Era para ser só mais uma personagem de gibi, mas Mônica roubou a cena. Isso lá no início dos anos 1960, quando Cebolinha ainda era o menino dos olhos de um Maurício de Sousa em início de carreira. Mas a baixinha, gorducha e dentuça passou à “flente”. Depois de quase meio século dando surra de Sansão, virou protagonista também de um projeto que tem como foco a auto-estima das meninas, o #DonasdaRua. Já nas revistinhas, mudou a forma de retratar figuras femininas: saiu o avental de cozinha das mulheres e entrou a bola de futebol nos pés das garotas.
“A gente ficou se perguntando como mostrar para essas meninas que existem mulheres fortes”, explica Mônica Sousa, filha-inspiração e diretora executiva da empresa Maurício de Sousa Produções (MSP), à frente do projeto Donas da Rua. “E também que elas poderiam contar a história das mulheres que fizeram a história. Porque, normalmente, essas narrativas são feitas por homens.”
Além do portal Donas da Rua, que apresenta para o público infantil figuras como a cientista Marie Curie, a escritora Rachel de Queiroz e a jogadora de futebol Formiga, nos quadrinhos os empregos das mães e dos pais da turminha passam a ser equivalentes. Os discursos supostamente sexistas são abominados e o esporte — tema antes abordado apenas pelos meninos do grupo —, passa a ser também “coisa de menina”.
“Faltava a gente incluir essa ideia nas nossas revistas, em informações para a criança. A partir do momento em que ela vê uma imagem da mãe do Cebolinha de avental e o pai indo trabalhar, por exemplo, ela pode pensar que só a mulher fica em casa, cuidando do lar”, diz a executiva. A mudança de abordagem ocorreu após conferência com a ONU Mulheres, que levou à assinatura dos Princípios de Empoderamento das Mulheres, em 2016. O texto orienta o setor privado a promover a igualdade de gênero no trabalho e na sociedade. Essa atualização na forma como a mulher é retratada tem nome: feminismo. De modo sutil, por meio das histórias, a mensagem de igualdade de gênero é passada às novas gerações.
Roteiristas e desenhistas da MSP foram, então, instruídos a trabalhar com o inconsciente das crianças, explica Mônica. Dados apresentados pela ONU na ocasião mostraram que a partir dos 6 anos uma menina pode ter a auto-estima afetada no futuro por não ter funções atribuídas à sua personalidade. “As mães dos personagens nasceram nos anos 1960. Só que não estávamos nos dando conta de que isso era ruim para a imagem que a menina tinha das mulheres”, afirma.
‘Sempre tem alguém que acha que é mimimi, que é besteira. Mas a gente vai seguir com o que a gente pensa’
O novo posicionamento da marca está dando o que falar. Mas, de acordo com Mônica, isso não é tão recente quanto parece. O grande exemplo está na força e na determinação da principal personagem de Maurício de Souza. “Sempre tem alguém que acha que é mimimi, que é besteira, mas a gente vai seguir com o que a gente pensa. A gente acredita nisso, que a gente pode, de alguma maneira, influenciar para o lado positivo”, justifica. “As nossas personagens femininas são determinadas desde os anos 1960 e sem o estereótipo de beleza. Mesmo assim, eram muito felizes com elas mesmas.”
Determinada, não histérica
Como diretora do grupo do pai, Mônica conta que já teve de bater o pé para ser escutada. Diz que, dentro da empresa, era conhecida por ser uma mulher “brava”. Mas afirma que precisou mudar os adjetivos que usa para falar de si mesma após as aulas da ONU. “Se for com homem, a gente fala: ‘Ele é muito determinado, ele é muito forte’. Quando é mulher, ela é muito brava ou é muito histérica. Foi aí que eu aprendi a tomar cuidado com esses discursos e ter essa visão de nós mesmas, de que temos capacidade, todos os direitos iguais a qualquer homem”, diz.
Se for com homem, a gente fala: ‘Ele é muito determinado, ele é muito forte’. Quando é mulher, ela é muito brava, ela é muito histérica
Em casa, ela afirma que nunca foi vítima de sexismo, uma vez que a família é formada, majoritariamente, por matriarcas. Ela e as irmãs, Magali e Mariângela, do primeiro casamento do pai, receberam o incentivo para ter a vida profissional como foco desde cedo. Mas reconhece que a realidade não é igual para todas as meninas.
“A gente não foi criada para ser dona de casa, mas para trabalhar fora, para fazer cursos. Quando a gente não tem isso (sexismo) em casa, a gente acha que não existe. Em algumas realidades, meninas ficam limpando a cozinha no fim de semana enquanto o irmão assiste futebol”, conta Mônica. “Então, a gente quer mostrar por meio das nossas histórias, dos desenhos animados, do nosso site, que as meninas têm os mesmos direitos que os meninos.”