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Fotos: Tiago Queiroz/Estadão Grécia Catarina; Balé da Cidade; Balé. dança contemporânea

O voo dos nossos Cisnes Negros, uma reportagem visual

Bailarinos clássicos e contemporâneos buscam espaço num tipo de arte em que o corpo diferente ainda é exceção

Na sala de ensaios da Praça das Artes, no centro de São Paulo, a coreografia ao som de Caetano ganha vida nos pés de cerca de 30 bailarinos. Montada para o aniversário de 50 anos do Balé da Cidade, a dança havia sido apresentada pela última vez no dia 25 de março. Para a maioria do elenco, era questão de relembrar os passos. Mas Grécia Catarina precisava aprendê-los. A mineira de rosto e corpo expressivos ingressou no elenco em abril, depois da exibição. Ela é a única bailarina negra na principal companhia de dança contemporânea do País.

Ainda que gostasse das aulas de balé clássico, o protagonismo em meio a tutus e sapatilhas de ponta parecia longínquo. Grécia decidiu, então, levar sua dedicação e seu talento para a dança contemporânea. “O sonho tem de ter uma possibilidade”, justifica. “Se você acha que ele é tão impossível, vira uma dor muito grande.” Ela fala por experiência. Na única vez em que se apresentou como bailarina clássica, foi pressionada a adquirir um corpo que não condizia com o seu. “Precisei emagrecer de um jeito absurdo, perder a minha musculatura toda. Eu já era magra, acabei me sentindo fraca.”

Pela falta de oportunidades, a bailarina se preparava para deixar o País, rumo a uma companhia na Dinamarca. Foi quando decidiu tentar uma vaga no Balé da Cidade, no fim de 2017, mesmo sem acreditar que teria chances de ser aprovada. “Imaginava que precisaria ser mais do que excepcional, porque até então eu não era o perfil de nenhum bailarino que estava aqui, nem de ninguém que saiu.” Mas a história teve fim diferente. Quando foi convidada a integrar a companhia paulista, alguns meses depois, deu adeus aos dinamarqueses. O interesse por trabalhar com o diretor, Ismael Ivo, pesou muito na decisão.

Ismael é o primeiro diretor negro da companhia. Saiu de São Paulo, com pouco dinheiro, para um festival em Salvador, onde foi descoberto pelo diretor da companhia de dança americana Alvin Alley. De lá, se especializou em balé clássico, dança moderna e contemporânea. Entre olhares emocionados pelo passado, sorrisos se desenham quando ele começa a falar da história recente da dança.

Conta que se tornou coreógrafo para ajudar a traçar, ele mesmo, a representatividade de que sentia falta. “Eu não teria papéis nas companhias, poderia chegar até o corpo de baile dançando nos conjuntos, mas como protagonista seria difícil.” Fez coreografias com importantes nomes da dança contemporânea, como Pina Bausch e Márcia Haydée. Passou a criar seus próprios papéis. “Uma vez eu disse: ‘Agora vou dançar Shakespeare. Tenho a minha ideia, dançarei o meu Otelo’. Fui pegando temas e subvertendo a imagem que as pessoas têm.”

Para se livrar do estigma de folclórico e de exótico que sua cor carregava, tornou-se mestre em todas as técnicas. “Me declaro um bailarino pós-exótico, não estou interessado em títulos, arte é arte. Absorvi toda essa informação para ninguém ter o direito de me contestar.”

A bailarina que neste mês de dezembro vai estrear com produção de Ismael em Um Jeito de Corpo – Balé da Cidade Dança Caetano diz que hoje teria outra percepção sobre seguir carreira no clássico. Em boa parte por acreditar que, embora a passos lentos, o biotipo negro esteja sendo mais bem compreendido. E por ver exemplos como o de Misty Copeland, primeira-bailarina do American Ballet Theater. “O corpo negro traz um porte atlético, não é uma coisa lânguida, um braço tão fino. Ele até pode ter esse movimento, mas vai ter uma musculatura muito presente e visível”, diz Grécia. “As pessoas estão se posicionando e mostrando que isso também é bonito, que dá para se fazer de uma forma mais inclusiva.”

Diferentemente de Grécia, a carioca Ingrid Silva decidiu insistir no balé clássico. “Acabei me apaixonando por ser uma profissão difícil, por levar você a fazer coisas que nem todo mundo faz”, afirma a hoje primeira-bailarina do Dance Theatre of Harlem, em Nova York.

Andrea Mohin/NYT – 8/4/2018

A trajetória de Ingrid no balé começou com 8 anos, no projeto social Dançando para não Dançar, na comunidade da Vila Olímpica da Mangueira, no Rio. No início, ela nem sonhava em seguir a profissão. “Tive essa oportunidade através do projeto e agarrei com força. Quando surge uma oportunidade assim, você tem de abraçar como se fosse a última coisa da sua vida.”

No começo da carreira, a bailarina diz não ter se sentido deslocada por sua cor. Mesmo sendo a única negra em algumas escolas de balé pelas quais passou. “Óbvio que eu sabia que tinha algo diferente, mas isso não me impedia de crescer.”

Só quando se mudou para Nova York Ingrid teve percepção da disparidade entre negros e brancos que ainda existe aqui. “Quando entrei na sala do Harlem, pensei: ‘Uau, todo mundo é parecido comigo’”, lembra. “No Brasil, não conhecemos nenhuma bailarina clássica negra em papel de destaque. Temos várias companhias muito boas em que todo mundo quer entrar, mas não se tem oportunidade.”

An Rong Xu/NYT – 4/11/2018Ingrid Silva; Dance Theatre of Harlem; sapatilha de ponta

No balé do Harlem, composto majoritariamente por dançarinos negros, uma das tradições é pintar as sapatilhas claras, para que acompanhem a cor da pele dos bailarinos. “Em 1969, Arthur Mitchell, diretor da Dance Theatre of Harlem, criou essa assinatura para a companhia, para que os bailarinos ficassem com uma linha contínua no palco”, conta Ingrid. A bailarina considera o mercado de produtos de balé atrasado em relação às questões de representatividade negra. “Bailarinos negros sempre existiram. Faz onze anos que eu pinto a sapatilha. O Dance Theatre of Harlem existe há 50 anos. Eles não pensaram nisso antes?”

De uma pequena construção em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, pode surgir a próxima Grécia ou a próxima Ingrid. Quem sabe até a história se repita no plural.

Fundado em 2012 pela bailarina Monica Tarragó, o projeto surgiu para levar à comunidade a estrutura de uma escola de balé. “Dar a bolsa em um local renomado é uma coisa, mas a criança precisa ir e voltar, comprar a sapatilha de ponta. Elas usam uma, duas por mês”, diz Monica.

Por meio de patrocínios, o Ballet Paraisópolis consegue financiar os alunos e o material para dançar. “Um tutu custa cerca de R$ 1,8 mil”, conta a fundadora. Monica, que fez carreira na Itália antes de voltar ao País para dar aulas em São Paulo, quer para seus alunos os melhores recursos disponíveis.

Em novembro, o Ballet Paraisópolis apresentou no Auditório Ibirapuera o espetáculo Marias, que trata de questões da comunidade utilizando uma mescla de interpretação, balé clássico, neoclássico e dança contemporânea. “Marias nasceu comigo quando eu cheguei em Paraisópolis, em 2012. Eu encontrava as Marias em todos os lugares”, diz Monica.

Em um dos trechos, cinco bailarinas e um bailarino dançavam, com vestimenta colorida e sapatilhas, a narrativa de um relacionamento abusivo, interpretado em dança contemporânea. A história é também uma homenagem a Maria da Penha.

Minutos antes, as meninas que vieram de Paraisópolis para dançar na estrutura concebida por Oscar Niemeyer haviam encantando a plateia com o Pas de Quatre do balé de repertório O Lago dos Cisnes.

A intenção de Monica foi usar a dança para tratar de forma leve problemas sérios que ocorrem em Paraisópolis. “Elas não vão passar por isso, não podem ter um homem violento, elas terão de ter uma vida boa. Porque a violência é uma história muito repetitiva no Brasil.”

Um dos bailarinos mais novos no projeto, Luiz Fabiano Dias tem 12 anos e pouco mais de um ano de balé. Durante o pouco tempo que dança, já competiu e ganhou segundo lugar no Festival de Dança de Joinville, o maior da América Latina. “Ganhou de meninos realmente mais experientes”, revela Monica. O festival, que faz uma seleção de quem poderá participar meses antes, é referência para diretores de companhias de dança internacionais que buscam talentos.

“Essa vontade deles e o talento absurdo talvez estivessem escondidos dentro de casa, sem nenhuma oportunidade”, conta a diretora. “Vejo milhares de crianças talentosas, que ficam adormecidas e às vezes poderiam ser as melhores bailarinas e bailarinos do mundo.”

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