Doula não é parteira tampouco enfermeira obstetra. Muitas vezes confundida, ela acompanha gestantes em partos — antes, durante e após o nascimento do bebê. O que faz uma doula é dar apoio emocional e sugerir técnicas não medicamentosas ou exercícios para alívio de dor. Também tem a função de estar atenta para evitar que sejam realizados procedimentos hospitalares que a mãe não queira.
“Ela é a acompanhante contínua da mulher”, define Maria de Lourdes da Silva Teixeira, doula há 40 anos e fundadora do curso de formação específica no Instituto de Yoga e Terapias Aurora, no Rio. Ela lembra que, embora a doula seja a pessoa de maior confiança da gestante, existe um limite para sua atuação, tanto do ponto de vista médico quanto ético. A gestante precisa estar consciente das limitações de um parto em casa. “A mulher que opta por ter o parto domiciliar sabe que não vai poder tomar anestesia. Conta com ela mesma e ninguém aceita fazer parto em casa se não percebe que a mulher decidiu isso pelo desejo dela.”
A ocupação de doula está na relação de códigos do Ministério do Trabalho, mas ainda não é regulamentada (leia mais abaixo), o que propõe um projeto de lei do ano passado em tramitação no Congresso Nacional. Para desempenhar a função, a pessoa deve ser maior de 18 anos e ter o ensino médio completo e um curso na área. Existem opções totalmente online, mas a formação presencial é recomendada pelas especialistas consultadas na reportagem do Estado.
O conteúdo dessa formação deve se limitar à função desempenhada, o que nem sempre ocorre e acaba contribuindo para a visão distorcida sobre o que faz uma doula. Segundo Eleonora Biachi, idealizadora e diretora do Despertar do Parto, em Ribeirão Preto, no interior paulista, alguns cursos ensinam a fazer exame de toque ou escuta fetal. “Esse não pode ser o papel da doula em hipótese nenhuma, não é ter a habilidade técnica no parto”, explica Eleonora. “Não é esse o objetivo nem a responsabilidade dela.”
Algo que a doula e estudante de Fisioterapia Gabriela Marx sabe bem. “É importante deixar claro que doula não faz parto. Ela está ali como equipe, mas não pode substituir a enfermeira obstetra ou a ginecologista obstetra”, diz a jovem, de 24 anos. “Auscultar um bebê, por exemplo, é coisa que só o médico faz. A doula não pode fazer nenhum exame, procedimento cirúrgico ou receitar medicamentos para a paciente.”
Talvez a confusão com parteira explique outro engano comum relatado pelas doulas ouvidas pelo Estado. Muita gente ainda imagina que a pessoa nessa função tem de ser mais velha. “Acontece bastante de pensarem que doula faz parto e que é uma senhorinha, que anda com lenço no ombro e ervas mágicas”, conta a doula Gabriela Foggetti, de 25.
Quanto custa o atendimento das doulas e outras dúvidas comuns sobre a participação dela no parto estão respondidas a seguir:
Doula não é considerada uma profissão?
Não. A doulagem é uma ocupação incluída no Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho com o código 3221-35 e a função exige que a pessoa tenha mais de 18 anos, ensino médio completo e um curso de formação na área.
Um projeto de lei (PL 8.363/2017) para regulamentar a atuação das doulas, de autoria da deputada Erika Kokay (PT/DF), tramita na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados. Em uma audiência pública realizada em 2017 para debater a proposta, médicos e doulas entraram em uma discussão sobre possíveis interferências em procedimentos que seriam de responsabilidade médica.
Outra polêmica em torno da ocupação é a baixa qualificação técnica das doulas para orientar as gestantes. O projeto incial apresentado pela deputada determinava carga horária mínima de 180 horas para os cursos – agora, após as tramitações, está sendo proposta a quantidade de 80 horas. As associações de doulagem argumentam que as críticas são feitas sem conhecimento da dinâmica de trabalho das doulas.
Como são os cursos para doulas?
Em cursos de formação de doulas como o Despertar do Parto (Ribeirão Preto), o Instituto de Yoga e Terapias Aurora (Rio) e o Grupo de Apoio à Maternidade Ativa – Gama (São Paulo), a carga horária varia de 32 a 82 horas, com aulas principalmente teóricas, para promover uma imersão nas fases do parto.
De acordo com Eleonora, do Despertar do Parto, uma problemática é que nem a carga horária do curso nem o conteúdo programático são definidos. “O que a gente tem hoje de realidade no Brasil, e é muito preocupante, são cursos de pouca duração de formação de doula, com 8 horas, 16 horas de duração. Além de cursos que são ministrados totalmente online, o que não acredito que seja uma boa formação.”
No curso do Despertar do Parto, por exemplo, Eleonora explica que a futura doula aprende como entender os sinais ao longo do trabalho de parto, como ajudar a mulher em cada uma das etapas e como oferecer um suporte contínuo, sendo que o principal é o apoio emocional e informativo. As alunas recebem ainda uma orientação sobre a parte prática. “Quantos encontros, o que fazer em cada um, o contrato, como entrar nas maternidades com autorização, entre outros detalhes.”
A formação de doula no Instituto de Yoga e Terapias Aurora segue essa linha de ensino. De acordo com Maria de Lourdes, conhecida como Fadynha, a doula precisa estar sempre estudando e se atualizando, pois o curso de 32 horas de carga horária é só o primeiro passo. “A gente dá noções de anatomia e fisiologia, além de ética e normas de conduta. A doula nunca pode confrontar as decisões dos obstetras. Ela também tem de saber a situação de cada mulher para adequar o que deve ser feito.”
Quanto custa o atendimento das doulas?
Não há um preço tabelado. De acordo com a doula Lara Cavalcante, o custo de contratação varia conforme a cidade e a região do Brasil, mas em média pode custar de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Normalmente, mãe e doula fecham um pacote que pode incluir encontros pré-parto e pós-parto, além do acompanhamento na hora do nascimento do bebê e orientação à gestante online para tirar dúvidas simples. O custo da contratação da doula é sempre pago de modo particular, sem a opção de reembolso de convênio médico.
Moradora de Salvador, a doula Gabriela Marx diz que o valor do serviço na cidade vai de R$ 800 a R$ 2.500, dependendo dos cursos extras de cada uma. Ela cobra R$ 1.200 por cinco encontros com a gestante na casa da grávida: “Três são antes do parto, um durante o trabalho de parto, que pode ser rapidinho ou durar dias, e um no pós-parto”.
O que as doulas são orientadas a fazer em casos de intercorrências?
Embora a doula não interfira diretamente no trabalho de parto, algumas indicações são dadas para que ela saiba agir em casos de urgência. De acordo com Eleonora, ela deve sempre se certificar de que está com uma equipe que possui experiência e está preparada para realizar o parto, principalmente se for domiciliar. “Eu não recomendo que a doula esteja num parto mal assistido porque ela tem de ter uma responsabilidade ética sobre os riscos que podem estar envolvidos ali”, afirma a idealizadora e diretora do Despertar do Parto.
Para a doula Gabriela Foggetti, é raro alguma coisa dar errado, mas é preciso estar preparada caso isso aconteça. “É uma vida chegando. Quando dá errado, é por má assistência mesmo. Parto natural em casa é muito sério, não é uma brincadeira.” A doula destaca que é importante combinar antes todo o plano do parto. “Uma coisa que minha equipe deixa muito claro é que, a qualquer sinal de que algo não está certo, a gente vai para o hospital. Não é parto natural a qualquer custo.”
*Atualizada em 8 de maio de 2019 para incluir tramitação do projeto de lei sobre doulas