O apoio partidário muitas vezes é pouco ou tem intenções duvidosas. Basta ver o caso das supostas candidaturas-laranja do Partido Social Liberal (PSL) de Minas Gerais, investigadas pela Polícia Federal. Se faltam modelos femininos em que elas possam se espelhar, sobram episódios de assédio durante as campanhas. Os desafios enfrentados pelas candidatas no Brasil são vários e bem diversos, como apontam especialistas em política e gênero.
Com essa equação, o resultado de 2018 não teria como ser diferente: apenas 3,4% das mulheres que se candidataram a cargos nos Legislativos foram eleitas, segundo levantamento feito pelo Estado com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Enquanto somente 288 das 8.518 candidatas tiveram sucesso, os dados do TSE apontaram que a taxa de eleição dos homens é mais do que o dobro: 8%.
O financiamento de campanha tem papel central para explicar essa diferença de performance. Por lei, elas deveriam receber, no mínimo, 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário. A norma, no entanto, apresenta falhas e acaba não sendo eficiente para cumprir totalmente o objetivo de incrementar a presença feminina na política.
“O TSE não especificou que esses 30% (do fundo) deveriam ser usados em candidaturas proporcionais”, afirma Maruci, pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da Universidade de São Paulo (USP). “Então, esse dinheiro poderia ser destinado a uma única candidata a vice, tanto que vimos uma alta de mulheres nessa posição, o que não aumenta a participação política feminina.”
O levantamento do Estado mostra que, do total de candidatos ao Legislativo com a maior parte da campanha financiada por recursos partidários, 44,2% eram mulheres. A média dos recursos repassados a elas, no entanto, foi menor: R$ 69.791 por candidata contra R$ 92.143 por postulante homem, entre os que receberam recursos dos partidos.
Pesquisadora do Grupo de Estudos de Gênero e Política da Universidade de São Paulo (USP), Segundo Hannah Maruci diz que existe uma socialização de recursos entre os homens. “Quase metade dos filiados a partidos é mulher, mas elas não estão ocupando cargos de decisão e direção”, explica Hannah. “No período eleitoral, os recursos são distribuídos geralmente pelo diretório nacional, composto majoritariamente por homens.”
Em texto publicado no blog do Master em Liderança e Gestão Pública (MLG), no site do Estadão, a especialista em administração pública Marcela Trópia diz que a lógica atual de funcionamento envolve práticas corruptas. “O Tribunal Regional Eleitoral é rígido quanto à distribuição proporcional dos recursos financeiros dos fundos partidário e eleitoral”, diz Marcela, líder do MGL e graduada em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro. “Uma das práticas mais comuns é repassar o dinheiro para a mulher, mas obrigá-la a gastar na campanha de um candidato que é mais importante para o partido.”
Segundo Marlon Reis, advogado e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, as candidaturas laranja podem resultar em três crimes: fraude, com cassação do mandato, falsidade ideológica eleitoral e estelionato, caso o dinheiro da candidatura seja repassado.
Marcela lembra outra lei criada para combater as distorções, a que garante cota de 30% para participação de mulheres em partidos ou coligações, também ainda não tem apresentado os resultados desejados. “Na prática, a lei possui um efeito bem diferente do seu objetivo, pois ela apenas assegura que existirão candidatas na chapa”, afirma. “No entanto, nem sempre elas são competitivas. Algumas são chamadas de ‘candidatas laranja’, pois não pretendem fazer campanha e em alguns casos sequer são engajadas politicamente.”
Marcela diz que é preciso ir além da reserva de vagas, combatendo o machismo no ambiente partidário, qualificando as candidatas e criando modelos nos quais outras mulheres possam se espelhar.
Projeto polêmico
A cota de participação de 30% esteve no centro de uma polêmica recente, envolvendo um projeto de autoria do senador Angelo Coronel (PSD-BA), que propôs a extinção total da reserva de vagas. O PL 1256/2019 foi rejeitado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania no fim de abril.
Antes da tramitação, proposição do senador motivou inúmeras manifestações contrárias. Caso do documento divulgado pelo Grupo Mulheres do Brasil, presidido por Luiza Helena Trajano. Para as 30 mil integrantes, a solução não está em acabar com as cotas para mulheres na política. “Em que pese a boa intenção de seu autor, entendemos que a proposição vai de encontro aos valores de representação democrática e justiça social”, afirma o manifesto assinado pela empresária e divulgado em 3 de abril. O documento destaca ainda a “inconstitucionalidade” da medida.
Embora as mulheres ainda estejam sub representadas na política, a participação feminina vem aumentando. Após a última eleição, a quantidade de mulheres nas casas legislativas avançou — a bancada feminina na Câmara dos Deputados cresceu 50,9% e três mulheres trans entraram para as Assembleias Legislativas de São Paulo e de Pernambuco.
Na Câmara Federal, a bancada passou de 51 para 77 deputadas. Para o Senado, sete novas mulheres foram eleitas. Com isso, o total ficou em 11 senadoras, uma a menos do que havia, já que Fátima Bezerra deixou o mandato no Legislativo para assumir o governo do Rio Grande do Norte. Apesar do avanço, elas representam apenas 15% dos 584 parlamentares no Congresso Nacional.
As candidatas ainda têm problemas para construir redes de influência e apoio nas siglas, o que afeta o desempenho na campanha. “As mulheres encontram dificuldades muito grandes para construir as candidaturas, desde o básico, como a aceitação dos partidos para que registrem a intenção”, afirma Flávia Biroli, presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) e professora da Universidade de Brasília (UnB). “É um ponto central e tem a ver com as falhas do nosso sistema eleitoral e político. Temos uma história de controle masculino dos partidos. Então, mesmo as mulheres que fazem muita política, em movimentos sociais, sindicatos e organizações, quando procuram postular essas candidaturas, encontram esse ambiente político-partidário muito hostil a elas.”
Ocorre assédio
Aquelas que conseguem ultrapassar as barreiras dentro da rede política ainda têm mais um desafio pela frente: o assédio. “Isso acontece só com as mulheres. Se ela é muito feminina, é assediada. Se adota uma postura mais rígida, dura e combativa, não é mulher, é muito esquisita”, diz a pesquisadora Regina Madalozzo, do Insper. “Vai ser criticada de qualquer jeito. E isso não acontece só no Brasil. Obviamente, é um entrave para que outras mulheres queiram participar da política.”
A série de dificuldades enfrentadas pelas candidatas cria um círculo vicioso que impossibilita a formação de modelos para mulheres na política, diz a especialista. “Não tem aquela política que tem o papel de ser modelo para outras”, explica Regina. “Então, meninas jovens e com capacidade de desenvolver uma carreira política são impedidas de participar nesse processo.”