Mesmo com os desafios reais impostos pelo sistema político brasileiro à participação feminina, 288 mulheres foram escolhidas pelo voto para cargos nos Legislativos estaduais, federal e distrital. O Estado conversou com cinco dessas eleitas sobre os principais desafios enfrentados e as estratégias vencedoras. Elas falaram da importância de se qualificar e participar de redes de mulheres. Também comentam casos de assédio durante a campanha, no ano passado.
A escolha das deputadas eleitas entrevistadas foi feita considerando candidatas que nunca haviam exercido o cargo para o qual venceram a eleição e a diversidade de posições políticas que representam. Confira as histórias:
Júlia Lucy (Novo-DF)
A cientista política Júlia Lucy, de 33 anos, foi a única postulante — entre homens e mulheres — do Partido Novo a conseguir uma vaga na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). Eleita na primeira tentativa, ela afirma que, apesar de ter enfrentado obstáculos específicos às mulheres durante a campanha, sempre acreditou na vitória. “Eu me candidatei exatamente para mostrar que a mulher pode entrar na política e ser competitiva. Quando eu comecei a fazer a campanha, foi para ganhar, para ser a melhor do partido”, conta.
Na empreitada ao Legislativo, Júlia informou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) receitas que somam R$ 29,6 mil, a maioria obtida por doações de pessoas físicas, já que o Novo não recebeu dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. Ela afirma que, dentro do partido, não sofreu resistência e que a sigla não registra candidaturas de mulheres apenas para cumprir cotas. “Eu não era contrária (às cotas), mas comecei a estudar o assunto e vi na prática como acontece. A maioria dos partidos usa candidatas-laranja para poder botar mais homens”, conta. “O simples nome de uma mulher não garante que ela vai ser candidata competitiva.”
Com uma plataforma feminista, Júlia afirma que sofreu assédio durante a campanha, o que provocou mudança na divulgação da candidatura. “É sim uma dificuldade inegável que as mulheres enfrentam. Eu, por exemplo, estava panfletando à noite quando um cara me agarrou à força”, lembra. “Foi muito constrangedor e difícil. Tive de engolir o choro. Houve muitas vezes em que eu evitava sair à noite para panfletar porque tinha medo.”
Para as mulheres que desejam se candidatar no futuro, Júlia tem dicas: “Estude muito, se prepare. E não tenha medo de se expor. A mulher geralmente tem baixa autoestima e medo ou vergonha de falar mais alto, se expor. Vá treinando. Não tenha medo de ser a melhor, de ser competitiva, de lutar por esse espaço. Enquanto a mulher não aprender que tem de brigar por isso, nós seremos prejudicadas nas políticas públicas”.
Érika Hilton (PSOL-SP)
Érika Hilton faz parte da primeira leva de mulheres transgêneros eleitas para a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Além dela, Érica Malunguinho (PSOL-SP) ocupa uma vaga na Casa. Um aspecto, no entanto, distingue as duas candidaturas: a de Érika ocorreu por meio de uma chapa coletiva, a Bancada Ativista, encabeçada nas urnas pela jornalista Mônica Seixas e composta por outras oito pessoas.
De acordo com Érika, a chapa coletiva foi essencial para o resultado. “Seria impossível conseguirmos quase 150 mil votos se cada um de nós resolvesse sair sozinho”, afirma. “A gente sabe como funcionam as campanhas eleitorais, envolvem muito dinheiro e marketing. Talvez alguns até conseguissem, mas não com a vitória expressiva que tivemos.”
A estudante de 26 anos entrou na política em 2015, quando encabeçou uma luta pelo direito de usar o nome social no passe estudantil em Itu, município paulista onde morava. Desde então, tornou-se militante e, em 2016, chegou a tentar uma candidatura individual a vereadora na cidade. No entanto, teve o registro indeferido pela Justiça Eleitoral.
Para Érika, o fato de ser trans não atrapalhou na campanha. Na verdade, ela afirma que foi um incentivador. “Pela primeira vez, o fato de eu ser uma mulher transgênero negra foi combustível para que eu pudesse me eleger. Sim, é muito difícil no pleito eleitoral estar carregando no seu corpo símbolos de preconceitos”, diz. “Mas as ruas, as urnas e as redes sociais demonstraram que queriam essa renovação no cenário político, esses novos rostos.”
A deputada dá dica para as mulheres que desejam se candidatar nas próximas eleições. “A palavra é empoderamento. Precisamos acreditar mais na nossa capacidade como organismo e nos mobilizar para ocupar esses lugares”, afirma Érika. “Que as mulheres se empoderem e não sejam mais as laranjas dos partidos, mas as protagonistas. Esse processo é difícil, mas acredito que a transformação só será possível assim.”
Sâmia Bomfim (PSOL-SP)
A deputada Sâmia Bomfim teve apoio do partido e recebeu verba do fundo eleitoral durante a campanha para o Congresso. Ela estava na segunda faixa de financiamento, de acordo com os critérios definidos pelo PSOL para distribuir a verba aos candidatos nas eleições de 2018, por já tido mandato como vereadora em São Paulo. Apesar do amparo do partido em sua campanha, ela relata que sofreu assédio em diversos momentos de seu curso rumo à cadeira na Câmara dos Deputados.
Em uma ocasião, quando estava panfletando com outras integrantes jovens do partido na Avenida Paulista, foi xingada por um grupo de homens. Uma de suas colegas foi agredida. Ela conta que também sofreu ataques combinados nas redes sociais para derrubar publicações e páginas de sua campanha.
A deputada teve mais de um terço da sua campanha, equivalente a R$ 128 mil, financiada pelo partido — ao todo, ela recebeu R$ 369 mil. O restante da receita foi oriundo de financiamento coletivo, doação de pessoas físicas e recursos próprios.
A candidatura de Sâmia destoa das de outras mulheres que concorreram ao Legislativo no País. Entre as candidatas que tiveram mais da metade da campanha financiada pelo partido, a média recebida foi menor, de R$ 69,7 mil. Ela também foi a única mulher a estar na segunda faixa na distribuição do recurso do seu partido. “Nunca é natural o fortalecimento de candidaturas femininas. Quando a gente consegue, é fruto da organização das mulheres internamente no partido”, afirma a política de 29 anos.
Ela conta que as mulheres que conseguiam mais verba apoiavam outras que tinham menos visibilidade e formavam “dobradinhas” nas candidaturas para tentar eleger o maior número possível de candidatas, já que o partido investiu mais fortemente em candidaturas que considerava “puxadoras de voto”. “Hoje, infelizmente ainda é um privilégio de algumas mulheres, que têm acesso às estruturas partidárias ou que conseguem visibilidade porque tiveram algum destaque.”
Para ter acesso a um cargo na política, Sâmia sugere a construção de uma rede de mulheres que se apoiem dentro das instituições políticas. “Sozinha, nenhuma mulher consegue. Ainda mais se tiver história como a minha, que não é apadrinhada, não tem sobrenome ou dinheiro, que vem de baixo, de movimentos sociais. Com uma rede, nos apoiamos e uma de nós consegue chegar.”
Edna Henrique (PSDB-PB)
A ex-policial e ex-prefeita de Monteiro, cidade do interior da Paraíba, Edna Henrique, de 60 anos, foi uma das quatro deputadas federais eleitas pelo PSDB que integraram o rol de renovação da Câmara. Para a integrante da que é conhecida como Bancada da Bala, ser mulher não foi um entrave. “Não me sinto menos que os homens. Acho que estamos de igual para igual.”
A maior parte do recurso recebido para a sua campanha – R$ 774 mil dos R$ 824 mil – veio do partido, quantia muito superior à média recebida pelas mulheres que tiveram mais da metade da candidatura financiada pelo partido.
Edna começou a atuar como policial aos 17 anos. “Foi um grande desafio, porque era muito pequena a quantidade de mulheres. Mas, mesmo que eu encontre obstáculos, não dou importância a eles e nem ao fato de ser mulher.” Ela conta com o apoio e o incentivo do marido, o deputado estadual João Henrique (PSDB), também ex-policial, e dos filhos. “Sempre me deram muita força para enfrentar qualquer obstáculo, como preconceito, qualquer coisa que exista contra a mulher como policial e agora como agente política.” Durante a campanha, não lembra de ter sofrido nenhum tipo de assédio.
Ela acredita que chegou ao Legislativo nacional graças à aprovação de sua gestão como prefeita. Apesar de condenada a 2 anos de prisão por contratação irregular de servidores, o seu governo tinha aprovação de 55%, de acordo com a última pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (XP/Ipespe).
Carla Morando (PSDB-SP)
O nome de Carla Morando, estreante na Assembleia de São Paulo, foi apontado pelo partido por sua atuação à frente de projetos sociais como o Fundo Social de Solidariedade de São Bernardo, cidade paulista governada por seu marido, Orlando Morando. “Eu não pensava em entrar na política como deputada, apesar de fazer política por outros meios”, diz Carla, de 44 anos. Por acompanhar seu marido na política por mais de 15 anos, já tinha conexões no partido e contou com apoio desde o início da campanha.
A deputada eleita quer combater, durante o mandato, o uso excessivo de recursos públicos por políticos. “Estou me movimentando para organizar uma petição para que seja proibido o uso de carro oficial por deputados que morem a menos de 100 quilômetros da Assembleia. Esses gastos, por mais que pareçam pouco, juntos contam muito para o orçamento.”
Carla recebeu do partido 75% da verba de campanha, que teve um total de recursos de R$ 925 mil. Além do apoio financeiro para chegar à assembleia com o maior número de deputados do País, ela afirma ter se beneficiado do momento social. “O fato de ser mulher na verdade foi um ponto positivo na minha candidatura. A pauta feminista está em alta e isso ajudou a ter mais visibilidade.”
Fisioterapeuta por formação, Carla é empresária e tem como uma de suas principais bandeiras a saúde da mulher. “São elas as mais afetadas pelo que é feito no serviço público. Então, é natural que haja o crescimento e a maior visibilidade de candidaturas de mulheres.”
Ela conta que durante a campanha sofreu ataques pessoais, a seu trabalho como empresária e também por assuntos relacionados à gestão de seu marido como prefeito da cidade do ABC paulista. Carla conta que, apesar dos ataques, não sofreu assédio diretamente por ser mulher.