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Anita Garibaldi é chamada de “heroína de dois mundos”, por ter atuado na Revolução Farroupilha e na Unificação Italiana

Por que Dandara, rainha de Palmares, não é Anita Garibaldi?

Escritos de Giuseppe podem ter ajudado líder farroupilha a furar processo de apagamento histórico que atingiu outras heroínas

Dandara foi uma guerreira negra do século 17. Fabricava espadas para lutar pela libertação de escravos e defender o Quilombo dos Palmares, onde era conhecida como rainha. Conta a história que Dandara se matou pulando de um penhasco, quando foi encurralada por bandeirantes e sua captura já se mostrava inevitável.

Apesar do papel fundamental na resistência dos escravos, a líder não ganhou destaque na historiografia: o protagonismo do quilombo costuma ser dado apenas a seu marido, Zumbi. Dandara, como tantas outras revolucionárias do Brasil e do mundo, foi invisibilizada pelos historiadores, que por muito tempo descreveram apenas os feitos masculinos a partir da dinâmica dos vitoriosos, o que não era o caso de Dandara, mulher, negra, analfabeta e ex-escrava.

Lole/Cedida pela Companhia das LetrasDandara ilustrada por Lole
Há relatos de que Dandara fabricava espadas para defender Palmares

Anita Garibaldi foi outra valente, que cavalgava e manejava armas com habilidade. Protagonizou a Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul, e a Unificação Italiana, na Europa, ao lado do companheiro, Giuseppe Garibaldi. Mas “heroína de dois mundos” conseguiu furar a invisibilização feminina e conquistar espaço na historiografia, sendo figura comum em livros e no imaginário popular. Chegou a ser retratada na minissérie A Casa das Sete Mulheres, da TV Globo.

De acordo com Cristina Wolff, professora titular do departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o companheiro de Anita deixou por escrito muitas memórias sobre ela. Isso teria ajudado a dar visibilidade, sobretudo na Itália, onde Anita se tornou uma heroína republicana. Demorou, entretanto, para ela ser reconhecida no Brasil. “Por muito tempo, não foi bem vista por ter abandonado o primeiro casamento”, conta a professora, que mesmo assim vê diferença no tratamento recebido por ela e por seu companheiro.

Bárbara Malagoli/Cedida pela Companhia das LetrasAnita Garibaldi ilustrada por Bárbara Malagoli
Anita se tornou heroína na Itália antes de ser reconhecida no Brasil

Autora do livro Extraordinárias: Mulheres que Revolucionaram o Brasil, ao lado de Duda Porto de Souza, a jornalista Aryane Cararo concorda que Anita ganhou mais notoriedade por ter sido retratada pelo companheiro. “Ela estava ao lado de uma figura muito conhecida. Não temos certeza de como a invisibilização foi furada, mas temos pistas.”

A obra de Aryane e Duda foi escrita justamente para reparar esse apagamento das mulheres ao longo da história brasileira. As autoras apresentam o perfil de 45 figuras femininas — protagonistas que acabaram erroneamente entrando como coadjuvantes nos livros-textos.
Dandara, por exemplo, quase se tornou apenas uma lenda, por causa da invisibilização sofrida não só por ser negra, mas por fazer parte de um movimento que, questionador, não foi registrado. “A história que chega até a gente é construída a partir de interesses”, comenta Aryane.

O processo de invisibilização

A historiadora Marcela Morente, autora do livro Invadindo o Mundo Público: Movimentos de Mulheres, salienta que o domínio massivo dos homens na produção intelectual — até pelo menos a década de 1970 — ajuda a explicar por que as mulheres não ganharam protagonismo. Elas não trabalhavam na área de historiografia, tampouco eram tidas como sujeitos importantes a se retratar. “Só com o movimento feminista as mulheres foram percebidas e trazidas para dentro da história.” Para a docente, os livros didáticos utilizados nas escolas geralmente são conservadores e trazem as narrativas femininas como curiosidades ou notas de rodapé. “O professor precisa puxar o papel da mulher para a aula. Caso contrário, passa despercebido.”

Novos objetos, novas polêmicas e novas abordagens já ganharam espaço ao menos nas universidades, no entendimento da doutora em História pela Universidade de Salamanca Vanessa Cavalcanti. Os estudos acadêmicos de gênero têm produzido muito material. O desafio, agora, é traduzir em linguagens acessíveis para o público em geral e, claro, atingir livros didáticos, para que toda a população conheça as mulheres importantes da história do País.

Vanessa também critica a abordagem convencional de sempre tratar as mulheres como esposas de outras figuras históricas. “Não são lidas como elas mesmas, mas só nas relações conjugais. Por que as mulheres precisam ser vistas sempre como subalternas?”

Apesar dos avanços já notados, Cristina teme que a questão sofra um retrocesso no Brasil. “Estão questionando o feminismo, a questão do gênero na escola”, justifica a professora de História da UFSC.

Só mulherão

Não só Dandara teve seu protagonismo ignorado pela produção histórica. O livro Extraordinárias: Mulheres que Revolucionaram o Brasil, de Aryane Cararo e Duda Porto de Souza, destaca algumas dessas importantes figuras:

1. Maria Bonita
Batizada como Maria Gomes de Oliveira, foi a primeira mulher a ingressar no principal bando de cangaceiros do Nordeste, em meados de 1930, tornando-se líder do movimento ao lado do companheiro, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.

2. Maria Quitéria de Jesus
Foi a primeira mulher-soldado do País e se alistou para lutar contra o domínio de Portugal na Guerra da Independência (1822-23). Líder na expulsão das tropas portuguesas de Salvador, Maria Quitéria, só conseguiu entrar no exército disfarçada de homem, apesar da imensa habilidade para cavalgar e usar armas de fogo. Durante o período imperial, ficou conhecida como a Joana D’Arc brasileira.

3. Hipólita Jacinta Teixeira de Melo
Participou ativamente da Inconfidência Mineira, no século 18, um dos principais movimentos separatistas do Brasil Colônia. Ela e seu marido, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, estavam entre os maiores líderes. Foi Hipólita quem descobriu a traição de Joaquim Silvério dos Reis, delator de Tiradentes, e comunicou a todos os inconfidentes.