Vamos combinar que não se trata de uma das leituras mais agradáveis, com aquelas letrinhas pequenas, várias palavras desconhecidas e assustadoras. Mas o aviso está ali, em inúmeras variações: trombose, trombótico, tromboembólico, tromboembolismo. Embora o risco de passar pelo problema seja considerado baixo, ele existe. Não é mito. Contraceptivos orais populares no Brasil, caso de Yasmin, Yaz, Selene, Diane 35 e Elani, alertam para isso no texto que muita gente descarta com a caixinha.
“Infelizmente, é muito incomum lermos a bula inteira. Sempre pulava a parte sobre os riscos”, diz a estudante de Direito Thamires de Mattos, de 23 anos, que tomou a pílula por quatro anos. Ela sofreu uma embolia pulmonar, decorrente de trombose na perna esquerda. “O anticoncepcional foi indicado como o método mais fácil. Então, não tive opção.”
Thamires acredita que falta atenção das pacientes em relação às bulas – e também um cuidado maior do especialista ao receitar o contraceptivo. A hematologista Ana Clara Kneese concorda. “De fato, o anticoncepcional aumenta o risco. O mais importante é que a mulher esteja orientada a tomar cuidado e fazer medidas preventivas em situações aditivas a esse risco”, afirma a especialista, que integra o Comitê de Trombose da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. Segundo Ana Clara, as mulheres devem ter atenção a períodos de imobilização, além de fatores como sedentarismo, obesidade, tabagismo, fortes enxaquecas e histórico de trombose na família.
O que diz a bula, por exemplo, do Yasmin: “Estudos epidemiológicos sugerem associação entre a utilização de contraceptivos orais combinados (COCs) e um aumento do risco de distúrbios tromboembólicos e trombóticos arteriais e venosos, como infarto do miocárdio, trombose venosa profunda, embolia pulmonar e acidentes vasculares cerebrais. A ocorrência destes eventos é rara. (…) O tromboembolismo venoso pode provocar risco para a vida da usuária ou pode ser fatal (em 1 a 2% dos casos).”
A paciente que tem muito receio não precisa se comprometer com nenhum método
— Ginecologista Patrícia de Cassia Olivotti
Para a ginecologista e obstetra Patrícia de Cassia Olivotti, é sempre importante deixar claro às pacientes que há outros métodos além dos contraceptivos orais tradicionais. “A pílula é a mais acessível, mais fácil de comprar, de usar e o valor é o melhor, mas existem outras formas”, aponta. “A paciente que tem muito receio não precisa se comprometer com nenhum método.”
Daniela Oliveira, de 43 anos, afirma que nunca foi alertada sobre riscos e complicações. Fisioterapeuta e instrutora de pilates e de treinamento funcional, ela tomou mais de oito tipos de anticoncepcionais em um período de quase 20 anos. Recentemente, sofreu uma trombose acompanhada de uma hemorragia cerebral. Após várias convulsões, ficou com parte da fala e da memória afetadas, além de ser diagnosticada com epilepsia.
“Mulheres deveriam saber dos riscos. Acho que os ginecologistas deveriam falar e pedir exames antes de prescrever”, analisa Daniela. “O anticoncepcional não deveria ser vendido tão facilmente na farmácia, teria de ser liberado apenas com prescrição médica. Hoje, não necessariamente você precisa ir ao ginecologista para tomar.”
Tratando-se apenas das pílulas, a ginecologista Patrícia de Cassia indica que há opções de contraceptivos orais combinados, ou apenas com progestagem, o que significa que o comprimido não é composto por estrogênio, um dos vilões quando o assunto é trombofilia.
Vale discutir a melhor opção com o ginecologista. Mas, para se ter uma ideia da variedade de hormônios e composições encontrados nos anticoncepcionais, Elani e Yasmin têm drospirenona e etinilestradiol (o progestogênico e o estrogênico, respectivamente). Já o Yaz, apesar de conter a mesma dose de progestógeno que o Yasmin, possui menos estrógeno.
O Diane 35 e o Selene são fabricados com os dois hormônios sintéticos, mas em baixa dose — as substâncias são as mais indicadas para o tratamento de acne. Para as pacientes que apresentam risco de tromboembolia, o ideal é a pílula não combinada. No Brasil, apesar de menos popular que os contraceptivos já citados, o Cerazette, chamado de “minipílula” por conter apenas o progestagênio isolado, é uma das opções sem estrogênio.
Alternativas menos arriscadas
Na lista de contraceptivos disponíveis no Brasil há pílulas, adesivos, anéis vaginais, injeções, DIU de cobre, DIU Mirena hormonal e implante subcutâneo. De acordo com a ginecologista, os três últimos da lista estão entre os menos arriscados. “Orais, adesivos, anéis e injetáveis apresentam o mesmo risco de trombose, que não é alto se não houver fator de risco”, diz Patrícia de Cassia. “Já os outros, com dosagens baixas de hormônio, não têm risco de desenvolver a trombose e há uma segurança maior.” A médica chama atenção, ainda, para o DIU de cobre, sem substâncias hormonais.
Segundo a hematologista Ana Clara, a escolha do melhor método contraceptivo deve ser feita com a análise de fatores como a idade da paciente e se ela já iniciou vida sexual, por exemplo. “Acho o implante uma opção. Acredito que todos os métodos são possíveis de serem escolhidos e é preciso discutir com a paciente as preferências e os riscos”, afirma. A médica cita casos em que o anticoncepcional é a melhor escolha por ser usado de forma terapêutica — como para tratar ovários policísticos, problemas de acne e cólicas fortes — e não só para prevenir a gravidez.
A nutricionista Thaiane Moulin, de 23, decidiu testar o Implanon, o implante subcutâneo, também conhecido como “anticoncepcional de chip”. A decisão veio porque Thaiane não se adaptou ao contraceptivo oral. “Eu esquecia de tomar a pílula todo dia, então era mais seguro e mais prático colocar o implante. Eu me sentia como se estivesse envenenando o meu corpo tomando uma pílula todo dia.” Além da praticidade, a nutricionista garante se sentir mais segura, já que o hormônio vai direto para a corrente sanguínea.
Em relação a aceitação do organismo ao receber o implante subcutâneo, cada corpo pode reagir de um jeito. Para Thaiane, mesmo depois de um ano de uso, o Implanon ainda provoca sangramento de escape. “No primeiro mês, eu não menstruei e depois comecei a menstruar de 15 em 15 dias, que é o sangramento de escape. A médica disse que isso pode ser normal, que pode ser do meu corpo se adaptando ainda e que pode ser que passe”, relata.
Qual é o melhor método anticoncepcional?
O ideal para que se faça a melhor escolha é realizar uma avaliação geral da paciente, afirma Patrícia. Entre as principais questões estão se a mulher é fumante, sedentária, se tem histórico de trombose na família, se tem enxaquecas fortes, se é obesa ou tem tendência para obesidade. “A gente começa a investigar o perfil dessa paciente para tentar identificar riscos. Se existe algum histórico, é bom pedir exames de sangue específicos para identificar o risco de trombofilia”, afirma a ginecologista. “Mas não dá para indicar na primeira consulta, tem de passar por uma avaliação antes.”
Sobre os exames, no entanto, a hematologista Ana Clara alerta para uma falsa sensação de segurança quando se fala em realizar a investigação do histórico para identificar o risco de trombofilia: “A trombose é o resultado de diversos fatores, o hormônio não é o único. Quando não se encontra o risco existe a falsa sensação de segurança, o que também pode não ser verdade, e quando encontra fica aquela falsa sensação porque têm pessoas com risco, que tomam anticoncepcional e nunca tem nada”, diz a médica. “É preciso lembrar que a identificação da trombofilia não é um fator decisivo e nem elimina o risco.”
Um exemplo é a fisioterapeuta Daniela, que teve trombose cerebral e, mesmo assim, o exame de trombofilia não apontou risco. “Não tenho histórico familiar, sempre fiz acompanhamento para cuidar da saúde, sempre fiz atividade física, então dificilmente eu tinha os fatores que pudessem levar a uma trombose. E, depois do AVC (acidente vascular cerebral), eu fiz o exame de trombofilia e não acusou nada mesmo assim”, conta.
Nos 26 Estados brasileiros e no Distrito Federal, o exame genético para identificar trombofilia é oferecido apenas por laboratórios particulares. A exceção é a cidade de São Paulo, onde o exame é disponibilizado pelo SUS desde janeiro de 2017. De acordo com a Lei 16.599, toda mulher do município tem o direito de fazer pelo sistema público o exame que detecta a trombofilia.
De acordo com nota da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), “as solicitações de exames de pesquisa genética para trombofilia (protrombina mutante, fator V de Leiden, mutação da MTHFR) são realizadas pelos obstetras e ginecologistas da rede, por meio de convênio firmado entre a SMS e o Instituto do Coração (Incor).” Segundo a secretaria, cerca de 5 mil exames são feitos por mês pela rede e as pacientes são orientadas pela unidade de saúde a realizar os procedimentos, sem necessidade de agendamento, no Laboratório do Incor.