A advogada Rogéria Gieremek, de 53 anos, ocupa atualmente o cargo mais alto de sua carreira: global chief compliance officer da Latam Linhas Aéreas. A posição, de nome complicado, indica que ela é a responsável por coordenar os esforços de integridade da companhia, com iniciativas para combater a corrupção e a discriminação no trabalho, por exemplo. Isso em âmbito mundial. Rogéria não está sozinha no setor: mulheres lideram o compliance de grandes empresas como Embraer e SAP, fomentando também a luta pela igualdade salarial entre os gêneros.
Bastante estabelecido no exterior, o compliance começou a ganhar destaque no mercado brasileiro após a sanção da Lei Anticorrupção, em 2013. Desde então, as empresas têm investido na criação de departamentos especializados em ética corporativa. Segundo a pesquisa Maturidade do Compliance no Brasil, divulgada neste ano pela consultoria KPMG, 81% das empresas já executam tarefas de compliance e 42% têm setores específicos para isso.
Rogéria está em sua segunda experiência na área. Antes de liderar esses esforços na Latam, ela havia comandado o mesmo setor na Serasa Experian. A advogada conta que o cargo caiu no seu colo, pois já era responsável pelo gerenciamento de riscos no time jurídico da empresa. Mas afirma que se apaixonou. “Sempre quis fazer algo que pudesse mudar a história de uma empresa”, explica. “Se você somar todos os trabalhos feitos em cada uma das instituições, é possível mudar também a história do País.”
Para a executiva, o avanço das mulheres não se verifica só no compliance. “Acho que está ocorrendo uma mudança de mindset. Pelo menos torço muito para isso”, afirma Rogéria. “Essa não foi a realidade que eu vivi a minha vida toda. Vi muitas pessoas boas e bem capacitadas ficando pelo caminho, mas acredito que estamos mudando.”
Denise Iwakura, chefe do departamento de Compliance da empresa alemã SAP no Brasil, também acredita na abertura de mais espaços para mulheres no mundo corporativo como um todo e no potencial de transformação do setor de integridade empresarial. “Compliance não é apenas um conjunto de regras, mandatório e impositivo, mas um valor que pertence a todos, simples e que norteia o dia a dia de cada um de nós.”
Entre as atribuições do compliance officer, nome para o cargo do profissional da área, estão o combate à corrupção e à discriminação por gênero, raça, orientação sexual ou qualquer outro aspecto. Questões como preocupação com impactos ambientais e sustentabilidade também fazem parte da agenda do profissional. Para mulheres que trabalham com o tema, o crescimento da participação feminina na área tem a ver com o maior interesse delas por esses temas.
“Não quero naturalizar, mas temos quase que um dom para isso. Uma coisa é você defender a empresa. Outra coisa é defender o bem e a ética. E a mulher faz isso muito bem”, concorda a advogada Isabel Franco, de 63, que trabalha exclusivamente com compliance desde 2009. “É mais natural da mulher se apaixonar por essa área.” Em 2014 e 2015, ela foi eleita a advogada nº 1 do setor na América Latina pelo Latin American Corporate Counsel Association (LACCA). Neste ano, Isabel aparece na segunda colocação.
Para a global compliance director da Embraer, Giovana Martinez, o setor ainda é novo, o que pode contribuir para a abertura de mais oportunidades para as mulheres. Pelo menos foi o que ocorreu no caso dela. Desde o início da carreira, a advogada trabalhou em grandes empresas e, em 2009, começou a atuar com o compliance como parte do setor jurídico da companhia em que trabalhava.
Em 2013, foi convidada para chefiar a área de compliance da empresa no Brasil. “Eu vi aí uma oportunidade. Já gostava do tema e das tarefas que desempenhava. Além disso, era uma chance de crescimento na carreira”, conta Giovana. Cinco anos depois, se tornou responsável global pelo compliance na Embraer. “Naquela época, ninguém acreditava que esse setor podia crescer tanto. Achavam que teria um boom e depois iria sumir. Talvez por isso nem todo mundo tenha tido coragem de se arriscar e investir no compliance. E acho que as mulheres aproveitaram a chance que surgiu”, afirma Giovana.
A opinião é corroborada pela advogada Juliana Nascimento, chief compliance officer da Unimed Cuiabá. “Por ser uma área nova e por termos um movimento de empoderamento feminino no mundo, com o apoio dos homens, acho que a gente está tomando uma nova vertente e as mulheres estão conseguindo se destacar.”
Percebendo essa presença feminina no setor, Juliana e advogada Anne Caroline Prudêncio criaram em setembro do passado o Compliance Women Committee. O grupo já conta com a participação de cerca de 450 mulheres que atuam na área no Brasil e em outros países da América Latina. “Acho que ocorre uma identificação com as atribuições do cargo. A gente tem uma ligação com a questão da integridade, do empoderamento feminino, dos direitos humanos”, afirma Juliana.
O objetivo principal do comitê é promover a troca de experiências entre as participantes. Mas o espaço também serve como suporte pessoal, de acordo com Anne Caroline, que é sócia de um escritório que presta consultoria em compliance para grandes empresas. “A gente usa muito o grupo para ajudar mulheres que não tiveram apoio a conseguirem autoconfiança para criar o próprio negócio ou para crescer na empresa. Mostrar exemplos de quem já conseguiu subir e estimular isso dentro da mulher”, explica.