Elas ficaram conhecidas mundialmente em 2012 com um de seus protestos mais simbólicos. Vestindo balaclavas coloridas, as integrantes da banda punk feminista Pussy Riot entraram na Catedral de Cristo Salvador, em Moscou, cantando uma prece para que a Virgem Maria livrasse a Rússia de seu mandatário, Vladimir Putin. O coletivo Pussy Riot, que nunca separou arte de ativismo, chega agora ao Brasil pela primeira vez, para dois shows – amanhã (19), no Recife, e sábado (20), em São Paulo.
“Nosso objetivo, desde o começo, era criar uma linguagem com a qual grupos pequenos pudessem ter uma prática política que chamasse a atenção”, disse a vocalista Nadya Tolokno, em entrevista concedida ao Estado. É por isso que elas não se importam se você as conhece pela letra de Straight Outta Vagina ou se ouviu falar delas pela primeira vez por causa da invasão do gramado na final da Copa do Mundo da Rússia, em 2018. Para a integrante do Pussy Riot, o que vale são as reflexões que elas possam despertar na sociedade. “Dez anos atrás, era muito impopular ser feminista na Rússia. Isso mudou completamente nos últimos cinco anos.”
Nadya conta que constantemente descobre ramos do movimento em diversos países sob a liderança de pessoas que ela não conhece. Segundo a vocalista, centenas de pessoas atualmente se identificam com o movimento. “Qualquer um pode participar do Pussy Riot.”
As discussões que a banda levanta podem ter impactos positivos tanto na Rússia quanto no Brasil. Aqui uma mulher morre a cada duas horas vítima de feminicídio. Lá, o governo Putin sancionou uma lei em 2017 que, na prática, despenalizou a violência doméstica. “Hoje, agredir alguém da sua família é considerado um assunto privado e os juízes não têm o direito de te prender”, denuncia Nadya.
Na turnê pela América Latina, as apresentações em vários países farão parte de festivais feministas. Para Nadya, o movimento em prol dos direitos das mulheres e da comunidade LGBTQ vive um momento “empolgante”, de expansão e fortalecimento. “Acredito na força dos grandes movimentos coletivos. É um orgulho fazer parte disso.”
A banda promete desembarcar no Brasil com muitas músicas novas, compostas nos últimos meses. O show ainda deverá ser recheado de material visual. “Compomos letras políticas sobre poluição, a possibilidade de uma guerra nuclear e mudança climática”, antecipou Nadya. A ativista afirmou que o grupo punk acompanha o caso do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e fará um pronunciamento em sua homenagem durante a apresentação. O show no Recife será dia 19 no Festival Abril Pro Rock, no Baile Perfumado. Na capital paulista, a apresentação será no Festival Garotas à Frente, no Fabrique Club, no dia 20.
Punk feminista com balaclavas coloridas
A banda surgiu em 2011. Nadya, formada em Filosofia, e um grupo de colegas ativistas tiveram a ideia de criar o grupo musical quando preparavam uma palestra sobre o movimento punk feminista. Elas perceberam que havia espaço na Rússia para uma banda que se posicionasse contra o então primeiro-ministro Vladimir Putin. À época, ele anunciava que se candidataria para a presidência. Ele viria a ganhar e assumiria o cargo que já havia ocupado entre 2000 e 2008.
As balaclavas tinham simultaneamente motivação simbólica e prática. Elas se inspiraram no movimento mexicano zapatista, no qual os homens armados vestiam máscaras cobrindo o rosto. Mas também queriam se manter anônimas porque estavam iniciando um coletivo e não queriam ser identificadas com seus projetos anteriores. “Escolhemos máscaras coloridas porque, se fossem pretas, poderíamos evocar a imagem de terroristas ou até mesmo da polícia. Pelo contrário, nós queríamos parecer amigáveis.”
Quando realizaram o protesto em 2012 na principal catedral ortodoxa do país, Nadya e Masha Alyokhina, companheira de movimento, pagariam o preço por se opor politicamente a Putin. Condenadas por “hooliganismo motivado por ódio religioso”, foram sentenciadas a dois anos de prisão.
A vocalista conta que não esperava ser presa por causa daquele protesto com alta carga simbólica, pois era uma intervenção pacífica e sem destruição de bens. “Mas, quando você faz um protesto na Rússia, precisa estar preparado para ir para a cadeia sem motivo algum.”
Enquanto esteve presa, Nadya denunciou condições de “trabalho escravo” em seu presídio e acusou uma autoridade do local de tê-la ameaçado de morte. Apesar disso, ela afirma que o período encarcerada a fez amadurecer. Sua experiência a levou a criar, quando saiu do cárcere, o Media Zone, um jornal independente que acompanha decisões judiciais envolvendo inimigos políticos do governo Putin.
Nadya e Masha não foram as únicas integrantes do Pussy Riot a sofrerem represálias do Kremlin. Pyotr Verzilov, ex-marido de Nadya, adoeceu misteriosamente em setembro de 2018. Ficou cego temporariamente, perdeu a habilidade de falar e ficou delirando. Após quatro dias internado em estado crítico, foi levado a Berlim. Uma semana depois, a equipe médica responsável fez um comunicado à imprensa afirmando que havia indícios de que Pyotr teria sido envenenado e poderia ter morrido.
O integrante do Pussy Riot era também editor do Media Zone. No momento de seu envenenamento, apurava a morte de três jornalistas russos na República Centro Africana. Eles investigavam ligações entre um oligarca russo e uma rede de mercenários no país africano. A Rússia ocupa a 149ª posição, entre 180 países, no índice de liberdade de imprensa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Da prisão para a apresentação com Madonna
“O Pussy Riot se tornou um movimento a partir do momento em que eu fui parar na prisão”, pondera Nadya. De fato, sua prisão chamou a atenção do mundo. A ONG Anistia Internacional chegou a considerá-la uma “prisioneira da consciência”. Elas foram liberadas em 2013 por meio de uma anistia do presidente Putin. Críticos ao governo afirmam que a medida foi tomada para evitar repercussão negativa com a aproximação dos Jogos Olímpicos de Inverno de Socchi, em 2014.
Desde então, elas já se apresentaram com a Madonna. Também realizaram uma performance em favor dos imigrantes em uma intervenção artística do misterioso grafiteiro britânico Banksy. A crescente popularidade internacional trouxe mudanças para o grupo, que passou a gravar músicas em inglês e a criticar, ainda, o presidente norte-americano, Donald Trump.
“Pessoalmente, cresci muito e estou aprendendo a escrever músicas e compor canções de modo mais sério”, fala a vocalista, empolgada em continuar transmitindo suas ideias por meio de sua arte. Apesar dos vários videoclipes denunciando Trump e Putin, Nadya diz que não vê os dois como inimigos. “Precisamos convencê-los a ficar do nosso lado. Ou controlá-los e torná-los responsáveis por suas atitudes.”
Com a expansão internacional do Pussy Riot, será que Putin já tem motivos para temer o movimento? “(Risos) Acho que ele está começando se preocupar com muitas coisas, mas não com o Pussy Riot. Ele sabe que suas taxas de aprovação na sociedade russa estão caindo.”