Anticonformista. É assim que Kuki Bailly, fundadora e CEO da Rede Dotsy, se define. Em 2015, durante um momento de crise econômica que provocou a sua demissão de uma grande empresa de cosméticos, Kuki resolveu investir em algo que sempre serviu de motivação para ela: conectar pessoas. Tudo começou de uma forma bastante simples, com uma publicação no Facebook.
Pela rede social, ela pedia que seus amigos abrissem espaço em suas agendas para trocar ideias e, consequentemente, oportunidades com outras pessoas. A mensagem de Kuki se espalhou, sendo compartilhada para um número ainda maior de contatos. Nascia ali um grupo no Facebook, a Rededots, origem da Rede Dotsy.
“Desenhei um modelo de negócios, vi, escutei as dores que essas pessoas tinham e pensei como eu poderia ajudar através de ferramentas digitais”, conta Kuki. Hoje, com uma comunidade de quase 300 mil integrantes, a rede se transformou em ponte entre consumidores e pequenos empreendedores, ajudando na inclusão financeira e social – também foi uma das 12 comunidades brasileiras escolhidas para integrar o primeiro programa de aceleração mundial do Facebook.
Antes de oferecer os produtos pelas plataformas, os integrantes precisam colocar em palavras as suas histórias e publicá-las para que todos possam conhecer e se identificar com elas. Mulheres são quase 80% da comunidade. “É uma rede que tem esse DNA bem feminino. As mulheres se comunicam bem ali dentro e elas empreendem por diversas razões: por paixão, por necessidade ou pelos dois.”
A empreendedora diz que, ao longo desses cinco anos, aprendeu principalmente a lidar com as pessoas. “É algo muito difícil, principalmente em uma época de crise, em que se junta dor. É uma verdadeira escola.”
Em meio à pandemia, Kuki lançou a nova versão da plataforma Dotsy, um site que funciona como vitrine virtual para os produtos dos integrantes do grupo e oferece pacotes de assinatura para produtores e clientes. Quando Capitu conversou com a empreendedora pela primeira vez, em março, não era possível prever que outra crise estava perto de começar.
De lá para cá, com o aumento do desemprego e, consequentemente, do trabalho autônomo, a comunidade cresceu. De uma média de 5 mil novos integrantes por mês, a Rededots passou a receber 15 mil solicitações.
Mas a demanda não a assusta, pelo contrário. “Claro que positivo nunca vai ser, porque tem muita dor nessa história, mas qualquer crise traz uma outra oportunidade se você tiver esse espírito de reinvenção.”
O vídeo que você vê abaixo foi feito na primeira entrevista dada por Kuki, em março, antes do agravamento da pandemia do novo coronavírus e das normas de distanciamento social. Por isso, a empreendedora aparece na redação do Estadão e sem máscara.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como surgiu a ideia de conectar pessoas e histórias, que é algo central na Rede Dotsy?
Eu sempre viajei muito, conheço muita gente, sempre gostei muito de gente, de ouvir as pessoas e de promover conexões. Quando você conecta, muitos problemas se resolvem porque todas as pessoas conseguem contribuir com alguma coisa. Eu senti o impacto disso a partir do momento que eu tomei a decisão de criar uma comunidade para as pessoas se indicarem, as pessoas trabalharem juntas. Aí, eu acabei vendo que eu realmente tinha razão.
Você diz que a plataforma, mesmo sendo um marketplace, é humanizada. De que forma isso ocorre?
A grande riqueza humana que tem lá dentro é justamente a gente ter uma comunidade que gosta, que valoriza o trabalho feito à mão ou o trabalho de autônomos. E entende o impacto que isso tem na vida das pessoas. Você opta por contratar uma mãe ou alguém que esteja fazendo ele mesmo, em vez de comprar de uma grande cadeia de lojas. Você tem um contato humano. A rede é toda construída em cima de storytelling, de histórias de pessoas reais que estão ali contando sua vida, o que elas gostam de fazer, qual o motivo para estarem fazendo aquilo. Você cria empatia.
Como funciona esse processo de empatia? Que impacto ele tem nos negócios?
Quando você se identifica e conta a sua história, cria imediatamente uma conexão afetiva, emocional. Quem lê sente empatia e toma a decisão de entrar em contato com a pessoa, de conversar com ela e ver o que ambas têm em comum. Atrás daquele produto ou serviço está uma pessoa como você, não uma corporação ou uma marca. A compra passa a não ser uma questão de preço, mas uma questão de valor.
Quais dessas histórias foram mais marcantes para você?
Muitas delas. Tem uma história muito bacana, a da refugiada síria Razan Suliman, que entrou no grupo ainda no início e que diz que encontrou a família dela dentro da rede. Quando ela chegou ao Brasil, não conhecia ninguém e indicaram o nosso grupo. Ela foi acolhida e criou um negócio de catering de cozinha síria. Por conta do sucesso que ela teve na rede, conseguiu uma repercussão enorme para seu trabalho. Há um senhor de 82 anos que faz uma receita de strudel ensinada pela avó dele, húngara. Com isso, consegue pagar o seguro-saúde. Tem o Mateus, que tem síndrome de Down. Ele faz biscoitos maravilhosos e é bem-sucedido na rede.
E a sua história? Como você virou, nas suas próprias palavras, uma anticonformista?
Na verdade, eu nunca me conformei, sempre achei que existiam outras formas de fazer as coisas. Se você vira para mim e fala que não dá para fazer, vou responder: “Só vai demorar um pouco mais, mas a gente vai resolver”. Eu tenho esse espírito, sou otimista, até irritantemente otimista. A partir do momento que eu vi que realmente conseguiria usar tudo o que aprendi na minha vida, toda a experiência que tive na área de criação, comunicação, branding e design para ajudar essas pessoas a criarem seus negócios, tudo mudou.
Como é ser mulher no mundo dos negócios de hoje?
É difícil e desafiador, mas nós gostamos de desafios. Eu acho que existe um longo caminho a se percorrer ainda. E que o equilíbrio é a solução e não o embate, uma reação agressiva ou o sentimento de injustiça. É uma coisa que está na veia da nossa sociedade e que precisa mudar. Está mudando a passos de formiga, mas eu resolvi assumir esse papel. Se eu puder abrir essa frente, se eu puder fazer parte dessa legião de mulheres que estão querendo mudar isso, abrir a cabeça das pessoas, desse universo de negócios e mostrar uma maneira diferente de fazer, vou até o fim.
Você acha que está mais fácil para as mulheres lidarem com o mercado?
Acho que não. Eu acho que há uma quantidade gigantesca, enorme, de mulheres que têm projetos criativos, incríveis, mas sem o mínimo de investimento para tirar esses planos do papel. Adoraria poder contribuir mais com isso e, em um futuro próximo, ter mais envolvimento na curadoria de projetos e de investimentos. Ter um papel protagonista na companhia de outras mulheres maravilhosas que estão aí. Conheço várias que têm essa mesma vontade e esse mesmo desejo.
O que você diria para as mulheres que estão pensando em começar a empreender?
É preciso ter muita persistência. Muita fé. Você conhece sua história, sabe o que é capaz de fazer. Siga em frente, pois sempre vai encontrar aliados. É óbvio que também vai ter oposição, mas não se ligue nisso. Quanto mais falam que eu não consigo, mais eu quero fazer. Eu sou assim e conheço outras pessoas que são assim também. Mas as mulheres precisam ir fundo na decisão, têm de fazer a lição de casa, estudar e procurar dentro delas o motivo para empreender. E abraçar isso como um polvo, por todos os lados, sem largar.