Brinquedos, jogos educativos, mesas para colorir e até piscina de bolinhas. Poderia ser a descrição de uma creche, mas é o cenário de um ambiente de trabalho. Para quem tem filhos. Espaços de coworking, onde convivem empreendedores e profissionais liberais, se espalharam pelas cidades brasileiras. Mas como fazer com as crianças? Um nicho do nicho se propõe a resolver isso: são as iniciativas de coworking para famílias. Enquanto pais — ou, mais especialmente, mães — tocam sua rotina profissional, os pequenos ficam com cuidadores.
Caso da tradutora Suzana Oguro, de 40 anos, que costuma frequentar o Hugspot, coworking para famílias em Pinheiros, na zona oeste paulistana. O espaço aceita crianças da faixa etária entre 6 meses e 4 anos. “Minha filha adorou aqui. Quando a gente não vem, ela sente falta”, conta Suzana, mãe de Caio e Catarina. “Meu trabalho exige muito foco. Aqui, consigo me concentrar melhor.” Consultora de carreiras, Gabriela Bavay, de 33, também usa o Hugspot e concorda que o modelo do negócio tem muitas vantagens. “O ambiente é ideal para empreender”, diz a mãe da Clarissa.
O desafio de combinar negócios e filhos foi justamente o que moveu as empresárias Júlia Maturana e Daniela Del Nero a fundarem o Hugspot. As duas já trabalhavam em um escritório compartilhado para administrar sua empresa de eventos quando Júlia se tornou mãe de Pedro. Elas embarcaram, então, no novo projeto e inauguraram o Hugspot em maio de 2018. “A dor maior é da mãe. Nós nos comunicamos mais com as mulheres que têm filhos, o que não quer dizer que sejamos fechadas para pais”, explica Júlia. “Mas, após a maternidade, ou a mulher não se sente mais parte do mercado ou é mandada embora depois que volta da licença. Daí, ela se vê num momento em que precisa empreender e, ao mesmo tempo, cuidar do filho.”
A tradutora Suzana Oguro e seus filhos Caio e CatarinaPara a gerente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), Iroá Arantes, o home office não é mais a melhor solução para conciliar maternidade e trabalho. “A mulher está percebendo que ela trabalha mais em casa e não consegue dividir o tempo para o serviço e o tempo para a família”, avalia. “Por isso, os coworkings familiares dão a possibilidade para a mulher exercer sua atividade profissional e, ao mesmo tempo, ter um serviço que a ajude a ter esses momentos específicos com os filhos”. De acordo com a Associação Nacional de Coworking e Escritórios Virtuais (Ancev), esse nicho para famílias representa 5% dos cerca de 1.100 escritórios compartilhados no País.
Pais trabalham e filhos aprendem
Embora não sejam ambientes escolares, esses espaços prezam por atividades planejadas para que os pequenos não fiquem entediados e tornem a interferir no trabalho dos pais. Por isso, Júlia, do Hugspot, contratou uma pedagoga para orientar brincadeiras que estimulem o desenvolvimento em cognição, equilíbrio, memória e fala, entre outros aspectos. “O projeto pedagógico foi pensado para o que as crianças precisam aprender nessa faixa etária. Nosso objetivo é ajudar a desenvolvê-las, porque senão vira um espaço de shopping, onde elas só brincam. Não fazemos alfabetização, mas a criança entende o que é o quente, o que é o frio, como descobrir objetos com o tato, entre outras habilidades”, explica Júlia. As atividades são conduzidas por cuidadoras com cursos como recreação infantil, berçário e massagem.
Essa preocupação também é presente no Jobly Coworking, na cidade mineira de Sabará. Fundado em abril pela educadora infantil Helena Iracy, de 58, e pelo engenheiro civil Alex Duarte, de 34, o estabelecimento oferece atividades como contação de histórias, reciclagem e musicalização, a crianças de 4 meses a 5 anos. “É um modelo de negócio novo e sustentável, mas não é lucrativo a curto prazo. O retorno deve demorar em torno de dois anos”, conta Alex. “O maior investimento é na reforma no local, porque não existe imóvel preparado para isso. O segundo maior investimento foi nos brinquedos dos espaços kids.” Segundo o empresário, o investimento em estrutura adequada e brinquedos variados superou R$ 100 mil.
Se você espera encontrar celulares, tablets, videogames ou qualquer outra diversão eletrônica para seu filho, é bom esquecer: boa parte dos coworkings familiares prefere oferecer brinquedos analógicos. É o caso do Conexão Pandora, escritório em Florianópolis onde as organizadoras defendem atividades infantis fora do ambiente digital. “Temos brinquedos de madeira, de encaixe, desenho, tinta e massa de modelar que eles mesmo fabricam. Nada digital. Acreditamos no desenvolvimento da criança a partir de si mesma. A tecnologia guia demais a criança sobre como brincar e como fazer”, afirma a designer Fernanda Steinbruch, de 35 anos, fundadora do espaço. O local recebe crianças de 6 meses a 5 anos.
* Atualizada em 8 de maio para excluir as informações referentes ao Espaço Alt. O coworking, que funcionava na Vila Mariana, fechou em fevereiro