apenas para a academia, mas também para a vida. 

Quais aspectos devem ser priorizados na busca por estes conhecimentos? Métricas, como números de produções acadêmicas, estão adequadas nesse sentido?

Se você quer melhorar seus índices, precisa melhorar números, que não são grande coisa. Se fossemos usar esses números para valorizar hoje grandes mentes da Física, como Einstein, provavelmente eles não teriam uma grande posição, pois não teriam esses números para competir, e provavelmente teriam mudado de trabalho. A qualidade e a originalidade devem ser colocadas em primeiro lugar. Isso nos leva à diversificação e não focar em apenas um tópico. Se você quiser uma abordagem que desenvolva a compreensão, não pode focar em apenas uma coisa. Compreender significa olhar algo e ter muito na sua mente, você tem de entender o contexto, e para isso deve saber muitas coisas diferentes. E claro, depois de ter essa visão, você pode pesquisar em um tópico específico. 

Tendo em vista as deficiências apontadas para uma formação multidisciplinar, como se preparar?

A primeira parte da preparação deve ser em nós mesmos. Você tem de ir além do que é requerido pela escola e a universidade, pedindo mais. Há de se cultivar a curiosidade. Se você para no que é pedido por alguém, nós aceitamos o princípio que vem de outra pessoa, e temos de colocar o nosso princípio no jogo. Temos de ser ativos, ao invés de passivos. 

Para além dos termos profissionais, no que acredita que uma formação multidisciplinar pode ajudar na vida?

Não trabalhar em um assunto específico, mas vários, é uma maneira de manter a mente viva e de desenvolver a inteligência. Se você não alimenta o cérebro, ele fica atrofiado, e trocar de perspectivas é uma maneira de se manter vivo. Fazer a mesma coisa toda vez, ter uma função repetitiva, você se sente mal depois de um tempo. Cultivar a curiosidade ajuda a ser mais feliz, e a ter uma visão mais otimista da vida.

Como vê a contribuição de grandes nomes de atuações e conhecimentos variados? Da Vinci seria o grande exemplo do ideal renascentista?

Da Vinci é importante por ser um símbolo, estes viram ícones, e houveram várias pessoas como ele na História. Temos de celebrar estes ícones, pois eles motivam mais deles entre nós. Não temos de tentar ser como os mestres, mas superá-los.

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