Ideia por trás dos ataques é semelhante à do Ludismo, após a Revolução Industrial: como não se pode mudar a realidade econômica, ímpeto de destruição se volta para as máquinas

‘Ódio à tecnologia pode motivar nova onda de terrorismo’, diz pesquisador espanhol

Desemprego causado pela automação tem potencial para desencadear ataques a partir de 2040, aponta estudo

O medo da tecnologia e o desemprego em massa associado à automação podem motivar ataques de grupos terroristas a partir de 2040. Seria o início da quinta onda de atentados do mundo moderno, de acordo com estudo publicado recentemente pelos pesquisadores Manuel R. Torres-Soriano, da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha), e Mario Toboso-Buezo, da Universidade de Barcelona.

Segundo os estudiosos, o avanço da tecnologia vai transformar o mercado de trabalho. Muitos ficarão sem emprego. Por outro lado haverá mais riqueza, só que nem sempre distribuída de forma igualitária. Para Soriano, que é professor de Ciências Políticas, a ideia por trás dos ataques é: “Já que não posso atacar diretamente toda a estrutura econômica, a forma mais fácil e imediata de direcionar meu ódio é destruindo a máquina”.

Algo semelhante já ocorreu na história da humanidade. Na Inglaterra pós-Revolução Industrial, artesãos passaram a destruir as máquinas, em um movimento que ficou conhecido como Ludismo, em referência a seu criador, Ned Ludd. “A sensação de que se está condenado ao desemprego por toda vida é desestabilizadora”, diz Soriano, que também é membro do Conselho Assessor do Centro Europeu de Luta Contra o Terrorismo (ECTC). “Creio que (esses ataques) vão começar daqui a não muito tempo.”

Ele tomou como base para sua previsão a teoria do pesquisador americano David Rapoport, para quem os ciclos de terror duram, em média, 40 anos. O mundo moderno já viveu quatro grandes ondas de terrorismo, de acordo com Rapoport: a Anarquista, no século 19; a Anticolonial, iniciada na década de 1920; a Esquerdista, datada da década de 1970; e a Jihadista, em curso. Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista de Soriano ao Estadão QR.

“Quem não tem nada na vida, além de pensar por que ela não é melhor, se torna uma enorme fonte de revolução violenta”, diz Soriano

Leia os principais trechos da conversa com Manuel Torres-Soriano:

Quais são os principais elementos que podem desencadear uma nova onda de terrorismo?

Dentro de 20 anos, modificações na economia, na sociedade e na política vão provocar novas insatisfações. Essas mudanças têm em comum a tecnologia. A robotização vai transformar toda a estrutura do mercado de trabalho, deixando muitas pessoas sem emprego. Ao mesmo tempo, haverá muita riqueza, que não necessariamente será distribuída de maneira igualitária. Acreditamos que alguns setores da sociedade serão tentados a apontar a tecnologia como a fonte de todos os seus males, transformando-a em um inimigo a ser combatido violentamente, com objetivo de voltar a uma situação anterior às mudanças. Imaginamos que a quinta onda de terrorismo terá caráter tecnofóbico e aglutinará correntes muito diversas, como religiosas, políticas e supremacistas. Todas elas terão o denominador de apontar a tecnologia como grande inimiga. Será inevitável que algum desses grupos opte pela violência terrorista para interromper as mudanças.

No caso do desemprego estrutural, o que pode ser feito? A sociedade terá de aceitar taxas maiores de desemprego?

As novas tecnologias não só farão a taxa de desemprego aumentar. Muitos desses desempregados vão perceber que já não têm espaço na economia, porque não possuem nenhum tipo de capacidade ou de habilidade demandada pelo mercado. A sensação de que se está condenado ao desemprego por toda vida é desestabilizadora. É muito difícil saber que nunca se chegará a um nível de vida que você imagina merecer. Todas essas pessoas podem ser pescadas pelos grupos violentos para sua luta. Quem não tem nada na vida, além de pensar por que ela não é melhor, se torna uma enorme fonte de revolução violenta.

Na metodologia dos terroristas, há alguma alguma relação com movimentos anteriores, como o ludismo, de querer quebrar máquinas? Qual pode ser a relação desta onda com o passado?

A comparação com o ludismo é interessante porque, apesar de todas as diferenças que podem existir, eles têm em comum a identificação da máquina como exemplo visível de seus problemas. Já que não posso atacar diretamente toda a estrutura econômica, a forma mais fácil e imediata de direcionar meu ódio é destruindo a máquina. Creio que isso começará em não muito tempo. Por exemplo, o taxista que está sem trabalho e vê esses carros autônomos, sem motorista, passando diante de seu nariz um dia após o outro, pode ficar com raiva. É muito tentador traduzir toda essa frustração contra esses novos veículos que tenham tirado sua função.

| Leia mais: Revolta contra máquinas faz parte da História – e também do futuro

Como devem se agrupar esses terroristas? Podem surgir grandes organizações?

Esse novo terrorismo utilizará também as oportunidades que a tecnologia oferece, o que é uma contradição. Seus integrantes não terão nenhum tipo de problema em usar os mecanismos modernos de comunicação. A forma como vai se traduzir essa violência, no entanto, será muito diferente da que conhecemos. Ao mesmo tempo, aumentará a capacidade de monitoramento dos governos e, portanto, o espaço de privacidade será reduzido, tornando mais difícil operar de maneira clandestina. Será interessante ver como os terroristas podem encontrar uma janela aberta para seguir operando.

Para Soriano, “a forma mais fácil e imediata de direcionar meu ódio é destruindo a máquina”, é o pensamento dos ludistas

Qual o papel da imprensa, na sua opinião, quanto à cobertura desse novo tipo de terrorismo?

O que podemos ver são alguns episódios mínimos de caráter tecnofóbico. Evidentemente, porém, isso é marginal se comparamos com outras violências. À medida que comecem a aparecer de forma mais evidente os efeitos não desejados da transformação tecnológica, vai se criar uma base social de apoio a essa violência que hoje em dia não existe. Será uma questão muito diferente quando essas pessoas se virem desprovidas de suas fontes de renda, vivendo nessa frustração e rejeição pela mudança social que experimentaram. Os meios de comunicação devem ter uma atitude muito responsável ao não amplificar as ameaças que representam alguns desses grupos, mas também não escondendo a informação, pois é relevante e a sociedade deve conhecê-la. Tradicionalmente, esse é o grande desafio que têm os meios de comunicação na hora de informar sobre terrorismo: não cair no alarmismo, mas também não silenciar determinados fatos.

Uma das consequências mencionadas no estudo é o aumento do consumo de drogas. O que os governos podem fazer sobre isso?

Com a biotecnologia será possível que todos os efeitos negativos, como o vício e a deterioração da saúde – principais motivos para a proibição atual -, não precisem existir no futuro. Alguém pode desfrutar dos efeitos das drogas sem que isso seja um dano. Os governos, então, apostariam na legalização desse tipo de substância como uma forma de saída ao descontentamento social. “Não tenho emprego nem renda, mas posso viver numa redoma de embriaguez permanente.” Seria um pouco como a concretização de Admirável Mundo Novo, romance de Aldous Huxley. Se nós tiramos do consumo de drogas essa variável de dano para a saúde, podemos encontrar precisamente que a visão do governo não só é de combater, mas propiciar o consumo de drogas como um mecanismo de controle, principalmente quando temos uma grande massa da população afastada da economia e da produção indefinidamente, impossibilitada de ter participação relevante na sociedade.

O que os planejadores de políticas públicas deveriam ter em conta para os próximos 20 anos?

Há uma espécie de corrida entre países e empresas para ver quem serão os primeiros no mercado por esses serviços, e isso está sendo feito às custas de não olhar o aspecto da segurança. A mudança tecnológica é positiva, vai garantir benefícios, mas temos de implementá-la pausadamente para que ela possa ser assumida pela sociedade de uma maneira não traumática.

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