Em Mato Grosso, uma mulher ganha, em média, R$ 1.806 por mês. Ao mesmo tempo, no mesmo local, um homem tem salário médio de R$ 2.537. No Estado mais desigual do Brasil em relação à remuneração e gênero, o salário deles ainda é 40% maior que o delas. Os dados apontam para um fenômeno que tem ocorrido em todo o país e que preocupa especialistas: a estagnação na luta contra a desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Um estudo da confederação global Oxfam mostra que, pela primeira vez em 23 anos, a diferença salarial entre brasileiros e brasileiras aumentou ao invés de diminuir. Segundo pesquisa divulgada no ano passado, na passagem de 2016 para 2017, a equidade dos salários caiu de 72% para 70%. Para pesquisadores, a situação foi causada por uma série de motivos, sendo a crise econômica o mais imediato deles.
“A literatura já aponta que, em períodos de recessão, as mulheres e os negros são os primeiros a perder o emprego. É um fator que marca bastante a desigualdade de gênero e raça no Brasil”, afirma a professora Márcia Lima, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo a especialista, as duas classes são mais vulneráveis e acabam sofrendo o impacto imediato da crise. “Isso também vem aliado a diversos outros fatores: as mulheres conciliam trabalho dentro e fora de casa, às vezes têm uma jornada menor, e muitas são remuneradas diferentemente por serem mulheres, ou seja, são discriminadas”, explica.
O estudo da Oxfam aponta que, entre 2016 e 2017, tanto homens quanto mulheres tiveram incrementos nas médias gerais de rendimento. Mas o aumento para o gênero masculino foi maior que o dobro do feminino (5,2% contra 2,2%). Entre a parte mais rica da população, o crescimento deles foi seis vezes maior que o delas (19% contra 3,4%).
Potencial feminino desperdiçado
Para Carmen Migueles, professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Brasil piorou no combate à desigualdade. “A marcha salarial das mulheres é menor porque elas têm menos oportunidades e ganham remunerações menores, ainda que mais qualificadas”, afirma. “A gente não as inclui nos cargos-chave que poderiam gerar aumento na produção e na competitividade”, continua.
De acordo com a pesquisadora, mulheres são maioria entre a mão-de-obra especializada no Brasil, mas o mercado não consegue utilizar esse potencial. “Como as empresas focam em redução de custo no curto-prazo, elas têm mais dificuldade no mercado de trabalho por conta da licença maternidade. A partir do momento que você tem filhos, mesmo que seja uma cientista brilhante e capaz de fazer inovações para gerar fortunas, as empresas não conseguem usar esse potencial”, diz.
Para Márcia, a segmentação entre homens e mulheres no mercado de trabalho também contribui para o quadro. “As carreiras em que há maior participação feminina têm uma média de salário mais baixa. Inclusive, se você tem uma ocupação masculina que se torna feminina, o salário médio dessa carreira cai”, explica.
Os impactos são ainda mais graves na parcela mais pobre da população, em especial as mulheres. A pesquisa da Oxfam mostra que, ao invés de crescimento, elas tiveram redução de 3,4% no rendimento no ano passado, em relação a 2016. Os homens mais pobres também perderam renda, mas em uma proporção menor: 2%.
“As mulheres de classe AAA que podem pagar babá, empregada e motorista, conseguem ascender. Mas elas ascendem em detrimento do salário e das condições de trabalho daquelas que trabalham para elas”, afirma Carmen. “Por conta da desigualdade, você emprega mulher mais barata. Então, isso puxa a massa salarial feminina total para baixo. Porque a cada uma que ganha mais, existe uma empregada doméstica que ganha menos trabalhando para ela. A gente tem esses ciclos viciosos”.
Atraso na economia
O desperdício do potencial feminino não tem efeitos ruins só para elas. Na verdade, atrasa a economia do País como um todo. Estudos apontam que, se as mulheres tivessem salários iguais aos dos homens, até o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceria. “Algumas pessoas falam: ‘Nossa, então é só pagar mais às mulheres que o PIB cresce? Que burrice!’. Obviamente não se trata disso”, explica a professora Regina Madalozzo, do Insper.
No início do ano, um trabalho orientado por ela mostrou o impacto da discriminação salarial por gênero no PIB per capita de 3.182 municípios brasileiros, entre 2007 e 2014. O estudo, feito pelo pesquisador Rafael Ribeiro dos Santos, indica que, nas cidades com maior discriminação, o PIB teve crescimento menor. No sentido contrário estão aquelas que tinham salários mais semelhantes para homens e mulheres.
“Observa-se que municípios que possuem o serviço público como principal setor no PIB apresentam o maior crescimento do PIB per capita e o menor indicador de discriminação. Em contrapartida, nos municípios onde a indústria é a principal responsável pelo PIB, é observado um alto nível de discriminação e menor crescimento do PIB per capita”, diz a pesquisa.
O estudo feito no Insper reflete uma conclusão também alcançada pelo Banco Mundial. A pesquisa ‘Mulheres, empresas e o direito 2018’ aponta que, se a discriminação salarial por gênero fosse reduzida no Brasil, o PIB do País seria 3,3% maior. Um incremento na casa do R$ 380 bilhões.
“Não se trata de simplesmente aumentar os salários das mulheres e o PIB vai crescer. O ponto é: a disparidade no mercado de trabalho, tanto em oportunidade quanto em salário, faz com que parte da população feminina se retire de áreas nas quais seriam muito produtivas para deixar a força de trabalho ou se colocar em empregos menos produtivos”, afirma Regina. “Não basta participar do mercado de trabalho. Se queremos crescer, é preciso colocar essa mulher onde ela se encaixa melhor.”
Para Carmen, a valorização da diversidade é essencial para o avanço da economia. “As pessoas olham para isso como um tema política e ideológico. É preciso trazer essa mão-de-obra altamente qualificada que estava excluída da liderança para o mundo produtivo. Não é uma questão de ser fofo com as minorias”.