Flávio Dutra/UFRGS Professora Fernanda Staniscuaki brincando com dois filhos
Inspirada na própria dificuldade em conciliar maternidade e carreira, Fernanda Staniscuaski é uma das pesquisadoras que pedem sensibilidade ao CNPQ

Maternidade diminui produção acadêmica. Mas não aparece no Lattes

Pesquisadoras pedem que período seja registrado pelo CNPq para contextualizar a queda e evitar que carreira seja afetada

Quando uma cientista é mãe, sua produção cai. Essa pausa em função da maternidade costuma durar, em média, quatro anos. Mas a informação não consta do currículo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Para o grupo Parent in Science, formado por cientistas do Brasil para discutir temas que envolvem quem tem filhos, o registro na plataforma acadêmica Lattes pode contextualizar a queda e evitar que a progressão de carreira seja afetada.

Até a formação do grupo, em 2017, não existiam dados e projetos de pesquisa que olhassem para a relação entre maternidade e ciência no Brasil, de acordo com a coordenadora do Parent in Science, a bióloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Fernanda Staniscuaski. A pesquisadora desenvolveu, então, um questionário para checar a progressão da produtividade delas.

“A gente viu, de fato, que há uma queda na produtividade de mães e isso vai impactar em quanto ela consegue ganhar editais, bolsas. Você vai ter um efeito em cascata em quanto ela consegue se manter na pesquisa”, afirma. Na última divulgação dos dados, a pesquisa havia ouvido 1.182 professoras, 104 estudantes de pós-graduação e 13 pós-doutoras.

Para a coordenadora do Parent in Science, é necessário, no mínimo, que o CNPq reconheça o período de licença-maternidade no currículo Lattes, plataforma na qual os pesquisadores registram a vida profissional acadêmica. “Se uma pesquisadora era produtiva antes, ela não merece ser penalizada por essa pausa na carreira por causa da maternidade”, defende.

Mãe de três filhos, Fernanda decidiu reunir outras pesquisadoras para propor políticas compensatórias. “Senti muita dificuldade em retomar minha carreira depois da licença maternidade, principalmente porque a gente não tem nenhuma flexibilidade que leve em consideração a mudança na vida de termos nos tornado mães”, afirma a bióloga.

Os dados dos gráficos são preliminares e são da pesquisa “Parent in Science – um estudo detalhado sobre o impacto da maternidade na carreira científica das mulheres brasileiras”. Para obtê-los, Fernanda contou a quantidade de artigos publicados em cada ano pelas pesquisadoras. No caso das que não são mães, há uma clara ascensão na taxa de publicações.A produção de cientistas com filhos cresce, mas depois cai, em decorrência da maternidade.

 

Em 2018, o Parent in Science realizou o I Simpósio Brasileiro sobre Maternidade e Ciência. Depois do encontro nacional  — já está marcada a segunda edição para 2019 —, os organizadores entregaram uma carta ao CNPq pedindo, com o apoio de 34 entidades de incentivo à ciência no País. Entre elas, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Segundo Fernanda, não houve resposta formal do conselho.

Em nota ao Estado, o CNPq diz que é sensível à demanda recebida e que deve encaminhar os pedidos à pauta da reunião da diretoria executiva, responsável pela aprovação das mudanças. Apesar das críticas do Parent in Science, o conselho afirma que já desenvolve ações para discutir igualdade de gênero, como chamadas de apoio a projetos de pesquisas com a temática, encontros com núcleos de pesquisa e prêmios para estudantes do ensino médio à pós-graduação.

Políticas para pesquisadoras mães

No Brasil, apenas o instituto Serrapilheira, de apoio à pesquisa e divulgação científica, tem alguma política de compensação em editais para pesquisadoras mães. Na chamada pública de 2018, mulheres com filhos podem ter terminado seu doutorado até dois anos antes que homens.

Algumas instituições de fomento internacionais têm se destacado ao criar critérios diferentes para a avaliação de pesquisadoras mães, como uma análise de currículo que desconta determinado período da maternidade e coleta dados de produtividade em um espaço de tempo maior.

Na Austrália, o governo da província de Queensland tem um fundo específico para financiar pesquisas de cientistas em períodos de maternidade. Entre 2015 e 2017, o programa Women’s Academic Fund beneficiou mais de 150 pesquisadoras.

Uma das modalidades disponíveis desse fundo permite que as pesquisadoras contratem auxiliares para continuarem o projeto enquanto há licença-maternidade. Para a professora Fernanda, a medida é um exemplo para o Brasil. “Esse é outro gargalo que a gente tem. A gente tem a queda de produção, vai ganhar menos dinheiro e assim produzir menos. Assim, entramos em um ciclo vicioso.”