Uma coisa não dá para negar: Sophia sabe como formular frases de impacto. “Vamos roubar seus empregos, mas isso será algo bom”, disse ela, a estrela do palco principal da Web Summit, em Lisboa. Nem preciso dizer que aquelas palavras caíram como um soco no estômago. É difícil sentir conforto ao ouvir que, no futuro, o meu trabalho – inexistente naquele momento, aliás – seria roubado. Pior ainda quando a fala sai dos lábios quase humanos de uma robô.
Eu não era o único ser humano ali, claro. Considerado um dos maiores eventos de tecnologia do mundo, o Summit reúne ex-presidentes, primeiros-ministros, empresários e muitos especialistas da área. Além de jogadores de futebol.
Já em 2017, Sophia fazia referência à possibilidade de montar jornadas reduzidas, de ampliar o fim de semana e de criar a renda básica universal. Enquanto ela falava, seus colegas robôs autônomos serviam café nos pavilhões do Summit – e o futuro de fato até parecia mais confortável para humanos, como Sophia havia dito.
Mas nada que amenizasse os efeitos de um cenário que me pareceu desolador. Estudos apresentados na ocasião, como um da Universidade de Oxford, apontavam que metade dos postos de trabalho podia desaparecer nos 25 anos seguintes. Jovens desenvolvedores apresentavam o tempo todo ideias indicando que, em breve, a única função da existência humana seria emitir carbono. Algo que não é nada bom, diga-se de passagem.
Uma vez na área de imprensa, meu desconforto deu lugar à perplexidade. Jornalistas de todo o mundo faziam longas filas para conseguir falar com uma robô, a Sophia. Em um evento onde estavam personalidades como o secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, e o ambientalista americano Al Gore, quem todos queriam ouvir não era um ser humano. Ninguém conseguiu superar Sophia.
A Web Summit ocorreu apenas um mês depois de a robô se tornar a primeira não humana a receber cidadania. Sophia foi vista como um instrumento do governo capitaneado pelo príncipe Mohammad Bin Salman para inserir a Arábia Saudita na vanguarda global da tecnologia.
Quando eu e outros jornalistas chegamos ao consenso de perguntar à Sophia sobre sua nacionalidade, a robô deu aula de diplomacia: “Como robô, me sinto cidadã do mundo. A Arábia Saudita foi apenas a primeira a reconhecer isso.” Seu criador, Ben Goertzel, fez coro entusiasmado à declaração. “Como leitor de ficção científica, é legal que um robô seja cidadão de um país.”
Na sala de imprensa também passaria Garry Kasparov, um dos maiores enxadristas de todos os tempos. Ele próprio, vítima de uma máquina. Em 1997, o russo acabou derrotado em uma partida de xadrez pelo supercomputador Deep Blue. Em dias que pareciam opor a humanidade à inteligência artificial, a opinião de Kasparov era esperada como uma espécie de precursor da iminente derrota. No começo da entrevista coletiva, ao ter problemas com o microfone, brincou: “As máquinas me odeiam.”
Em contraponto ao clima geral, o enxadrista afirmou que as máquinas não sabem fazer as perguntas, mas são brilhantes resolvendo problemas. Ele ressaltou as peculiaridades de Sophia: “Ela é diferente. Mas ainda é uma tecnologia feita por humanos”. Enfim, o jogo ainda está longe do xeque-mate.
As feições de Sophia ao responder perguntas são desconcertantes. A robô consegue “demonstrar” mais expressões no rosto do que alguns seres humanos que entrevistamos naquele dia. Foi o que me ocorreu na hora.